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O Torcedor Paulistano – Análise e crítica da pesquisa Datafolha

Marco Antunes de Lima 20 de março de 2017

No último dia 1° de Março o Instituto Datafolha, órgão de pesquisas do Grupo Folha, publicou uma pesquisa[1] em que se buscava determinar o time de preferência entre outras questões sobre futebol na cidade de São Paulo. A pesquisa foi realizada entre os dias 8 e 9 de fevereiro de 2017.

Com 1092 entrevistados de todas as regiões da cidade de São Paulo a pesquisa trabalhou três perguntas básicas sobre o futebol em São Paulo: a primeira seria qual o time de futebol de preferência do entrevistado; a segunda qual o principal clássico paulista atualmente e a terceira, já baseada na resposta na primeira, se o entrevistado poderia citar três jogadores de seu time de preferência.

Conforme informações do Datafolha a pesquisa tem margem de erro de 3% e um nível de confiança de 95% e foi feita com cidadãos com 16 ou mais anos de idade.

Neste texto pretendemos trazer algumas questões suscitadas a partir dos resultados das pesquisas e também levantar algumas críticas quanto aos resultados e à pesquisa em si.

Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o município de São Paulo tem população estimada, em 2016, de mais de 12 milhões de habitantes[2], número este que consideraremos para transportar as porcentagens mostrada nas pesquisas.

Parte da tabela indicando os times de preferência dos entrevistados na pesquisa.
Parte da tabela indicando os times de preferência dos entrevistados na pesquisa.

Corinthians com o mesmo número que a soma dos rivais

Talvez o resultado que mais tenha gerado polêmica na mídia e entre os torcedores paulistanos foi que o Corinthians tem o mesmo número de torcedores que a soma dos seus grandes rivais Palmeiras, São Paulo e Santos. É público e notório que em São Paulo a torcida corintiana é a maior há muito tempo, como podemos ver no próprio histórico da pesquisa, que ocorre desde 1993. Nos últimos anos a torcida corintiana esteve praticamente no mesmo patamar, chegando, em 2010, a 40% da preferência paulistana. Logo, concluímos que o dado não é novo e que, levando-se em conta a margem de erro a igualdade entre a torcida corintiana e as dos demais rivais não é nenhuma novidade.

Ressaltamos também que essa maioria de torcedores corintiana só se revela em retorno para o time na hora de negociar direitos de televisão – o Corinthians ainda é o clube paulistano que mais recebe receitas de TV – entretanto, com a entrada do Esporte Interativo no mercado de transmissão do Brasileiro a diferença entre o Corinthians e os demais clubes já não é mais a mesma e nem se aproxima na diferença percentual apontada na pesquisa.

Com um potencial de aproximadamente 4 milhões e 200 mil torcedores no município a diretoria corintiana não parece aproveitar proporcionalmente os número de torcedores, como fazem as diretorias de seus principais rivais. Palmeiras, São Paulo e Santos conseguem investir melhor, até mesmo com melhores patrocínios, e atualmente possuem elencos mais qualificados em campo. Obviamente que tamanho de torcida não é fator primordial para proporcionalizar investimentos e qualidade do elenco, entretanto, na era do futebol moderno, onde torcedor é considerado mercado consumidor o potencial apresentado pelo Corinthians ante os seus rivais não condiz com a realidade.

O grande potencial flamenguista

Pai e Filho assistem partida Flamengo x Figueirense, no Pacaembu. (foto: Fábio Soares - Futebol de Campo)
Pai e Filho assistem partida Flamengo x Figueirense, no Pacaembu. Foto: Fábio Soares/Futebol de Campo.

O Clube de Regatas Flamengo já sabia de sua grande torcida na capital paulista. Em 2016 foram três partidas na cidade de São Paulo, mais precisamente no tradicional estádio do Pacaembu. O Rubro Negro carioca empatou com o Fluminense pelo campeonato Carioca e venceu Figueirense e Santa Cruz pelo Campeonato Brasileiro, com públicos superiores a 25 mil por partida.

A pesquisa Datafolha mostrou exatamente isso: a grande quantidade de torcedores flamenguistas na capital paulista. Com cerca de 2% dos entrevistados, ou aproximadamente 240 mil pessoas o Mengão tem a quinta maior torcida da cidade e um grande potencial de marketing. Não sabemos quais os planos da diretoria flamenguista para 2017, mas a cidade de São Paulo e a sua grande quantidade de torcedores poderiam ser muito bem utilizados pelo Flamengo.

O Santos demonstrou ter cerca de 5% do número de torcedores paulistanos, cerca de 600 mil pessoas. Um número considerável de torcedores, maior do que a população total da própria cidade de Santos. Tal informação levanta novamente a questão do Santos Futebol Clube fazer um maior números de jogos na própria cidade de São Paulo do que em seu estádio, Vila Belmiro. Quando joga pela capital o Santos, comprovadamente, leva muito mais torcedores ao estádio. A pesquisa aponta que a torcida santista realmente encontra-se em maioria na capital paulista e imaginamos que a diretoria do alvinegro praiano deva perceber e utilizar essa informação para o bem do clube.

A Lusa e os demais clubes da cidade e nacionais

A pesquisa Datafolha apontou que nem 1% dos entrevistados seriam torcedores da Portuguesa de Desportos. A Lusa foi citada como time preferencial entretanto não o suficiente para aparecer com porcentagem. Aí que acho que a pesquisa falha na divulgação dos dados. O Instituto Datafolha deveria apresentar os números absolutos para que os resultados pudessem ser melhor analisados.

Pensamos que essa crítica vale tanto para a Lusa como também para os demais clubes citados na pesquisa, inclusive aqueles mostrados como “outros”, que deveriam ser informados na pesquisa. Além da Lusa, Vasco da Gama, Vitória, Bahia, Paraná, Internacional, Cruzeiro, Atlético-MG, Botafogo e Fluminense são mostrados como se tivessem sido citados, mas não temos o número exatos de torcedores dentro dos 1092 entrevistados. Nos parece que a intenção original da pesquisa seria apenas saber quais eram as porcentagens de torcedores dos grandes clubes paulistas na cidade de São Paulo e os dados sobre as outras equipes nacionais e até mesmo da cidade são irrelevantes a priori.

O maior confronto é mesmo o Derby

Conforme os dados apresentados na pesquisa o confronto considerado como o maior clássico paulistano entre todos os torcedores é o Derby, clássico entre Corinthians x Palmeiras, com os dados ratificando a tradição que completou 100 anos em 2017.

O interessante é que a torcida palmeirense considera o confronto contra o arquirrival Corinthians o mais importante clássico em porcentagem maior do que a torcida corintiana considera o mesmo clássico ante seu tradicional rival: 63% a 45%. Os dados apontam que a torcida palmeirense tem maior consideração pelo Derby do que a torcida corintiana. As diretorias das duas equipes trabalharam muito bem o marketing para os confrontos desse ano do Derby, criando até mesmo uma marca própria para o Derby Centenário e explorando a rivalidade de maneira comercial.

Logo do Derby Centenário(foto: divulgação)
Logo do Derby Centenário. Foto: divulgação.

Um dado preocupante sobre o principal clássico da capital paulista que a pesquisa tratou foi o fato de cerca de 38% dos entrevistados não saber ou não lembrar qual o principal clássico paulista, o que nos leva a discussão do próximo tópico.

O paulistano se interessa realmente pelo futebol?

A pesquisa apresentou que 24% dos entrevistados informou não ter nenhum time de preferência, ou seja, podemos aferir que um quarto da população paulistana, cerca de 3 milhões de pessoas não possuem um clube preferido. É um número elevado mas também não chega a ser um absurdo. O número que, em nossa opinião, mostra que talvez o paulistano não seja tão apaixonado por futebol é o fato que, conforme indicou o Datafolha,  51% (corintianos), 59% (palmeirenses), 60% (são-paulinos) e 49% (santistas) dos entrevistados não souberam citar nomes de jogadores do seu time de preferência. Podemos dizer, pelo menos baseando-se pesquisa apresentada, que a maioria dos torcedores dos clubes paulistas não conhecem tão a fundo os elencos de seus times de coração. Podemos arguir, logo, que não seriam torcedores tão apaixonados ou ligados no clube, apenas tendo um clube por uma suposta obrigação de ter um clube de futebol para torcer. Obviamente que esse não é o caso do leitor deste texto, haja vista que não estaria aqui se não gostasse de futebol, entretanto fica o questionamento sobre o quão interessado em futebol é o torcedor (aquele que se declara) em geral.

Obviamente que esses dados apenas não são suficientes para decretar essa não paixão do paulistano pelo futebol como uma verdade. Faltaram perguntas que poderiam terem sido tratadas na pesquisa, ou em outras, como com qual frequência o torcedor acompanha o seu time; por quais meios o torcedor acompanha o seu time (estádio, rádio, TV), o quanto o torcedor gasta com seu time. Questões que não foram abordadas mas que completariam o quadro do interesse do paulistano pelo futebol.

Os estádios de futebol paulistanos não estão tão cheios como costumavam estar a 20 ou 30 anos atrás. São inúmeros os fatores que consideramos para que isso esteja ocorrendo: a elitização do esporte – corroborada pelo alto preço dos ingressos, a falta de organização do futebol brasileiro – corroborada por dirigentes que não se importam com o clube, os horários dos jogos – 10 da noite em uma cidade como São Paulo não é o melhor horário para se assistir uma partida de futebol. Todos esses fatores, entre outros, talvez tenha diminuído o interesse do paulistano pelo futebol, e consequentemente pelo seu clube. Obviamente que a população é muito grande e a parte que tem um grande interesse ainda é muito grande em termos de números, mas vemos que a mentalidade dos torcedores, de maneira geral, não é mais a mesma. Poderia ser um declínio da ideia do Brasil como o País do Futebol?

A pesquisa realizada pelo Datafolha é boa para fazer alguns questionamentos sobre as características dos torcedores paulistanos, mas há ainda muito a ser aprofundado se quisermos conhecer melhor esses torcedores; como pensam e como se relacionam com seus clubes e com o futebol.

 

[1] Instituto Datafolha. Pesquisa PO813911. Pode ser encontrada no web site http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2017/03/1862736-entre-paulistanos-corinthians-tem-maior-torcida-e-faz-principais-classicos.shtml. Também em anexo no final desta página.

[2] http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=3550308

O arquivo em PDF da pesquisa pode ser baixado neste link.

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Marco Antunes de Lima

Graduado em História pela USP e editor do Ludopédio.

Como citar

LIMA, Marco Antunes de. O Torcedor Paulistano – Análise e crítica da pesquisa Datafolha. Ludopédio, São Paulo, v. 93, n. 22, 2017.
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