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Os “lixos nordestinos” calam a boca dos imbecis da elite do futebol brasileiro

Claudinei Reis Pereira 14 de julho de 2021

O Nordeste, dentro e fora de campo, sempre fora visto como inferior, seja no âmbito do futebol, cultural, intelectual ou político. Mas, uma das respostas diante de tal preconceito e visão está sendo superada por meio da maior paixão nacional: o futebol.

No dia 3 de junho de 2021, o time do Palmeiras foi ao estádio Rei Pelé em Maceió-AL para enfrentar o RCB pela Copa do Brasil, equipe comandada pelo técnico Allan Rodrigo Aal. O Palmeiras, o atual campeão da América e da Copa do Brasil, vencera o primeiro confronto por 1×0. A partida aparentemente fácil, se mostrou equilibrada: com a posse de bola total de 47% para o CRB, atrás apenas dos 53% de posse para equipe Alviverde. Ademais, houve um total de 14 finalizações para o time do CRB e 15 para o time paulista. Mesmo assim, a vitória diante da diferença técnica do CRB veio logo na primeira etapa do primeiro tempo, aos 41 minutos, com gol do atacante Willian do verdão. Com o resultado de 1×0, a equipe paulista levara a vantagem do empate para decidir em casa no dia 9 de junho, no Allianz Parque.   

Entretanto, a vantagem do empate pela vitória fora de casa não foi suficiente para que o verdão pudesse vencer a equipe nordestina. Se o Palmeiras mostrou sua superioridade técnica no estádio Rei Pelé, lhe faltara protagonismo e eficiência no Allianz Parque. Para termos uma ideia, a equipe paulista teve 71% de posse de bola frente aos 29% de posse da equipe nordestina. Como se não bastasse, o mesmo teve 34 finalizações, entre elas, 10 ao gol para apenas 2 finalizações no jogo para o CRB, entre essas duas ao gol, uma delas fora parar no fundo das redes da equipe do atual campeão da América. Todavia, mesmo com a forte pressão do verdão no jogo, foi o CRB que fez o gol com Ewandro logo aos 6 minutos do primeiro tempo, após a assistência de Diogo Torres. Com o resultado final de 1×0 para o CRB, a partida fora decida nas penalidades máximas.  

Após perder nos pênaltis, no mundial de clubes para o Al-Ahly, por 3×2 e perder 7 pênaltis nas disputas da Supercopa e Recopa, o Palmeiras mais uma vez se mostrou ineficiente e incompetente nas cobranças das penalidades, agora, frente a equipe do CRB. O atual campeão da América e da Copa do Brasil perde 4 pênaltis, sendo derrotado ao final por 4×3, sendo, assim, eliminado do torneio de maior premiação nacional.

Além desse feito, paralelamente, o Juazeirense da Bahia vencera o Cruzeiro (maior campeão do torneio, com seis títulos, e que atualmente se encontra na série B do brasileirão) após fazer um gol nos 40 minutos do segundo tempo, levando a disputa para os pênaltis. Com a vitória, o time baiano chega à fase das oitavas de finais da competição, deixando para trás o time da raposa, embolsando 2,7 milhões.  

Copa do Nordeste
Foto: Amanda Paiva/CBF

Esses dois exemplos históricos mostram que a evolução do futebol nordestino não parece ser fonte do acaso. Times atuais, como Ceará, Bahia, Fortaleza e Esporte Recife vêm demonstrando um bom desempenho dentro e fora de campo. É só olharmos a classificação (mesmo sabendo que fora apenas o começo do campeonato brasileiro, 5ª rodada) e os feitos das equipes destacadas. Mesmo sendo apenas o começo do torneio, na 5° rodada do campeonato encontramos, na classificação geral, o Fortaleza em 3º lugar e logo abaixo e o Bahia na 4º colocação geral. O Ceará, que no dia 24 de junho venceu por 2×1 o time dos mecenas Atlético Mineiro, equipe esta de Hulk, Keno, Eduardo Sasha e do meio campista argentino Nacho Fernández, fora derrotada com o gol nos últimos minutos do jogo após falha do goleiro atleticano Éverson. Aliás, o mesmo time perdera logo na primeira rodada para o time do Fortaleza, no dia 30 de maio, por 2×1 no estádio Governador Magalhães Pinto, em Belo Horizonte.

Ademais, talvez a mais emblemática demonstração da força nordestina fora a vitória do time do Fortaleza, comandada atualmente pelo técnico argentino Juan Plabo Vojvoda, que vencera por 5×1 o Internacional no dia 6 de junho, no Estádio do Castelão, criando uma crise interna no clube e vergonha histórico-nacional. Além disso, o badalado e nome de desejo de muitos clubes brasileiros, o técnico espanhol Miguel Angel Ramirez, que chegara para assumir o clube, frente a derrota vexatória fora demitido.

Um fato que marcou o dia 8 de junho foi a declaração do radialista paulista e comentarista esportivo Domênico Gatto, locutor e apresentador da Energia 93 FM, que teria usado termos como “lixo” e “porcaria” em um debate esportivo, referindo-se ao futebol nordestino durante o programa. Conforme a equipe de redação do site Diário do Nordeste, Domênico teria usado a seguinte expressão: “Mano, vocês estão loucos. Vocês estão se baseando em duas rodadas. O Alê se baseia na Copa do Nordeste que é uma porcaria, um lixo. Desculpa, com todo o respeito, é uma porcaria. O Bahia é o mais forte desses, talvez nem lute para não cair, mas também não vai chegar à Libertadores, é uma porcaria também, outro lixo. Vou falar que o Ceará é uma potência? É uma porcaria”, declarou.

O comentário do “paulistano palmeirense” teve repercussão negativa nas redes sociais e por parte dos comentaristas mais sérios do país. Tendo tom de xenofobia, a fala do radialista teve protestos, entre eles, do jogador Arthur Cabral (jogador relevado na base do Ceará, que atualmente defende o Basel, da Suíça), que se manifestou em suas redes sociais: “Continua falando m… Algumas equipes nordestinas, hoje, são muito melhores, mais organizadas, mais estruturadas (inclusive pagando bem e em dia) do que muitas equipes consideradas grandes do Sul/Sudeste do Brasil. E já que você enfatizou tanto o nível técnico dos jogadores, eu posso falar do nível técnico de alguns comentaristas? Porque meu sonho é entender como alguns de vocês conseguem chegar a tal posto”, escreveu o atleta em seu Instagram.  O irônico da história é que o comentarista é palmeirense, time atual campeão da Copa do Brasil que fora eliminado pelo CRB de Maceió, Alagoas.

Os feitos dos times nordestinos até então mostram que o futebol nortista tem sua força e organização. Times como Vasco da Gama, dos lendários e craques Edmund, Roberto Dinamite, Romário; o Botafogo, de Mané Garricha, Nilton Santos, Jairzinho e o Cruzeiro, de Tostão, de Alex, Dirceu Lopes… Hoje, se encontram na série B da elite do futebol brasileiro e afundados em dívidas “impagáveis.” Por outro lado, os times nordestinos têm se sustentado na primeira linha do futebol e com saúde financeira estável. De acordo com dados da Folha de São Paulo, “ao mesmo tempo, em que clubes tradicionalmente poderosos – e historicamente com maior acesso ao dinheiro – vivem algumas de suas piores crises na história, outros aproveitam a instabilidade dessas instituições para fincarem os dois pés na primeira divisão”. Além disso, “o Ceará, por exemplo, é o clube com o menor endividamento entre os participantes da última Série A, e seu rival, o Fortaleza, vem logo atrás. Na lanterna desse indicador está o Botafogo, que também terminou na última colocação o Campeonato brasileiro de 2020”.

Ao certo, o que percebemos atualmente no futebol brasileiro não é mais a força que carregamos dos “pentacampeões” do mundo, mas, a cada dia precisamos reconhecer não só que o futebol evoluiu nos seus esquemas táticos e técnicos, como também no modo de ver e encarar o futebol com profissionalismo. Talvez, dizer isso não seja suficiente. Quiçá seja necessário mais uma vez um vexame nacional dos considerados “grandes do futebol brasileiro”. Quem sabe, mais um 7×1 seja capaz de fazer-nos reconhecer que o futebol não é mais um lugar exclusivo de um Estado, de um país ou de uma nação, mas daqueles que evoluíram tática, técnica e financeiramente no considerado “país do futebol.”    

Fontes pesquisadas

ABRAMO, Artur. Palmeiras perde para o CRB nos pênaltis e é eliminado precocemente da Copa do Brasil. Acesso em: 25 jun. 2021.

RODRIGUES, Bruno; PETROCILO, Carlos. Sucesso nordestino e fracasso carioca indicam nova balança do futebol brasileiro. Acesso em: 25 jun. 2021.  

UTZ, Fábio. Arthur Cabral rebate comentarista que atacou times nordestinos: “posso falar do nível técnico de vocês”.  Acesso em: 26 jun. 2021. 

www.sofascore.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Claudinei Pereira

Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo  - UFES

Como citar

PEREIRA, Claudinei Reis. Os “lixos nordestinos” calam a boca dos imbecis da elite do futebol brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 24, 2021.
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