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Os vagabundos do Parque Alfredo Víctor Viera, Montevideo Wanderers

Leda Costa 15 de abril de 2016

O jogo de sexta-feira, dia 25 de março, entre Brasil x Uruguai me fez lembrar da minha visita a terra dos Celestes e que rendeu algumas postagens sobre os estádios Centenário, Parque Saroldi e Gran Parque em Montevidéu. Porém, ainda restou falar sobre o Parque Alfredo Víctor Viera que é a casa de um clube charmosíssimo, oficialmente fundado em 1902 e que foi o primeiro a levantar uma taça de campeão no Estádio Centenário, em 1931.

E por sinal essa foi sua última conquista.
 
Estou falando do Montevideo Wanderers Fútbol Club ou Los Bohemios, como também são conhecidos.
 
Montevideo Wanderers Fútbol Club
 
113 anos de história futebolística é uma marca incrível. Porém, a trajetória do Wanderers se relaciona a tempos mais remotos ainda, já que seu nascimento tem conexão direta com o Albion, o clube mais antigo do Uruguai, de 1891, e um dos fundadores da Asscoiação Uruguaia de Futebol. Em 1902, Uruguai e Argentina se enfrentaram naquela que é considerada por alguns como o primeiro jogo entre seleções Sul Americanas. O time uruguaio foi composto jogadores do Nacional e do Albion, sendo que entre esses estavam Juan e Enrique Sardeson.
 
Em pé Enrique Sardeson e sentado Juan Sardeson. Julho 1902. Fonte: http://www.futbolnostalgia.com/amsud1.htm
Os irmãos Sardeson, insatisfeitos com o Albion, lideraram a criação de outro clube e meses depois daquele jogo, mais especificamente no dia 15 de agosto de 1902, fundaram o Montevideo Wanderers Fútbol Club cujo nome é inspirado no Wolverhampton Wanderers time que os irmãos conheceram quando visitaram a Inglaterra.
 

O uniforme do Wanderers de Montevidéu é em homenagem ao Club Atlético Estudiantes, da vizinha Argentina, também conhecido como Estudiantes de Caseros

Estudiantes de Caseros.
Com as cores preto e branco, o Wanderers traçou sua história no futebol uruguaio que teve como um de seus principais momentos a conquista do Campeonato de 1931.
Wanderers 1931, campeonato uruguaio, ainda no regime amador. Fonte: http://www.ovaciondigital.com.uy/futbol/bohemio-sensacional.html
Wanderers 1931, campeonato uruguaio, ainda no regime amador.

Importantes nomes passaram pelo Wanderers entre os quais destaca-se Obdulio Varela, o capitão da seleção Uruguaia, em 1950, e Enzo Francescolli jogador que eu, particularmente, adorava ver jogar pela Celeste. Francescolli foi revelado pelo Wanderers e esse foi o único clube uruguaio no qual atuou.

Em 2014, o Wanderers esteve perto de conquistar o campeonato uruguaio, ao vencer o Apertura e disputar a final com o Danúbio. Mas… os Boêmios perderam. Uma pena.

 

Parque Alfredo Víctor Viera

Minha viagem ao Uruguai não teve um planejamento necessário para que eu pudesse ter um melhor aproveitamento da vida futebolística do país. Poderia ter feito um estudo mais profundo sobre os estádios, mapeá-los de modo a poder visitá-los em um maior número possível. Mas não fiz isso por uma série de motivos que nem vale a pena mencionar aqui. Porém, independentemente de qualquer planejamento, desde cedo sabia que um desses estádios seria o do Wanderers, localizado no bairro do Prado.

Munida de um mapa e de um péssimo portunhol peguei um ônibus que me deixasse no bairro Prado e após algum tempo consegui chegar lá. O Prado é um pouco afastado do centro da cidade, mas de fácil acesso, não faltando ônibus que passe por lá. A prioridade era encontrar o estádio do Wanderers, o que consegui após uma caminhada de 10 minutos, depois de saltar do segundo ônibus que havia pego, já que no primeiro eu perdi o ponto.

O bairro é basicamente residencial e muito arborizado, onde se localiza o Jardim Botânico assim como o Rosedal onde há cerca de 12 mil roseiras. Não vi nenhum desses lugares. Caminhei pelas ruas um tanto vazias perguntando a quem encontrasse, onde ficava o estádio do Wanderers. Até que cheguei onde queria.

Parque Alfredo Viera, Montevidéu. Foto: Leda Costa.

Então, fui percorrendo o estádio, do lado de fora, e me deparei com suas arquibancadas que à primeira vista pareciam ser de madeira. O estádio tem um aspecto frágil, antigo e me pareceu difícil imaginar que ali jogos ainda fossem realizados. E são. Muitos jogos do Wanderers pelo Campeonato Uruguaio ocorrem em seu estádio que tem capacidade para 7000 torcedores.

Arquibancadas do Parque Viera. Foto Leda Costa
Arquibancadas do Parque Viera. Foto: Leda Costa.

O estádio do Wanderers foi aberto ao público em 1933 e continua resistindo ao tempo e às dificuldades do futebol uruguaio que há alguns anos não poupa nem mesmo os poderosos Nacional e Peñarol. Os problemas são ainda maiores para clubes como o Wanderers que há mais de sete décadas não conquista um título de campeão uruguaio da primeira divisão.

Mesmo assim, os Boêmios se mantém e com razoável altivez e tive a impressão de que os torcedores são parte fundamental para que o Wanderers mantenha-se firme.

Foto Leda Costa
“Los Vagabundos”. Foto: Leda Costa.
1902 MWFC. Foto: Leda Costa.
Essa homenagem é para Maxi Olivera, capitão do Wanderers, camisa 13.
Essa homenagem é para Maxi Olivera, capitão do Wanderers, camisa 13. Foto: Leda Costa.
Foto Leda Costa
“Los Vagabundos a todos lados. Foto: Leda Costa.

Vagabundos é como a torcida do Wanderers costuma ser conhecida, em alusão à tradução do nome do clube. Não tive a oportunidade de conhecê-los em um jogo, mas espero que um dia consiga essa proeza. Entretanto, mesmo ausentes e mesmo do lado de fora do estádio,  a presença dos vagabundos é bastante marcante. Isso me deu a certeza de que aquele estádio de aparência frágil e antiga, tinha vida futebolística forte.

O Parque Alfredo Viera me pareceu um lugar do qual a torcida havia se apoderado, evidenciando suas marcas no lado externo, o que achei particularmente fascinante. É certo que muitos podem achar que é descuido, deixar à vista de todos, diversas marcas como saudações a jogadores, xingamentos aos adversários e o escudo do clube pintado sem muita destreza.

MWFC 1902. Foto: Leda Costa.

Eu interpretei tudo isso como sinal de que os torcedores do Wanderers são como gatos que gostam de demarcar seu território.

 

O Estádio por dentro

Toda vez que avistava uma brecha eu olhava e tentava ver como era o estádio por dentro. Tentava tirar foto e ver se havia algum modo de entrar, meio que sorrateiramente. Tudo isso porque sou tímida. Entretanto, não teve jeito, vi que a única saída era bater a porta do estádio e pedir a gentileza de me deixarem conhecer o Parque Viera. Respirei fundo e apertei o botão de um porteiro eletrônico. Dele veio uma voz cujas palavras não pude entender exatamente, mas que imediatamente respondi, em Português mesmo, dizendo que eu queria muito visitar o estádio.
 
Só ouvi o barulho do portão se abrindo…..
 
Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

Entrei e fui recebida por um simpático moço chamado Alejandro que parecia desempenhar funções diversas no clube, entre as quais abrir o portão. Me apresentei como brasileira apaixonada por futebol e que queria muito conhecer o Wanderers. Cordialmente Alejandro me deixou à vontade para percorrer as arquibancadas do estádio. Os jogadores haviam acabado de treinar e alguns pegavam suas roupas penduradas em um varal que se esticava próximo a uma das arquibancadas. Outros já estavam prontos para ir embora.
 
Dois cachorros latiam sem parar, provavelmente estranhando minha presença. Lati um pouco pra eles também e fui desbravar o Parque Alfredo Victor Viera.
 
 
Estádio Parque Alfredo Viera. Foto: Leda Costa.
Estádio Parque Alfredo Viera. Foto Leda Costa
O estádio entrenhado no Bairro Prado. Estádio Parque Alfredo Viera. Foto: Leda Costa.
Estádio Parque Alfredo Viera. Foto Leda Costa
Estádio Parque Alfredo Viera. Foto: Leda Costa.
Estádio Parque Alfredo Viera. Foto Leda Costa
Estádio Parque Alfredo Viera. Foto: Leda Costa.

 
Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.
Pouco soube da história do estádio. Não encontrei fotos da inauguração, nem mesmo no site oficial do Wanderers, porém me deparei com o “Código de Conducta Parque Alfredo Víctor Viera M.W.F.C”, um documento disponibilizado pelo clube que contém uma série de regras a serem cumpridas pelos frequentadores. O Código é válido para dias de jogo e trata-se de um documento fundado na preocupação com possíveis punições vinda da AUF (Associação Uruguaia de Futebol) em caso de incidentes. O documento pode ser acessado no site do Wanderers (http://mwfc.com.uy/wp-content/uploads/codigo_conducta.pdf), mas adianto algumas de suas recomendações, especificamente, as que se referem aos objetos proibidos:
 
e) Lienzos, pancartas, banderas, símbolos o leyendas que inciten a la violencia, a la xenofobia o con expresiones injuriosas, políticas, religiosas, o que por su tamaño obstaculicen la visibilidad del espectáculo del público asistente, o dificulten el control de la seguridad del espectáculo de fútbol profesional.
 
f) Astas o mástiles de banderas de madera, metal, o plástico, paraguas con puntas metálicas y punzantes. 
 
g) Bebidas alcohólicas, drogas o cualquier otra sustancia psicotrópica, estupefaciente, estimulantes, o similares.
 
 h) Punteros láser o similares.
 
 i) Rollos de papel, papel picado, o similares
 
 
O item “i)” me chamou atenção, pois proíbe o uso de objetos como “rolos de papel, papel picado” que são parte importante da festividade torcedora e que não consigo imaginá-los como passíveis de por em risco a segurança dos frequentadores do estádio. Proibições desse tipo parecem formas de excesso, produzidas pelas tentativas de controle do torcer que tendem a interpretar os torcedores como indivíduos potencialmente perigosos.
 
As recomendações que constam no Código de Conducta estão diretamente relacionadas ao Código Disciplinar da AUF que considera os clubes como diretamente “responsables del comportamiento de sus jugadores, oficiales, miembros, parciales, aficionados”. Segundo consta, o objetivo da Associação Uruguaia de Futebol é “garantizar la seguridad en los campos de juego. Los principales beneficiados son las familias, mujeres y niños que concurren a este tipo de espectáculos” (Grifos meus, http://mwfc.com.uy/wp-content/uploads/codigo_conducta.pdf).
 
 

Subjaz no texto a concepção de família como um conjunto harmonioso de indivíduos avessos à violência e o mesmo pode-se pensar a respeito das mulheres. Há uma concepção de que a violência pertence a grupos específicos da sociedade que, embora, não especificados de modo explícito podem ser percebidos como aqueles que fogem ao perfil idealizado de comportamento nos estádios. Há no texto noções estereotipadas que não são exclusivas do futebol uruguaio, mas se estendem a diversas políticas de segurança nos estádios em diversas partes do mundo.

O Código de conduta me chamou atenção porque o Parque Viera me pareceu tão pouco formal, a começar pelo fato de me deixar entrar sem sequer pedir identificação, sem sequer ver meu rosto.

Estádio Parque Viera. Foto Leda Costa
Estádio Parque Viera. Foto: Leda Costa.
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Debaixo das arquibancadas do Estádio Parque Viera. Foto: Leda Costa.

 

Estádio Parque Alfredo Viera com jogo. Wanderers x Danubio, colaboração de Marina Matos

Em Montevidéu, fui a 4 estádios – Centenário, Parque Saroldi, Gran Parque e Alfredo Viera – e dois deles sem jogo. Mas ainda bem que o mundo está cheio de gente doida por futebol e uma delas – além de mim – também foi ao Uruguai. Falo especificamente da minha colega Marina Matos que além de ser uma mulher que ama demais futebol, também é pesquisadora desse esporte, integrante do GEFuT, da UFMG.

Termino esse texto com imagens do Alfredo Viera com público que nele estava presente para assistir a Wanderers x Danubio, partida que ocorreu dias antes da minha visita, dia 29/11/2015. O resultado do jogo foi 0 x 0.

Foto Marina Matos
Foto: Marina Matos.
Foto de Marina Matos
Foto: Marina Matos.
Foto de Marina Matos
Foto: Marina Matos.
Foto de Marina Matos
Foto de Marina Matos

Certamente que a torcida nas arquibancadas é parte fundamental do futebol, mas no caso do Alfredo Viera a torcida também se presentifica nos vários grafites e nas pichações ao redor do estádio, algumas não muito bem feitas, mas que apontam para certos modos de apropriação torcedora. Trata-se de uma tradição perceptível também na Argentina e que merecia estudos futuros sobre seus significados e história.

Essas pichações e grafites são como uma crônica que conta parte da relação dos torcedores com seus clubes e até mesmo com os bairros e as cidades. Graças a elas, mesmo não presenciando os Vagabundos, atuando no Alfredo Viera, não tive dúvidas do quanto eles são parte constitutiva do estádio.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leda Maria Costa

Professora visitante da Faculdade de Comunicação Social (UERJ) - Pesquisadora do LEME - Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte -

Como citar

COSTA, Leda. Os vagabundos do Parque Alfredo Víctor Viera, Montevideo Wanderers. Ludopédio, São Paulo, v. 82, n. 7, 2016.
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