Não aceito a ideia de iguais 24 horas para cada dia. É impossível. Alguns momentos são eternizados e é só fechar os olhos para serem revividos. Uma viagem, uma cerimônia, uma data inesquecível.
Ainda não saí da sexta-feira passada, quando arrastei meu pai à abertura de uma exposição de quadros pintados por Osmar Santos, com sua presença no local.
Se no futebol há camisas mais pesadas que outras, também existem pessoas com uma aura diferente, um carisma especial. O de Osmar é indescritível.
Há mais de duas décadas o destino lhe impede de ser a metralhadora de palavras e metáforas descrevendo com emoção cada lance em campo. E era impossível não ouvir mentalmente suas vinhetas enquanto ia para lá e para cá com sua cadeira de rodas, atendendo cada um de nós, meros mortais, com um sorriso infinito.
Meu pai não é grande fã de fãs cercando uma figura notória. E resolveu ficar sentado só um instante, enquanto a concorrência pela atenção do garotinho aumentava. Já havíamos apreciado os 20 quadros ali presentes e o bolo de cenoura que dividimos no café da tarde começou a lhe dar azia. Conversamos sobre a vida, numa dessas reflexões tradicionais de fim de ano. Falou muito daquela voz talentosa ecoando em seu radinho de pilha na época em que morava sozinho, quando jogos na TV eram tão raros quanto a preciosa vaga para estacionar a duas quadras da exposição.
E se éramos o Maomé que não ia até à montanha, foi Osmar quem se aproximou de nós ao atender ao pedido de mais uma fotografia, ao nosso lado. Nesses tempos de espera até que o celular tire o melhor registro, a Terra parou de girar quando o artista percebeu o cansaço do meu pai e brincou gesticulando em sua direção. Sorriu e adivinhou o time do coroa daquele jeito que só os gênios são capazes.
– Tudo bem? Santos! Pintura!
Teria que escrever textos sem fim para descrever minimamente a sensação de momento tão ímpar. Uma informalidade diferente, uma aura, uma luz, um dom de viver, um espírito evoluído. Mesmo que já soubéssemos disso, sentir presencialmente o que representa Osmar Santos só é possível de definir por alguma palavra ainda não inventada.
A azia do meu pai se calou milagrosamente e poderíamos até deixar umas boas notas para o mais folgado dos flanelinhas. Seria irrelevante perto da preciosidade daqueles minutos. Minutos esses que se fizeram infinitos, como o artista ali tão perto.
Mal conseguia repetir seus tantos bordões porque ainda me faltam palavras. Demorei para chegar a uma legenda digna para a foto nas redes sociais – sim, eu queria mostrar ao mundo o meu registro com Osmar Santos.
Depois do flash e do aperto de mão, lá foi ele atender o chamado de mais alguém ansioso por se alimentar de vida, que nele sobra. E esses instantes sublimes viraram assunto na volta para casa, no almoço de domingo em família. Até o carteiro já ouviu o relato paterno e detalhado daquela sexta-feira eterna. Vez ou outra, voltaremos a revivê-la daqui a uns bons anos.
Pouco importavam o trânsito na volta para casa, os boletos vencidos, acordar cedo no dia seguinte, a impossível paz no mundo.
Fazia um bom tempo que não ouvia meu arquivo com mais de 200 narrações de gols históricos, grande parte na voz de Osmar. E teria todas as horas possíveis para isso, pois nem todos os dias tem só 24 horas.
Eu, que nunca joguei bola na vida, ainda me sinto comemorando para a torcida depois de marcar em uma decisão. Um dos gols mais bonitos da minha vida. E que gooollll…