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Outra cartinha da dona Lúcia

Leandro Marçal 29 de maio de 2018

Professor Tite, talvez você não me conheça, mas certamente alguns torcedores vão lembrar de mim.

Li sobre sua convocação para a Copa do Mundo. Mais uma vez vi um homem íntegro falando à nação, como aqueles que leram minha cartinha em rede nacional há quatro anos, quando passamos por uma vergonha mundial. Meu neto costuma dizer que os professores – é assim que os jogadores chamam vocês? – assistem a jogos de futebol por todo o planeta, quase uma obsessão. Então, os selecionados não foram à toa, confio nisso.

Muita gente sequer acredita na minha existência. Bobagem. Escolhi esse espaço para falar com o homem mais importante da nação no próximo mês. Na falta de um presidente, o técnico da seleção brasileira de futebol masculino é o homem mais visto por todos nós.

Como não entendo muito de esporte, quero apenas te desejar força lá na Rússia. Espero que saiba orientar bem seus meninos. Ouvi dizer que tem um até que se chama Jesus. Se for verdade, nosso caminho já está abençoado e o título está destinado para nós. Mesmo que o “nós” seja apenas um “vocês” ilusório.

Não dê ouvidos a essa gente maldosa, sempre disposta a criticar quem está na sua posição. O técnico da seleção deve ter algum poder especial como um rei. Se for parar para pensar, você representa uma instituição que vê com bons olhos a monarquia, não é mesmo? Então, pensando nisso, seus poderes são divinos. Tudo o que falarem mal é na busca por audiência. Não tenha receio de usar bonitas palavras para nos jogar contra eles.

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Tite e seus meninos. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Meu neto acabou falar sobre sua assinatura em um tal manifesto contra a monarquia, digo, contra a instituição para a qual trabalha hoje. É verdade? Olha, se for, não esquente a cabeça, é coisa pequena.

Disse há quatro anos e volto a repetir: o ser humano, às vezes, é de uma crueldade sem limites. Fico indignada ao ouvir esse pessoal da imprensa falar em “técnicos interinos”. Quais não são? Pois lembre-se disso. Afinal, qualquer resultado que não seja o título pode lhe custar o emprego. E olha que as coisas não andam fáceis. Aí onde vocês vivem, entre os jogadores, deve ser difícil olhar para a população comum, da qual já pertenceram em um passado distante. Mas adianto que está bem difícil arrumar um bom trabalho e por isso digo ao meu neto para fazer um concurso público, mas ele não me escuta.

Traga a taça. Seria bom para a gente esquecer um pouco de como as coisas andam ruins. Pede para aquele menino da namorada bonita fazer muitos gols. Gosto tanto dele… Tomara que eu não precise mandar uma carta triste, como aconteceu com aqueles outros, que esqueci os nomes. Por sinal, onde estão? Nunca mais ouvi falar deles.

Parabéns pelo seu trabalho e boa sorte nos próximos jogos!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. Outra cartinha da dona Lúcia. Ludopédio, São Paulo, v. 107, n. 29, 2018.
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