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O meu, o seu, o nosso Pacaembu – O ataque vem pela direita com João Dória!

Max Filipe Nigro Rocha 18 de setembro de 2017

A nova empreitada de João Dória, o prefeito gestor da cidade de São Paulo, é direcionada à campanha de privatização do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu[1]. Construído durante a Era Vargas, sede de infinitos acontecimentos políticos, esportivos e – porque não? – político-esportivos durante o século XX, o estádio carrega um valor histórico.

Fundamental para entender a história do futebol paulistano, paulista e brasileiro, já foi sede de inúmeras decisões de campeonato, e, portanto, é central na história dos clubes e dos torcedores. Seja como exemplo de cultura material, vide a sua arquitetura inspirada nas construções do fascismo italiano, quanto pela cultura imaterial do qual é portador, pois é local da construção da memória das massas torcedoras. Tanto Corinthians quanto Palmeiras, Santos ou São Paulo escreveram a sua história nesses gramados e seus torcedores depositaram suas lágrimas – seja de alegria ou de frustração – em suas arquibancadas. Se o futebol é visto como parte integrante da cultura brasileira, porque um estádio ocuparia uma posição inferior nessa escala?

Tombado pelo Conpresp e pelo Condephatt, o mais novo alvo da guerra imobiliária que é travada cotidianamente na cidade de São Paulo entre a lógica privatizadora e a luta pela preservação dos espaços públicos, o Pacaembu encontra-se ameaçado.

Seja pela suscetibilidade que os órgãos governamentais apresentam ao se mostrarem dispostos a fazer vistas grossas às decisões da prefeitura; seja pelo não reconhecimento do valor do estádio para a cultura torcedora e popular, visto que o tobogã pode ser demolido para dar lugar a algum empreendimento de ordem privada; ou até mesmo pelas práticas instauradas pelos atuais governos federal, estadual e municipal que, ao arrepio constante da lei, restringem o espaço de exercício de cidadania, o momento exige atenção e resistência.

A primeira ação que cabe a nós é desmontar as bravatas privatizadoras que são propagandeadas nesses momentos de apropriação do patrimônio público. Dentre elas, talvez a de maior apelo ao senso comum é interpretar o uso do dinheiro público como gasto, e nessa perspectiva como prejuízo ao invés de investimento na área social.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico[2], o vereador Dalton Silvano (DEM) indica a ineficiência, intencional ou não, da gestão municipal ao afirmar que o Estádio é “um elefante branco” pois ele não está sendo utilizado. Ao considerar que a consequência – o abandono do estádio – deve ser entendida como causa, o político reconhece que existe um plano arquitetado de transferência do patrimônio público para a iniciativa privada.

Mesmo sem ser a sua intenção, o vereador paulistano deixa claro a falta de projeto político da prefeitura para as áreas públicas da cidade de São Paulo ao afirmar que o órgão governamental investe cerca de 9 milhões de reais por ano em um aparelho público subutilizado. Oras, não é necessário muito esforço para identificarmos qual a instituição responsável por fazer um bom uso do estádio, não é mesmo? Afinal, qual seria o órgão público senão a própria prefeitura da cidade?

A ineficiência do prefeito gestor é parte integrante do projeto privatizador em curso. A isso se soma o abandono do Estádio, a proliferação das ditas arenas esportivas pela cidade de São Paulo, o aumento do preço dos ingressos de futebol e a consequente elitização do futebol profissional, além da privatização do acesso aos equipamentos públicos em benefício de setores da elite paulistana que se apropriam da estrutura do complexo esportivo do Pacaembu como um clube recreativo privado.

 

10/03/2017- São Paulo- SP, Brasil- O prefeito João Doria apresentou nesta sexta-feira (10) o novo modelo de banheiro público móvel que será instalado nas feiras livres e outros eventos que aconteçam na cidade. Os equipamentos serão construídos e mantidos por meio de concessão pública: empresas privadas ficarão responsáveis pelo serviço, em troca da permissão para explorar espaços publicitários, assim como os modelos fixos que estão em teste no Largo do Arouche e na Praça Dom José Gaspar, no Centro. Foot: Heloísa Ballarini / SECOM-PMSP
O prefeito João Doria apresentou o novo modelo de banheiro público móvel em feira que aconteceu na Praça Charles Miler e que será instalado nos eventos que aconteçam na cidade. Os equipamentos serão mantidos por meio de concessão pública: empresas privadas ficarão responsáveis pelo serviço, em troca da permissão para explorar espaços publicitários. Foto: Heloísa Ballarini/SECOM-PMSP.

 

Em outras palavras, se o Pacaembu não está sendo utilizado como deveria, cabe à prefeitura arcar com as suas responsabilidades políticas e proporcionar o uso adequado do aparelho público pelos paulistanos por meio de iniciativas governamentais que invertam esse quadro.

A segunda bravata privatista é apresentada pelo vereador Fábio Riva (PSDB). Segundo ele, “se deixarmos o Pacaembu onerando cofres públicos, não teremos recursos para a área social”[3]. Pois cabe a pergunta, na perspectiva dele os espaços públicos destinados ao lazer e às práticas citadinas que fogem do discurso dominante não pertencem à área social?

Parece ficar evidente que para o político em questão, as atividades de lazer são consideradas supérfluas pela atual administração uma vez que ele pertence à base do governo na Câmara Municipal.

Ainda sob a mesma perspectiva, qual a grande preocupação social da atual gestão que, por exemplo, restringiu a gratuidade do transporte público para os estudantes?

De acordo com o Diário do Transporte[4], o objetivo da iniciativa é “[…] evitar que os estudantes usem a gratuidade para outros deslocamentos, a não ser para as atividades educacionais [pois] muitos […] aproveitavam as cotas [estudantis] para […] [realizar] passeios.”

Devemos entender a partir da dinâmica apresentada que as ações consideradas sociais pela Prefeitura de São Paulo estão restritas a práticas que incentivem a produção, como a formação de mão-de-obra relativamente qualificada para as empresas paulistanas. Passeios, práticas lúdicas, atividades de lazer e a livre circulação urbana não são entendidas como políticas públicas, ou como aspectos integrantes da área social, e muito menos desejáveis pelo atual governo.

Não podemos nos esquecer que é o mesmo prefeito-gestor que articula a privatização de outros espaços públicos de lazer como o Autódromo de Interlagos, o Sambódromo e o Parque do Ibirapuera, além é claro de concessões de cemitérios, terminais de ônibus, mercados municipais e demais elementos do mobiliário urbano.

Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Publicas O Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido por Estádio do Pacaembu ou simplesmente Pacaembu.
Fachada do Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido por Estádio do Pacaembu ou simplesmente Pacaembu. Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas.

 

Por tudo isso, é necessário e urgente defender o Pacaembu da sanha privatista que assola a sociedade brasileira, e que a cidade de São Paulo é um dos maiores expoentes. A ausência de praças e parques nas regiões periféricas, a privatização das vias públicas em benefício dos automóveis e a categorização das atividades de lazer como serviços a serem oferecidos aos consumidores são expressões claras dessa dinâmica que procura categorizar o cidadão paulistano como um mero consumidor de serviços e produtos.

[1] Vídeo de João Dória a respeito da concessão do Estádio do Pacaembu: https://www.youtube.com/watch?v=8n4JE-h7rEI acessado em 16/09/2017.

[2] http://www.valor.com.br/politica/5101576/camara-de-sp-aprova-concessao-do-pacaembu-por-ate-35-anos acessado em 16/09/2017.

[3] http://www.valor.com.br/politica/5101576/camara-de-sp-aprova-concessao-do-pacaembu-por-ate-35-anos acessado em 16/09/2017.

[4] https://diariodotransporte.com.br/2017/07/08/prefeitura-de-sao-paulo-traz-nova-regulamentacao-para-gratuidades-para-estudantes-em-onibus/ acessado em 16/09/2017.

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Max Filipe Nigro Rocha

É graduado e mestre em História pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realiza pesquisa de doutorado sobre futebol e política pela USP. Editor do site Ludopédio (www.ludopedio.com.br)e pesquisador do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol e Modalidades Lúdicas) que integra pesquisadores da USP, Unicamp, Unesp e Unifesp.

Como citar

ROCHA, Max Filipe Nigro. O meu, o seu, o nosso Pacaembu – O ataque vem pela direita com João Dória!. Ludopédio, São Paulo, v. 99, n. 18, 2017.
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