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A pé quente do Parque Saroldi e o debutante River Plate

Leda Costa 14 de março de 2016

“Indomable”, assim diz a capa do jornal esportivo uruguaio Ovación para fazer referência ao empate do River Plate com o Palmeiras. Pode parecer exagero e de certa forma o é, afinal trata-se de uma manchete esportiva e, sabemos como a imprensa costuma ser pautada no excesso. Mas o fato é que o, até então, pouco conhecido River Plate de Montevidéu tem dado trabalho a tradicionais clubes. Na noite de terça-feira de carnaval, por exemplo, o time eliminou a Universidad de Chile, na chamada pré-libertadores, o que lhe deu o passaporte para um dia memorável.

Dia 16 fevereiro de 2016 pode ser considerada uma data histórica para o Club Atlético River Plate. Em seus 84 anos, é a primeira vez que o time uruguaio participou da fase de grupos de Copa Libertadores da América. Sua primeira partida foi contra o Palmeiras time acostumado a essa competição e que possui um suporte financeiro incomparavelmente maior que o clube uruguaio.

A trajetória futebolística do River é modestíssima, sendo campeão de algumas edições da segunda divisão uruguaia, mas nunca da primeira. Como terceiro melhor pontuador do Campeonato nacional 2014/2015, o River Plate conseguiu a chance de disputar a fase preliminar da Copa Libertadores de 2016.

Avançar para a fase de grupos foi uma façanha e tanto.  Pode parecer pouco e, às vezes, soar meio esdrúxulo ou mesmo pitoresco considerar como grande conquista, algo que para muitos de nós é elementar.

Porém, um dos aprendizados que tive ao longo desse tempo que frequento um circuito futebolístico que está à margem do ambiente mainstream, é que tanto a vitória quanto a derrota podem adquirir sentidos diversos daqueles aos quais estamos acostumados. Para quem torce para clubes como Corinthians, São Paulo, Boca Junior, River Plate, da Argentina, e tantos outros, a conquista de títulos e a constante participação em grandes competições, são parte integrante do horizonte de expectativas

Já outros torcedores, como os do River, por exemplo não têm essa mesma perspectiva, o que permite a possibilidade – ou melhor dizendo, a necessidade – de ressignificar os sentidos do ganhar e do perder. Acho esse exercício fascinante, sobretudo, considerando que vivemos em um mundo no qual a exacerbação da competitividade, classifica e delimita com grande facilidade perdedores e vencedores.

Não tenho dúvidas que grande parte dos torcedores do River uruguaio gostariam de vê-lo campeão, mas ter conseguido chegar à fase de grupos da competição mais importante do seu continente, por si só é uma baita vitória. É bom lembrarmos que a folha de pagamento do clube gira em torno de 150 mil dólares quantia que, por exemplo, não paga o salário individual de diversos jogadores que atuam no Brasil.

A Caravana – eu – está se sentindo extremamente pé quente, afinal em sua viagem ao Uruguai quatro estádios foram visitados: o Centenário, o Parque Alfredo Viera, do Wanderers, o Gran Parque Central, do Nacional e o Federico Saroldi de propriedade do simpático River Plate. Esse estádio, aliás, não será usado nas partidas da Libertadores, já que não cumpre algumas exigências da Conmebol. Os jogos do River estão sendo realizados em Maldonado, portanto, um pouco longe de sua casa.

Uma pena.

Ir ao Saroldi, foi uma das visitações mais agradáveis que experimentei e assim como ocorreu com o Centenário, tive a chance de ficar sozinha, sem torcida, apenas ouvindo o silêncio. Sentei nas arquibancadas de cimento, cercadas de árvores, depois tirei meus sapatos e andei pelos gramados do Saroldi.  Deitei, descansei um pouco e para o escândalo e revolta de muitos, tirei diversas selfies.

Estádio Alfredo Saroldi. Foto Leda Costa
Estádio Alfredo Saroldi. Foto: Leda Costa.

River Plate é um nome de time razoavelmente comum no futebol, pelo menos no Sul americano. No Brasil temos alguns casos como o River Plate de Sergipe, e o do Piauí, sendo que ambos fazem referência ao clube argentino que, em 2015, foi o Campeão da Libertadores.

O River de Montevidéu é um caso diferente, pois seu nome foi herdado de um conterrâneo, dono de uma gloriosa história na época amadora do futebol Uruguaio, mas que se extinguiu em 1925.

Portanto, temos na Libertadores de 2016 dois Rivers Plates, o Argentino e o Uruguaio cuja história, assim como o encontro que tive com seu estádio, falaremos de agora em diante.

Club Atlético River Plate

O River Plate é vizinho do Wanderers de Montevidéu, ambos compartilham a bela paisagem do bairro do Prado e possuem em comum o nome de origem inglesa. No caso do Wanderers, a inspiração veio de uma viagem de seus fundadores à Inglaterra, que contarei em outro momento. Já o River tem história mais longa que começa com a fusão de dois outros clubes, incluindo a homenagem a um terceiro.

Parece complicado, mas nem tanto assim. O Club Atlético River Plate foi fundado em 1932 após a fusão do Olímpia Football Club (1922) com o Club Atlético Capurro (1914)

Montagem Leda Costa
Montagem Leda Costa.

O resultado dessa união foi o Club Atlético River Plate, assim nomeado em homenagem ao River Plate Football Club, fundado em 1897, e  que era dono de uma história vitoriosa da época amadora do futebol uruguaio.

Arquivo Leda Costa
Arquivo Leda Costa.
Fonte: http://www.wikiwand.com/es/River_Plate_Football_Club
River campeão uruguaio em 1914.

Nos anos de 1910, 1913 e 1914 o clube foi campeão nacional e, em 1920, caiu para a segunda divisão, sendo extinto em 1925. O Club Atlético River Plate, além do nome, também herdou o apelido Darsenero, já que o antigo River era um clube ligado a zona portuária.

Sede do River Plate, Montevidéu. Foto Leda Costa
Sede do River Plate, Montevidéu. Foto: Leda Costa.

Estádio Parque Federico Saroldi: Mais uma história de morte e vida futebol

Olimpia Park era o antigo nome do Parque Federico Saroldi que somente passou a assim ser chamado após uma trágica história. Federico Saroldi foi o primeiro goleiro do River Plate e durante um jogo contra o Central, pelo Campeonato Uruguaio de 1932, sofreu um forte golpe na cabeça. Federico continuou a jogar, indo até o final da partida vencida pelo River. Porém, no mesmo dia foi internado e faleceu.

Chocados com o acontecimento os dirigentes do River resolveram homenagear o goleiro e no lugar de Olimpia Park – pois pertencia ao Olimpia Football Club -, o estádio passou a se chamar Parque Federico Saroldi.

Foto Leda Costa

Foto: Leda Costa.

Como já disse esse foi o quarto estádio por mim visitado em Montevidéu. E assim como ocorreu com o do Wanderers e o Gran Parque, são diversos os desenhos, grafites e inscrições sobre os muros e árvores ao redor do Saroldi.

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.
Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.
Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

Além das inscrições, avistei algumas camisas e uniformes dos jogadores que secavam ao sol, dando mostras da simplicidade do clube.

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

Cheguei a entrada principal do clube cuja sede social estava fechada e um pequeno cartaz avisava que somente a partir das 14h30, voltaria a abrir. Meu relógio marcava 12h30, sendo que eu estava desde cedo na rua e, portanto, me pareceu uma eternidade ter que esperar por duas horas.

 Mas se fosse realmente preciso eu esperaria, afinal não é sempre que se vai ao Uruguai. Porém, andando mais um pouco vi que havia um portão aberto por onde entravam e saiam carros, assim como pessoas, incluindo alguns jogadores ainda segurando as chuteiras do treino.

 Entrei e me sentei em um banco de cimento, ao lado de um pequeno campo de treino e de frente para as arquibancadas do estádio.

Foto Leda Costa
Foto: Leda Costa.

Durante alguns minutos, eu fiquei sentada, observando as movimentações do entorno. Até que ao fundo vi gente reunida conversando ao redor de uma mesa. Pareciam ser funcionários do clube em horário de almoço. Atrás de todos, era possível avistar o restante das arquibancadas do estádio e para chegar lá, bastava atravessar um outro portão de ferro que, também, estava aberto.

Me aproximei com um mapa na mão e logo veio um senhor que perguntou se eu estava perdida. Respondi: “Buenas tardes” … e disse que era brasileira, apaixonada por futebol e que queria muito conhecer o estádio do River. Ele prontamente falou: “à vontade”.

Atravessei o segundo portão, cumprimentei as pessoas que ali estavam reunidas e comecei a bisbilhotar as arquibancadas. Então, o senhor que havia me recebido voltou para falar novamente comigo. Falando um bom português, ele comentou que o futebol uruguaio tem passado por muitas dificuldades nos últimos anos e que o River Plate sofria bastante com essa crise já que era um clube de poucos recursos financeiros.

Com tom melancólico, ele me disse que, neste momento, era impossível concorrer com o Brasil.

Para finalizar essa breve conversa, o simpático funcionário do clube, olhou a tatuagem do Vasco da Gama que tenho no ombro e comentou “só falta uma rodada!”, fazendo referência ao fato de que meu clube estava prestes a cair para segunda divisão. Mostrando solidariedade e simpatia, disse que torceria para que isso não acontecesse. Suspirei fundo e olhei para céu fazendo um gesto de oração.

Então o sr. se despediu, repetindo a frase mágica: “fique à vontade”, o que incluía o auge de poder pisar o gramado.

Então comecei a fotografar…..

Arquibancadas do Federico Saroldi. Foto Leda Costa
Arquibancadas do Federico Saroldi. Foto: Leda Costa.
Banco de reservas. Estádio Federico Saroldi. Foto Leda Costa
Banco de reservas. Estádio Federico Saroldi. Foto: Leda Costa.
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Arquibancadas do Federico Saroldi. Foto: Leda Costa.
Arquibancadas do Federico Saroldi. Foto Leda Costa
Arquibancadas do Federico Saroldi. Foto: Leda Costa.
Estádio Federico Saroldi. Foto Leda Costa
Estádio Federico Saroldi. Foto: Leda Costa.

Quando senti que já estava há muito tempo ali, percebi que era hora de calçar meus sapatos novamente. 

Meu tênis no gramado do Federico Saroldi. Foto Leda Costa
Meu tênis no gramado do Federico Saroldi. Foto: Leda Costa.

Estádios vazios convocam a memória e a imaginação. No caso do Saroldi fiquei imaginando uma tarde de jogo naquele lugar bucólico e tive vontade de ficar no Uruguai à espera desse momento. O estádio recebe jogos no campeonato uruguaio, mas o mesmo ocorrerá na Libertadores.

No grupo do River está seu vizinho Nacional e o brasileiro Palmeiras, time com que fez jogo treino no próprio Saroldi, sendo derrotado  por 4 a 0.

Mas nos jogos para valer o time uruguaio já mostrou força ao eliminar a Universidad de Chile e ao empatar com o Palmeiras do Brasil.

É difícil saber até onde chegará o River do Uruguai, sobretudo considerando que se trata de um time com poucos recursos financeiros, o que hoje em dia é fator que deve ser considerado. Porém, o futebol ainda preserva aquela velha caixinha de surpresa mesmo que hoje em dia mais vazia. E quem sabe dentro dela esteja o Club Atlético River Plate.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leda Maria Costa

Professora visitante da Faculdade de Comunicação Social (UERJ) - Pesquisadora do LEME - Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte -

Como citar

COSTA, Leda. A pé quente do Parque Saroldi e o debutante River Plate. Ludopédio, São Paulo, v. 81, n. 6, 2016.
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