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Pebolim, Totó, Fla-Flu ou Pacau? Um breve histórico do campo esportivo no Brasil

Eduardo de Souza Gomes 7 de janeiro de 2019

Pebolim, Totó, Fla-Flu ou Pacau? As variações culturais existentes em cada região deixam dúvidas acerca do nome correto a ser utilizado quando nos referimos ao “Table Soccer” em terras brasileiras, modalidade de futebol de mesa muito difundida por todo o mundo desde o século XX (não confundir com o futebol de botão, outra modalidade esportiva que também é conhecida no Brasil como futebol de mesa).

Oficialmente, o nome utilizado no Brasil para designar esse esporte é o “pebolim”[1], o que não impede que em determinadas localidades seus praticantes, profissionais ou não, o chamem de “Totó” (no Rio de Janeiro e parte do Nordeste), Fla-Flu (no Rio Grande do Sul) ou até mesmo Pacau (em Santa Catarina). Além disso, em diferentes países, a nomenclatura também se modifica: Matraquilhos em Portugal; Futbolín na Espanha; Metegol na Argentina; Foosball nos EUA; Baby-foot na França e Tischfussball na Alemanha.

Como forma de facilitar o entendimento, e sem desconsiderar as variações regionais existentes, utilizarei o nome “pebolim” na sequência do texto, por entender ser essa a nomenclatura oficial utilizada pela federação que gere o esporte no país. Entretanto, vale a pena pensarmos: quando e onde essa prática, tão popular em bares, clubes e escolas de todo o mundo, surgiu e se difundiu?

As origens do pebolim são confusas e indefinidas. Ainda carecendo de maiores pesquisas sérias, muitas são as versões apontadas como referências acerca dos “primórdios do pebolim no mundo”. As versões mais “badaladas” sobre o início da modalidade, são as que apontam a Espanha como palco inicial. Todavia, os alemães também reivindicam o pioneirismo no desenvolvimento desse esporte.

Os espanhóis defendem, segundo André Martins Gonçalves (2017), a hipótese de que o pebolim teria sido inventado no calor do momento da Guerra Civil Espanhola, quando

Alexandre de Fisterra, o responsável, teria criado o jogo para que crianças feridas, impossibilitadas de jogar futebol assim como ele, pudessem praticar uma variação do esporte. Segundo essa versão, o galego teria patenteado a invenção em 1937, mas perdeu os papéis da patente (GONÇALVES, 2017).

Na Alemanha, a hipótese defendida é a de que, já em 1930, o esporte era praticado no país. Divergências de versões a parte, o que se sabe concretamente é que apenas em 2002 foi criada uma federação internacional para gerir a modalidade: a International Table Soccer Federation (ITSF). Desde então, é essa a entidade representativa do pebolim em todo o mundo, sendo a organizadora das Copas do Mundo e demais campeonatos mundiais.

No Brasil, a modalidade chegou nos anos 1950, período marcado pelo nacional-desenvolvimentismo e pelo aumento das trocas culturais no país, notadamente no que se diz respeito à consolidação de um mercado. A chegada de distintas manifestações fez com que esse esporte se popularizasse em bares, clubes e escolas, porém ainda com base nas mesas não profissionais. Mas qual a diferença entre as mesas profissionais e as não profissionais?

As mesas profissionais se diferenciam pelo material do boneco, pela precisão na realização de chutes e passes, tal como na formação dos “jogadores”. Enquanto nas mesas não profissionais, popularmente chamadas no Brasil de “mesas canoas”, a formação dos bonecos de linha é, normalmente, a 3-4-3, na mesa profissional se utiliza a formação 2-5-3, valorizando assim o número de bonecos no meio de campo do jogo. Vários são também os modelos de mesas profissionais, sendo a americana “Tornado” e a alemã “Leonhart” dois dentre os mais conhecidos.

Pebolim
Mesa profissional Tornado x Mesa não profissional “canoa”: diferenças e semelhanças. Foto: Reprodução.

Somente em 2007 que o Brasil passou a ter uma federação que busca difundir o esporte com mesas profissionais, a FEBRAPE – Federação Brasileira de Pebolim, inicialmente conhecida como Associação Brasileira de Pebolim. Com sede em São Vicente, região litorânea do Estado de São Paulo, desde sua criação a entidade já conseguiu enviar equipes brasileiras para 6 mundiais e 3 Copas do Mundo, principais competições de pebolim que ocorrem pelo mundo. O presidente da federação desde sua fundação, Clayton Fonseca, destaca que buscou no exterior referências para desenvolver o esporte no país: “Trouxemos tudo o que aprendemos para o Brasil e começamos a organizar torneios oficiais a fim de apontar nossos melhores jogadores para representar lá fora”.[2]

Atualmente um dos principais desafios da FEBRAPE é conglomerar jogadores que estejam interessados a jogar o pebolim. Ainda sendo um esporte com um campo incipiente e poucos financiamentos, muitos entendem que esse é um cenário não muito favorável para adentrarem na modalidade profissionalmente, preferindo apenas os jogos amadores nas “mesas de bar”. Portanto, mais do que organizar torneios nacionais e/ou estaduais, aos quais são utilizados para se desenvolver os rankings e formar a equipe nacional que disputa os campeonatos mundiais, a federação tem se preocupado em organizar um grupo de pessoas que esteja, antes de tudo, interessada em simplesmente jogar pebolim:

O Papel e os objetivos da Febrape são atrair jogadores de todo o Brasil, descobrir novos talentos, unir e preparar jogadores que demonstrem potencial e que queiram levar o esporte a sério para competir na Copa do Mundo e nos Mundiais realizados nos EUA e na Europa. […] Estar cada vez mais visível a todos utilizando os meios possíveis para a atração tanto de jogadores já existentes quanto de novos adeptos.

Pebolim
Delegações brasileiras que disputaram as Copas do Mundo de 2015 e 2011, respectivamente. Foto: Febrape/Reprodução.

Portanto, esse desafio de ampliar o número de adeptos da modalidade tem sido o principal foco dos amantes desse esporte pelo país. A partir de redes sociais (como facebook e, principalmente, grupos de whatsapp), a FEBRAPE estabelece um canal de comunicação com todos os interessados em disputar campeonatos profissionais ou, simplesmente, jogarem o pebolim de forma despretensiosa. Esse movimento tem estimulado a formação de grupos em distintos estados, para além das realidades paulista e capixaba, que são, até o momento, as mais avançadas nacionalmente.

Como por exemplo, podemos citar o caso do Rio de Janeiro. Nos últimos anos, vários campeonatos estão sendo realizados a nível estadual na localidade, contando com a participação de competidores de diferentes municípios. Inicialmente organizados por Marcio Belmonte ainda com a “mesa canoa”, ultimamente os competidores do estado estão se aperfeiçoando e disputando suas competições em mesas profissionais, após o contato inicial de dois de seus maiores nomes locais, Luciano Santos e Misael Silva, com as mesas desenvolvidas pela FEBRAPE em São Paulo. Uma das edições dos torneios cariocas, inclusive, ocorreu no âmbito do evento Arnold Classic Brasil 2014, competição de fisiculturismo organizada em homenagem ao astro global Arnold Schwarzenegger, tendo ele presenciado e chancelado o referido certame.

Torneio de Pebolim
Torneio de Pebolim/Totó no âmbito do Arnold Classic Brasil 2014, ocorrido no Rio de Janeiro e que contou com a ilustre presença de Arnold Schwarzenegger.

A partir do incentivo dos atletas Luciano e Misael, já anteriormente citados, em 2018 foi realizado o 1º Torneio Intermunicipal de Totó do Rio de Janeiro, contando com participantes de variados municípios fluminenses (Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, São João de Meriti, Nova Iguaçu, Nilópolis, Nova Friburgo e Guapimirim) e realizado em duas edições (setembro e novembro de 2018), nas categorias individual iniciante, individual livre e duplas.

Percebe-se, com o avanço de mesas profissionais pelos Estados de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e outros, um avanço qualitativo no desenvolvimento desportivo dos atletas que disputam a modalidade pelo Brasil. Esse movimento tem incentivado, também, a busca pela criação de federações estaduais que possam, ligadas à FEBRAPE, melhor difundir e organizar campeonatos que conglomerem novos atletas em cada região do país. Clayton Fonseca destaca que a falta de patrocínio, muitas das vezes impede a federação de

viajar o Brasil e levar o aprendizado e crescimento da prática do pebolim como esporte para todos os cantos, como gostaríamos, e de fazer divulgação em mídia para atrair mais adeptos. […] Até hoje, todos os competidores que tiveram a oportunidade de disputar grandes torneios foram com recursos próprios. Devido a isso, não conseguimos enviar nossos melhores jogadores, apenas os que tinham recursos suficientes para arcar com as despesas por si próprios.

Pebolim
Foto: Foto-RaBe.

Buscar desenvolver o hábito de se jogar o pebolim, tal como fortalecer as competições profissionais em diferentes estados pelo país, é um dos caminhos centrais para o estabelecimento dessa modalidade em terras tupiniquins, consolidando assim jogadores que possam não só disputar os campeonatos mundiais com regularidade, mas também os Jogos Olímpicos, em uma eventual inclusão futura da modalidade nesse certame, fator que já vem sendo cogitado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).


[1] Ver em www.febrape.com.br

[2] Entrevista concedida para o Blog Jornalismo Esportivo da ECA-USP, publicada em 5 de dezembro de 2017.


Referências

GONÇALVES, André Martins. O Esporte que precisa ser tratado como um. In: Blog Jornalismo Esportivo da ECA-USP. 5 de dezembro de 2017. Acesso em 10/12/2018. http://www.usp.br/cje/esportivo/index.php/2017/12/05/o-esporte-que-precisa-ser-tratado-como-um/.

. Site da ITSF: https://www.tablesoccer.org/

. Site da FEBRAPE: http://www.febrape.com.br

. Site Totó Rio: 

. Entrevista com Clayton Fonseca:

http://www.usp.br/cje/esportivo/index.php/2017/12/05/o-esporte-que-precisa-ser-tratado-como-um/

. Capixabas enchem os olhos com “totó” em olimpíada: “Um orgulho imenso”:

https://www.gazetaonline.com.br/esportes/mais_esportes/2017/11/capixabas-enchem-os-olhos-com-toto-em-olimpiada–um-orgulho-imenso-1014106061.html

EUA e Áustria conquistam a Copa do Mundo de pebolim:

https://esporte.ig.com.br/maisesportes/eua-e-austria-conquistam-a-copa-do-mundo-de-pebolim/n1237934732922.html

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Edu Gomes

Historiador, professor e pesquisador do esporte. Doutor e mestre em História Comparada, com ênfase em História do Esporte, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com período sanduíche na Universidad de Antioquia (UdeA), Colômbia. Graduando em Educação Física (Claretiano). Atua como pesquisador do Sport: Laboratório de História do Esporte e do Lazer (UFRJ). Professor na Educação Superior e Básica. Editor e colunista de esportes do Jornal Toda Palavra (Niterói/RJ), além de atuar como repórter e comentarista da Rádio Esporte Metropolitano. Autor dos livros intitulados "A invenção do profissionalismo no futebol: tensões e efeitos no Rio de Janeiro (1933-1941) e na Colômbia (1948-1954)" (Ed. Appris, 2019) e "El Dorado: os efeitos do profissionalismo no futebol colombiano (1948-1951)" (Ed. Multifoco, 2014). Organizador da obra "Olhares para a profissionalização do futebol: análises plurais" (Ed. Multifoco, 2015), além de outros trabalhos relacionados à História do Esporte na América Latina.

Como citar

GOMES, Eduardo de Souza. Pebolim, Totó, Fla-Flu ou Pacau? Um breve histórico do campo esportivo no Brasil. Ludopédio, São Paulo, v. 115, n. 5, 2019.
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