60.7

Por uma Copa sem racismo

Um grande e rico momento de aprendizagem de aprofundamento sobre o tema racismo no futebol e oportunidade de conhecer e debater os legados da Copa no Brasil. Assim foi o Seminário Por uma Copa e Legado sem Racismo, promovido pela União de Negros pela Igualdade, juntamente com a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial de SP, com apoio da Secretaria Nacional da Juventude e site Ludopédio, no último dia 26 de maio, no Plenário 1° de Maio, na Câmara Municipal de São Paulo.

O evento contou com mesas que discutiram A Copa e o Racismo no Mundo e no Brasil e o o Racismo no Futebol e o Legado da Copa, a mediação da mesa foi feita pelo gestor esportivo e membro da UNEGRO Karl Pinheyro, que iniciou o seminário falando sobre como o futebol e a Copa do Mundo são importantes para os brasileiros e para o Brasil, e a relação com o racismo, citando o caso do goleiro Barbosa na Copa de 1950, no Brasil, que para que o país sede não fosse visto como derrotado, elegeu-se um culpado para isso – o goleiro brasileiro que foi acusado de ter falhado no lance, explicitando o racismo, e ainda apresentou os casos rescentes de racismo que aconteceram nos gramados do país e do mundo.

A perspectiva acadêmica foi abordada pelos pesquisadores Marcel Diego Tonini doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e Paulo Henrique do Nascimento historiador com mestrado em educação, e membro do GIEF (Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol), ambos remontaram às raízes do fenômeno do racismo no Brasil para apresentar conexões com os recentes episódios envolvendo os jogadores Tinga do Cruzeiro, Arouca do Santos e do Árbitro Marcio das Chagas. Tonini apresenteu alguns resultados de sua dissertação de mestrado intitulada “Além dos gramados: história oral de vida de negros no futebol brasileiro (1970-2010)”. Abordou especificamente o tema do racismo no futebol a partir de trechos de algumas entrevistas feitas com negros e brancos que atuaram naquele período como jogadores, treinadores, árbitros e dirigentes. Fez uma desconstrução do imaginário social de que o futebol seja um espaço racialmente democrático no Brasil, revelendo diversos casos de discriminação racial neste esporte e, por fim, argumentou como a Copa do Mundo de 2014, a ser realizada no Brasil, pode contribuir para a reflexão e o combate ao racismo.

Seminário Por uma Copa sem racismo. Foto: Maikon Ramalho.

Paulo Nascimento, falou sobre o que vale e o que não vale no jogo e no esporte. Apresentou o termo gamesmanship, explicando que trata-se de práticas possíveis de serem feitas por um atleta, no contexto da disputa, com vistas a desestabilizar o adversário, de modo que o atleta que o fizer não seja punido, simplesmente por aquela prática não ser considerada uma infração. Em outras palavras, o gamesmanship é um flerte com o limite da contravenção à regra, cujo êxito reside justamente na eficácia em não transgredir qualquer conduta a ponto de, por exemplo, o jogador ser advertido com um cartão amarelo ou com uma cobrança de falta a favor do adversário. O recurso a esta prática, que pode ser uma ofensa e está distante dos predicados associados ao fair-play. E não pode ser punido, por não ser considerado uma infração tangível, prevista pela regra – daí sua eficácia.

O exemplo que Paulo apresentou foi no recente jogo válido pelo Campeonato Paulista em que o Santos venceu o Mogi-Mirim por incontestáveis 5 a 1. Um dos gols do Peixe – aliás, um golaço de voleio – foi marcado por Arouca. Após o jogo, Arouca afirmou que foi exposto a ofensas racistas por torcedores do Mogi-Mirim. Em uma entrevista poucos dias após o ocorrido, falou de autoridade, punição e rigor: “Lamentável. A gente pede que as autoridades possam punir essas pessoas com rigor. Enquanto não houver punições severas, essas atitudes vão ser mais comuns ainda, não só no meio do futebol”. Relacionando ao racismo no futebol, ele disse que finalmente começam a aparecer denúncias no sentido de denunciar esta prática e desconstruir paulatinamente o delírio sobre a inexistência de racismo no Brasil. Delírio este que se sustenta pelo frágil argumento de ser o futebol um espaço em que tantos negros ganham projeção, talvez como em nenhum outro.

Presença destacada ficou por conta do ex-árbitro Marcio Chagas da Silva que emocionou toda a plateia presente contando uma trajetória marcada por diversas e constantes expressões abertas ou veladas de racismo. Para Chagas além do caso que ganhou visibilidade nacional, no jogo entre Esportivo e Veranópolis, em Bento Gonçalves, pelo Campeonato Gaucho, em março deste ano, o fato dele ter sido eleito por quatro anos consecutivos e ainda assim nunca ter sido indicado para compor o quadro de árbitros da FIFA indica explicitamente a expressão do racismo entranhado na estrutura do nosso futebol.

O seminário contou ainda com depoimentos importantes sob diferentes perspectivas advindas do Alex Minduin presidente da Torcida Gaviões da Fiel que afirmou que o racismo presente no futebol é o mesmo racismo presente nas relações sociais mais amplas e que ele se expressa ainda nos estereótipos e estigmas que recaem sobre os membros das torcidas organizadas em todo o pais. Acusadas de violentas, truculentas, selvagens e outros adjetivos que são os mais usados para descrever os jovens de periferia em sua maioria negros que frequentam os estádios diuturnamente mas que só são lembrados nos casos minoritários que envolvem violência no estádio ou fora dele.

A advogada Silvia Carbonatto, representante da Torcida Dragões da Real, abordou questões jurídicas em relação as manifestações racistas nas arquibancadas, e que as punições devem ser mais exemplares, principalmente aos clubes, que também devem ter projetos de conscientização a seus torcedores na questão racial. Colocou a importância da inclusão do tema no Estatuto do Torcedor.

Palestrantes do Seminário Por uma Copa sem racismo. Foto:Maikon Ramalho.

O vereador de SP Orlando Silva Junior destacou a importância da realização da Copa do Mundo no país, lembrando com entusiasmo de estar como Ministro do Esporte, e ajudar na Campanha que trouxe a Copa para o Brasil, e dizendo da importância do evento para termos legados sociais, e principalmente de enfrentamento ao racismo.

Representando o poder público municipal o Secretario de Esporte da cidade de São Paulo, Celso Jatene, valorizou a iniciativa do debate e se colocou à disposição para dar continuidade a esta importante discussão.

A secretária-adjunta nacional de juventude Ângela Guimarães iniciou sua fala apresentando dados oficiais do legado social da Copa e as ações que enfatizam o enfrentamento ao racismo e às violações de direitos durante o Mundial. Ângela fez questão ainda de ressaltar que o racismo como um fenômeno presente no conjunto das relações mais amplas da sociedade e que se expressa fortemente no futebol o que exige ações concretas com todos os atores envolvidos (atletas, clubes, federações, confederações e poder publico) para que não haja impunidade e para que seja estabelecida uma nova cultura nos esportes de modo geral.

Contribuiu grandemente ainda para o debate o Secretário Executivo da Seppir, Giovanni Harvey, que apresentou o conjunto de ações de promoção da igualdade racial promovida pelo órgão como imprescindíveis à superação do racismo como demarcador das relações sociais. Giovanny exaltou a extrema relevância o combate ao racismo ter sido alçado como central durante a Copa do Mundo dada a altíssima visibilidade do torneio em todo o mundo contribuir para a conscientização geral acerca do assunto.

Por fim, participantes tiveram oportunidades de expor dívidas e questões sobre o tema em debate e a Unegro se comprometeu a dar continuidade ao debate após a Copa e monitorar seus desdobramentos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Antonio Carlos Pinheiro de Camargo

Gestor Esportivo - Top Manager da Empresa KF Sports Elaboração de Projetos Esportivos e Culturais Execução de Eventos Esportivos e Culturais. Graduado em Gestão do Esporte pela Faculdade Superior do Esporte - Universidade São Marcos. Cursa Relações Internacionais na Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - Especialização em Projetos e Eventos pelo Ministério do Esporte Membro da UNEGRO - União de Negros pela Igualdade Criador do primeiro blog de gestão esportiva do Brasil.

Como citar

CAMARGO, Antonio Carlos Pinheiro de. Por uma Copa sem racismo. Ludopédio, São Paulo, v. 60, n. 7, 2014.
Leia também:
  • 175.31

    “Bueno, eu sou morenito né? Não sou tão negro, não” – O histórico de atos racistas no futebol espanhol

    Danilo da Silva Ramos
  • 175.18

    Uma cruz para Fausto: de operário-jogador à ‘Maravilha Negra’ uma reflexão sobre a trajetória de um jogador negro na década de 1920 e 1930

    Marcelo Viana Araujo Filho
  • 174.1

    Uma história política do futebol brasileiro: a luta contra a solidão do homem negro

    Maurício Rodrigues Pinto