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Porque (ainda) precisamos falar sobre Robinho

Marianna C. Barcelos de Andrade 16 de outubro de 2020

10 de outubro é Dia Nacional da Luta contra a violência à mulher e foi também o dia que o Santos Futebol Clube anunciou o retorno do Robinho à entidade. Desde 2017, o jogador está condenado em primeira instância a nove anos de prisão por envolvimento em um caso de violência sexual a uma jovem albanesa, na época em que jogava pelo Milan, em 2013. O jogador recorreu da condenação, porém ainda não houve avanço nas fases do recurso. 

Neste texto não tenho por objetivo entrar em detalhes do processo judicial em si, debater se Robinho é ou não culpado, e se deveria ou não estar preso, mas almejo apenas refletir como o futebol produz seus ídolos e heróis (particularmente homens), e quem são esses ídolos. Uma vez que na condição judicial em que se encontra, Robinho não deveria voltar a jogar em clube algum, incluindo no qual se lançou no mundo do futebol. E, muito menos, deveria ser lançado sob o signo de grande ídolo.

O retorno de um ídolo?

Os debates em torno da figura de Robinho, como sugere o título, não são novos. Em 2017, quando o jogador teve passagem no Clube Atlético Mineiro, houve muitos comentários, críticas e protestos feitos principalmente entre as torcedoras sobre a vinda do jogador. Vale destacar que Robinho foi condenado em primeira instância justamente no período em que vestia a camisa do Galo, e dias após a condenação, fazia seus treinamentos normalmente dentro do clube.

Robinho, dono das inesquecíveis pedaladas com a camisa 7 do Santos, nunca teve sua história com o clube totalmente encerrada. Em 2018, quando o jogador não renovou contrato com o Atlético Mineiro, iniciaram alguns rumores de que ele estaria negociando seu retorno ao Peixe. Porém, as negociações não avançaram, pois o então presidente José Carlos Peres afirmou, em entrevista, que não tinha a intenção de avançar nas negociações com o jogador, uma vez que o time precisava preservar sua marca e seguir com o projeto de trazer mais torcedoras mulheres ao estádio. Frente a isso, não seria possível a vinda do jogador enquanto não fosse provada sua inocência.

Dois anos depois, a situação judicial do Robinho não mudou e sua inocência ainda não foi confirmada. Recentemente, Peres foi afastado do cargo de Presidente do Clube, e uma semana após Orlando Rollo, seu vice, assumir a presidência, a entidade anunciou a contratação de Robinho. Contratação que contou, inclusive, com uma cobertura imensa nas redes sociais, repleta de vídeos dos bastidores, onde em nenhum momento foi sequer citada a situação judicial do jogador na Itália. Com um toque de nostalgia, o time da Vila Belmiro divulgou o retorno “rei das pedaladas”, como se só houvesse motivos para comemorar esse retorno “glorioso”. 

Foto: divulgação / Instagram / SantosFC

A imagem de “ídolo que tem amor à camisa” foi ainda mais reforçada, pois o jogador foi contratado sabendo das péssimas condições financeiras que o Santos está passando no momento, e por isso aceitou receber um salário mínimo nos primeiros 3 meses do contrato. Além disso, o retorno do futebolista foi motivo de comemoração por diversos jogadores do elenco atual do clube, até o exmenino da Vila”, Neymar Jr., usou as redes sociais para comemorar: “Meu ídolo está de volta”. 

De outra parte, já para as torcedoras santistas, aquelas que, lá em 2018 deveriam ser trazidas para o estádio, a volta de Robinho é considerada um desrespeito com toda a luta que é travada há anos dentro e fora das arquibancadas. Na verdade, essa pode ser considerada uma derrota de todas as mulheres que acompanham futebol. Não se trata de um debate somente clubístico ou de uma ação individual, pois sabemos que casos como o de Robinho são muito comuns.

Quando acontecem condenações como essa, muitos insistem em falar que isso “acaba com a vida do jogador”. Contudo, no histórico do futebol brasileiro, isso nunca foi impeditivo para que jogadores fossem contratados e ainda fossem reconhecidos como “grandes jogadores”. Um exemplo é o caso de Jean, goleiro emprestado do São Paulo FC ao Atlético Goianiense, acusado de agredir a esposa; de Dudu, ex-Palmeiras, ou, até mesmo, o caso mais famoso do goleiro Bruno, que matou a mulher e ocultou seu cadáver. A lista de casos só aumenta e é muito maior (e fica cada vez pior) do que gostaríamos. Inclusive, vale o parênteses, de que enquanto estava em negociação com o Santos, Robinho também estava conversando com a diretoria do Palmeiras. Ou seja, de todo modo existiria algum espaço para o retorno do jogador ao futebol brasileiro.

É preciso ir além do marketing 

A volta de Robinho ao Santos levantou, nas últimas semanas, diversos debates importantes. Um deles é a necessidade dos clubes pensarem além das ações de marketing nas redes sociais. Isso porque o próprio Santos já se posicionou diversas vezes em relação a violência contra as mulheres, sempre sob o slogan “Você não está sozinha”. É certo que essas ações têm sua relevância e devem se expandir para o máximo de clubes possíveis, porém precisamos entender que talvez tais ações se restrinjam apenas a agregar likes nas redes sociais. O debate de gênero no futebol é complexo e precisa avançar de alguma forma para além dessas manifestações efêmeras entre os clubes. 

Felizmente, existem modelos positivos que podem e devem servir de inspiração, como é o caso do clube argentino Velez Sarsfield, que em 2018, criou um Departamento de Violência de Gênero dentro da agremiação. Desde essa criação, todas as contratações de jogadores realizadas pelo Velez incluem uma cláusula no contrato a respeito de violência doméstica e, caso o jogador não cumpra com as diretrizes do estatuto social do clube (ou do protocolo de violência de gênero), o contrato é rescindido. Essa necessidade surgiu já que nos últimos 6 anos, 14 jogadores do futebol argentino foram denunciados por violência contra mulheres. O exemplo do Velez, inclusive, incentivou demais clubes argentinos a fazerem o mesmo: o San Lorenzo, anunciou recentemente que os novos contratos do clube terão esta cláusula, e o River Plate e Boca Juniors também trabalham para criação de um projeto semelhante. Ainda não dá pra mensurar como esse estatuto está funcionando na prática e os limites que ele pode ter, mas independente disso, é um exemplo interessante a ser seguido.

Em um contexto no qual jogadores homossexuais passam a carreira toda escondendo sua sexualidade, pois qualquer demonstração em relação a isso poderia acabar com ela, a contratação de jogadores agressores é algo que escancara a existência de problemas estruturais consonantes com o machismo instituído, e que, infelizmente, está longe de serem resolvidos. O futebol brasileiro hegemônico que insiste em ser colocado como parte de uma “identidade nacional”, tem a cara do Brasil atual, masculino, heterossexual e misógino e, por isso, debates como esses se fazem necessários para mudar esse cenário.

Como torcedora santista, que vibrou em 2002 com as pedaladas de Robinho e se emocionou com o título depois de anos de espera, insisto no exercício de pensarmos em quem devem ser nossos ídolos, num país onde uma mulher é estuprada a cada 11minutos e agredida a cada 4 minutos. 


Sobre o LELuS

Aqui é o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade. Mas pode nos chamar só de LELuS mesmo. Neste espaço, vamos refletir sobre torcidas, corporalidades, danças, performances, esportes. Sobre múltiplas formas de se torSER, porque olhar é também jogar.


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Marianna Andrade

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Bacharel em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tem experiência na área da Antropologia e estuda as torcidas organizadas e as relações de gênero no futebol.  Compõe o Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da EFLCH (GEFE) e o LELuS (Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e Sociabilidade). Contato: [email protected]

Como citar

ANDRADE, Marianna C. Barcelos de. Porque (ainda) precisamos falar sobre Robinho. Ludopédio, São Paulo, v. 136, n. 38, 2020.
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