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Portões fechados e arquibancadas vazias: reflexos do COVID-19 no futebol

No dia 15 de março de 2020, estava assistindo pela televisão a um dos jogos válidos pela 9ª rodada do Campeonato Mineiro de Futebol 2020. Era a partida entre o Cruzeiro Esporte Clube e o Coimbra Sports[i], que foi realizada na tarde de domingo, no Estádio Independência, em Belo Horizonte. O mando de campo era do Coimbra, time estreante no Módulo I do futebol mineiro que possui sede no município de Contagem, que vem realizando seus jogos como mandatário no Independência.

Um aspecto que se destacou durante a transmissão foi observar a ausência da torcida dentro do estádio. Aquele barulho que normalmente ouvimos, que é resultado das conversas, cantorias, xingamentos e de outras manifestações das pessoas que vão ao campo, não fazia parte desse jogo, uma vez que ele foi realizado com portões fechados. Ou seja, não foi permitido que a torcida entrasse.

A realização de jogos com portões fechados costuma ocorrer em situações de sanções punitivas contra os times. Mas não foi o caso desta partida e das demais dessa rodada que também tiveram os portões fechados para as torcidas. A decisão de realizar os jogos da 9ª rodada com os portões fechados foi anunciada pela Federação Mineira de Futebol[ii], na sexta-feira (13 de março de 2020), e teve a justificativa de prevenção à propagação do COVID-19[iii] (vírus causador de infecção respiratória que provoca a doença denominada como Coronavírus). Essa medida evitaria a aglomeração de grande número de pessoas durante os jogos e diminuiria o risco de uma provável contaminação entre torcedores e torcedoras.

Federação Mineira de Futebol
Comunicado da Federação Mineira de Futebol sobre jogos com portões fechados. Fonte: Federação Mineira de Futebol. Foto: Reprodução.

Assim, não seria possível para as torcidas dos doze times que estão participando desse campeonato estar no estádio para assistir aos jogos. O que restou foi a possibilidade de acompanhar apenas à distância, por meio das transmissões por rádio, televisão ou na internet. Foi o que eu e milhares de torcedores e torcedoras pudemos fazer durante as diferentes partidas.

Acompanhando o jogo em casa, pude assistir a transmissão em aplicativo na televisão. Essa não foi a primeira vez que eu acompanhei uma partida de futebol por meio de um aplicativo, uma vez que no ano passado assisti a alguns jogos do Campeonato Brasileiro através do celular. A novidade foi que, no jogo entre o Cruzeiro e o Coimbra, o silêncio entrou em campo: o silêncio nas arquibancadas! E que ao acompanhar mais atentamente essa transmissão pude viver uma nova experiência: observar sons e conversas captados pelos microfones instalados próximos ao campo, que normalmente não são muito audíveis quando o estádio está ocupado por torcedores e torcedoras.

Em alguns momentos escutei as orientações dadas pelos técnicos dos dois times, cobrando posicionamento, corrigindo jogadas e chamando a atenção dos jogadores em campo, principalmente quando ocorria erros de passes, que não foram poucos. Vez ou outra ouvia-se até mesmo um palavrão.

Também pude escutar o som produzido em jogadas de cabeceio, quando a bola tocava a cabeça dos jogadores e depois era defendida ao toque das luvas do goleiro. E alguns passes e lançamentos, quando os pés dos jogadores tocavam a bola.

Em um jogo morno e sem a presença da torcida, provavelmente vinha do banco de reserva as palmas e alguns gritos que se escutavam nas poucas jogadas que ofereciam oportunidade de gol. Que falta que a torcida faz!

Mesmo a fala contínua da equipe de transmissão que narrava e comentava o jogo não superava o silêncio causado pela falta da torcida. Ainda mais quando dentro de campo os times não apresentam um futebol empolgante.

Durante a transmissão, um dos comentaristas mencionou que havia a possibilidade de que a Federação Mineira de Futebol definisse pela paralisação do Campeonato na 10ª rodada, suspendendo, assim, a realização dos jogos. Essa situação concretizou-se e foi publicada pela Federação Mineira de Futebol em seu site no dia 15 de março de 2020, por meio de uma Nota Oficial[iv].

Segundo consta no documento publicado, a suspensão das partidas do Módulo I e do Módulo II ocorreria por prazo indeterminado a partir do dia 17 de março de 2020. Era uma medida preventiva aplicada diante do risco de propagação e contaminação em massa do COVID-19 e visava priorizar a saúde dos jogadores, dos membros de comissões técnicas e de torcedores e torcedoras.

Federação Mineira de Futebol
Comunicado da Federação Mineira de Futebol sobre a suspensão dos jogos. Foto: Reprodução/Federação Mineira de Futebol.

Esse encaminhamento estava em consonância com a decisão adotada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF)[v], divulgada em comunicado publicado no dia 15 de março de 2020, em que informava que todas as competições nacionais em andamento que ela coordenava seriam suspensas a partir do dia 16 de março de 2020.

Ao longo dos dias seguintes, também foi observado em outros setores sociais a adoção de medidas preventivas para diminuir a circulação e a concentração de pessoas pela cidade. Essas medidas tiveram o objetivo de evitar a propagação do vírus e foram executadas entre os dias 16 e 18 de março de 2020: suspensão das aulas em escolas e faculdades públicas e privadas em municípios como como Belo Horizonte, Ibirité e Sete Lagoas; prefeituras suspenderam alguns dos atendimentos realizados junto à população; e a alteração ou a suspensão de serviços prestados por órgãos públicos como Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o Fórum de Belo Horizonte.

O avanço da doença em vários países desencadeou a configuração de um panorama de pandemia, silenciando ruas, edifícios e estádios, fora e dentro do Brasil. Estamos em uma situação de alerta, não é uma “fantasia”. E os procedimentos preventivos são necessários para frear a propagação do COVID-19. As alterações que estamos observando no cotidiano de muitas cidades em Minas Gerais e no Brasil, está impulsionando mudanças abruptas de comportamento das pessoas e de instituições públicas e privadas. Nossa atenção aos cuidados necessários e nossa solidariedade poderão auxiliar a superar a turbulência pela qual estamos passando. Suspender agora as competições esportivas, os encontros sociais, os deslocamentos desnecessários, as aulas em escolas, os encontros religiosos e os compromissos de trabalho, pode nos poupar de perdas maiores nos próximos meses. E pode contribuir para retomarmos nossa rotina, os encontros e a festa da convivência social, dentro e fora dos estádios de futebol. E, falando em estádios, vejamos como terminou a experiência de assistir ao jogo do Cruzeiro e Coimbra com as arquibancadas vazias.

Ainda que o Cruzeiro seja um time de tradição no futebol brasileiro e que já tenha alcançado muitos títulos relevantes no cenário nacional e internacional, não conseguiu demonstrar futebol suficiente para vencer o Coimbra. Não sustentou nem mesmo um empate.

COVID-19
Jogadores entram com faixa alertando sobre COVID-19, na partida entre Cruzeiro e Coimbra, válida pelo Campeonato Mineiro 2020, na Arena Independência, Belo Horizonte. Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro.

Próximo ao final do segundo tempo, o Coimbra conseguiu marcar o único tento do jogo, em uma cobrança de falta. Durante a jogada que garantiu ao Coimbra a sua primeira vitória no Campeonato Mineiro, alguns sons foram audíveis, mas desagradáveis, porque colocaria o Cruzeiro em mais uma derrota: o chute dado na bola pelo lateral Victor Hugo, em cobrança de falta; a bola tocando o corpo de um jogador do Cruzeiro que estava na barreira, sendo desviada e tornando impossível a defesa pelo goleiro Fábio; e a comemoração que o time do Coimbra fez após o gol.

A partida terminou com a vitória do Coimbra, em um estádio vazio e com mais um resultado melancólico para a torcida do Cruzeiro. Espero que após essa pausa no futebol, a melancolia da torcida cruzeirense seja substituída pela euforia do grito de gol e da alegria das vitórias. E que consigamos conter a chegada do Coronavírus e contribuir para a contenção dessa epidemia. Precisamos nos cuidar e cuidar dos outros para que a voz de jogadores, jogadoras e das torcidas continue ecoando nos estádios, nas quadras, nos campos e nos lares.

Notas

[i] Mais informações sobre o Coimbra Sports. Acesso em: 16 mar. 2020.

[ii] Disponível em: http://fmf.com.br/VerNoticia.aspx?e=329031DAF4615B942779E59D44113E10. Acesso em: 16 mar. 2020.

[iii] Mais informações sobre o COVID-19 acesse: https://coronavirus.saude.gov.br/. Acesso em: 16 mar. 2020.

[iv] Disponível em: http://fmf.com.br/VerNoticia.aspx?e=180D7CB4E92B017671121C9A444807FD. Acesso em: 16 mar. 2020.

[v] Disponível em: https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/cbf-suspende-competicoes-de-ambito-nacional-por-tempo-indeterminado. Acesso em: 18 mar. 2020.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Luciana Cirino

Integrante do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (FULIA), da UFMG.

Como citar

COSTA, Luciana Cirino Lages Rodrigues. Portões fechados e arquibancadas vazias: reflexos do COVID-19 no futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 129, n. 22, 2020.
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