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Qual a função dos estaduais? Não valem nada mesmo?

Lucas Dorta 22 de janeiro de 2020

As competições estaduais abrem o calendário do futebol brasileiro e é o momento do torcedor matar a saudade do time. Com a globalização e a prioridade dos clubes grandes em outros campeonatos, os certames perderam um pouco do charme. Por isso, todo início de ano é comum ver jornalistas desvalorizando ou demonizando os estaduais, colocando estes como responsáveis pelos problemas do futebol do país.

Lógico que as competições precisam ser reformuladas e adaptadas a uma nova realidade. O valor do título não é o mesmo de antigamente. Acredito até que há excesso de confrontos desinteressantes. Alguns estados poderiam se juntar com outros na tentativa de fazer algo mais forte, mas isso não quer dizer que todo torcedor deve comprar a ideia de que “não vale nada”.

O torcedor liga sim!

Eu duvido que você que está lendo este texto não tenha ficado irritado por causa de alguma derrota no clássico ou com uma eliminação vexatória para a equipe de menor expressão que tem no estadual a chance de fazer história. Duvido, e como duvido, que ninguém tenha na memória a vitória épica contra o rival. Aposto que todo torcedor tem recordações de jogos inesquecíveis dos estaduais, seja aquele título emocionante ou a derrota dolorida.

Emoção e tensão

Se o time começar mal já vai ter gente pedindo a cabeça do treinador e de jogadores. Caso o árbitro cometa erros graves, decisivos, tenho a certeza de que a maioria dos torcedores ficará brava. Para quem acha que não vale nada, basta olhar imagens das partidas decisivas com o público tenso, nervoso e eufórico nos duelos que definem o futuro. Os momentos de tensão e euforia também se refletem nas quatro linhas quando há discussões entre atletas, além das rodinhas para cima da arbitragem. Se não valesse nada mesmo, qual seria o motivo das emoções à flor da pele no campo e na arquibancada?

E quando for definido o campeão vamos ver torcedores fazendo posts e gritando nas ruas ou tirando sarro do amigo. Além disso, para muitos clubes em crise, o título estadual é a chance de ao menos dar uma amenizada na pressão.

Portanto, não há como dizer que não vale nada ou o que o torcedor não liga.

Sport x Náutico: tensão nas expressões no Clássico dos Clássicos. Foto: Anderson Stevens/Divulgação/Sport.

Rivalidades e partidas históricas

Muitas das rivalidades históricas que existem hoje no Brasil cresceram por causa das disputas estaduais. Alguns rivais enfrentam-se em competições nacionais, mas nem sempre os jogos têm caráter decisivo.

Sem estes campeonatos, os clássicos teriam perdido um pouco da história e da rivalidade, pois os embates ocorreriam em menor frequência. É bom lembrar que existem estados onde os rivais ficam constantemente em divisões diferentes de nível nacional e o estadual é única chance de eles se enfrentarem.

Vitrine para jogadores de times de menores centros

O Brasil está cheio de jogadores que buscam no esporte uma forma de ascensão social, podendo assim melhorar a vida dos familiares. Muitos ficam pelo caminho. Outros dão certo e conseguem o desejado sucesso. Tem também aqueles que rodam pelo país e esperam a oportunidade. É aí que podemos falar da “responsabilidade social” dos estaduais, já que podem significar a possibilidade de atletas de times pequenos aparecerem na mídia.  Caso os estaduais fossem extintos, a gente não perderia a oportunidade de revelar jogadores?

Se lembrarmos da história dos grandes times campeões do futebol brasileiro, sempre terá alguém revelado no time do interior ou que teve de rodar nos menores na luta pela glória.

Gabriel Martinelli, eleito jogador revelação do Campeonato Paulista de 2019, quando jogou pelo Ituano, é hoje sensação do Arsenal, na Inglaterra. Foto: Reprodução/Instagram.

Atração para cidades do interior e oportunidades

Lógico que nem todo município possui identificação com o time local. Tem também o preço de ingresso que afasta a população, porém a equipe da cidade disputando competições pode ser ótima atração para os moradores. O clube do interior vira assunto nas conversas e na mídia local. Isso fica ainda maior quando o grande vai jogar no interior. Esses fatores também se transformam em oportunidade de movimentação da economia de determinada região.

Portanto, o estadual proporciona ao torcedor que mora fora da capital a oportunidade de ficar mais próximo de assistir ao time de coração no estádio ou de torcer para a equipe do interior conseguir um resultado histórico contra o grande da capital.

O que fazer com os campeonatos?

Os estaduais devem ser reformulados com regulamentos atrativos, melhores condições financeiras aos times do interior, preços acessíveis, bom trabalho de marketing, além do planejamento eficiente.

Apesar de não ter a mesma importância de antigamente, matar de uma vez estas disputas pode acabar destruindo a parte cultural e histórica do futebol brasileiro e marginalizando ainda mais os menores, deixando o esporte elitizado, já que consequentemente haverá diminuição de espaços para jogadores talentosos e torcedores dos times do interiorzão.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lucas Dorta

Formado em jornalismo, palmeirense, apaixonado por grandes histórias do esporte, principalmente por aquelas fora do "mainstream" e que mostram a relação entre o futebol e determinadas comunidades.Foi estagiário do Jornal Nossa Terra e da Agência Experimental de Comunicação da Fundação Educacional Dr. Raul Bauab,  trabalhou na comunicação da Prefeitura Municipal de Mineiros do Tietê e já escreveu textos para o Observatório da Imprensa.  

Como citar

DORTA, Lucas. Qual a função dos estaduais? Não valem nada mesmo?. Ludopédio, São Paulo, v. 127, n. 23, 2020.
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