102.22

O que sobrou de nós

Marcos Teixeira 22 de dezembro de 2017
O pior Real Madrid possível pôs o Grêmio no bolso, dominou quando quis os gaúchos. Jogou pro gasto. Ganhou como quis, mesmo parecendo, às vezes, que não queria. O Tricolor Gaúcho, pela terceira vez campeão sul-americano, se contentou em tentar uma bola, literalmente, como tem sido comum no confronto com os grandões do Velho Mundo. Tivesse um balde d’água no lugar de Navas e o placar teria sido o mesmo.
É isso o que sobrou para os times da América do Sul no confronto com os europeus: tentar não passar vergonha, isso quando chegam à decisão. A disparidade é imensa, e não só em se tratando de talentos em campo. É na filosofia de jogo, na estrutura, na organização.
O Real Madrid, quando avançava, o fazia como faca na manteiga e só parava na monstruosa atuação de Geromel ou em Marcelo Grohe. Já o Grêmio parecia uma faca de rocambole cortando um pão italiano a cada vez que tentava trocar três passes nos campo de defesa madridista. Isso quando conseguia.
Para definir de forma grosseira a diferença entre tricolores e merengues, basta imaginar que os de Madrid poderiam errar por atacado e, ainda assim, teriam enormes chances de ficarem com a sexta taça mundial. Aos comandados de Renato Portaluppi, porém, um erro poderia ser fatal.
Santana do Livramento - RS 16/12/2017    - Torcedores do Grêmio choram a perda do título. Foto Marcelo Pinto/APlateia
Torcedoras do Grêmio choram a perda do título. Foto: Marcelo Pinto/APlateia.
E foi.
Falar que o problema não é perder, mas perder sem chutar uma bola ao gol, é ser simplista demais. Chegar à decisão com essa perspectiva é de doer. E está ficando normal enaltecer a raça, a entregar, o cair de pé, quando isso é o mínimo, não é mais que obrigação. Nos contentamos em jogar pela tal única bola e ganhar – ou perder – na raça, único parâmetro independente e qualidade técnica ou filosofia de trabalho.
Ano após ano, assistimos a um campeonato nacional de baixíssima qualidade e, por conseguinte, os parâmetros caem. Aí entram oito porcarias na farra de vagas da Libertadores e vestimos, brasileiramente, a capa de favoritos. Aí apanhamos e ficamos com cara de idiotas, tentando achar explicações onde elas não estão. É fácil: somos muito fracos.

Mas sabe o que incomoda? De verdade? É o otimismo de que, no fim, tudo vai dar certo. O Cássio vai pegar tudo; o Aloísio vai deixar o Mineiro na cara do gol; o Gabirú vai derrubar o Barcelona. Como se isso fosse regra, não exceção. Vivemos do herói cada vez mais improvável, quando o improvável mesmo é, cada vez mais, deixar de ser zebra. Inclusive jogando contra a pior versão do atual campeão do mundo, com seu melhor jogador em uma jornada apagada.

É o que sobrou de nós.

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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. O que sobrou de nós. Ludopédio, São Paulo, v. 102, n. 22, 2017.
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