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Quem se importa com a Seleção?

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a cada nova convocação da seleção masculina, vem ganhando mais antipatia de torcedores e acirrando os ânimos com os clubes. Autoritária, ela despreza a principal competição entre times brasileiros, o Campeonato Brasileiro. A instituição, passou por (mais) uma crise, estabeleceu como seu “principal produto” o time comandado por Tite e isso implica muito no futebol praticado por aqui.

Neymar
Neymar em jogo contra a Colômbia pela Copa América. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Caboclo Afastado

Enquanto Rogério Caboclo, presidente (afastado) da CBF, é acusado de assédio, as comissões técnicas das seleções principal e olímpica, com respaldo de seus cartolas, desfalcam sem cerimônias os times brasileiros. Em meio a uma pandemia, não só os times sofreram desfalques em seu elenco, como alguns perderam também seus estádios, cedidos à Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) para realização da Copa América.

Vivendo um dos mais turbulentos momentos de sua história, a CBF confirmou a realização da Copa América no Brasil. A comissão técnica e os atletas se mostraram incomodados com a situação durante as partidas realizadas pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. E por um breve e ingênuo momento, alguns poucos brasileiros vislumbraram uma chance de consciência por parte da equipe em uma possível renúncia à Copa América. Ledo engano, o incômodo de Tite e companhia tinha a ver com a intransigências e os destratos de seu dirigente, Caboclo. Lamentável, mas previsível.

Copa América

Não contente com as Eliminatórias da Copa, a Conmebol não desistiu de realizar a Copa América. Com a ebulição política na Colômbia e depois o aumento de casos de infecção do novo coronavírus na Argentina, a entidade ficou sem sede para competição. Como não poderia ser diferente, o Brasil em toda sua “generosidade” candidatou-se. Porque afinal de contas, os interesses políticos e financeiros, sempre estão acima do bem-estar da população, dos atletas e do bom senso. Um absurdo desmedido, que arranhou ainda mais a imagem da seleção canarinha que já não anda muito popular.

Copa América no Brasil, sem o calendário do futebol brasileiro parar, eu pergunto, qual a graça dos times jogarem desfalcados por diversas rodadas sem seus principais jogadores? Qual a graça de empobrecer ainda mais um torneio que já não tem lá grandes craques? Só para citar alguns questionamentos no campo esportivo. No que diz respeito ao problema sanitário universal que vivemos, não há lógica ou justificativas cabíveis, senão as capitalistas e genocidas, que sejam coerentes com a realização de uma competição de porte internacional em um país com quase meio milhão de mortos e taxas alarmantes de óbitos diários pelo novo coronavírus e uma campanha de vacinação que anda a passos lentos.

A Argentina venceu o Brasil por 1 a 0 e encerrou seu jejum de vinte e oito anos sem levantar um troféu, consagrando assim dos ícones do futebol, Leonel Messi, que por fim levantou seu primeiro caneco vestindo a camisa da albiceleste.  Acho que foi o final mais apropriado em meio a insalubre competição.

Argentina Copa América
A Argentina venceu o Brasil na final da Copa América 2021. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

A insistência da Conmebol com a presença de torcedores resultou em duas coisas bem óbvias: aglomeração e chegada de variante do novo coronavírus. Cerca de sete mil torcedores estavam presentes na final da Copa América no Rio de Janeiro, entre brasileiros e argentinos, e assim como vimos nos jogos da Eurocopa, muitos deles não seguiam as recomendações do obrigatoriedade do uso de máscara e  de não aglomerar no entorno dos estádios. Contudo, a pior parte nem foi essa, mas sim a chegada da variante B.1.621 no Brasil. Ela foi detectada em dois homens que integravam as delegações de Equador e Colômbia. Atualmente, a variante integra uma “lista de alerta” da Organização Mundial de Saúde.

Seleção Olímpica

Agora entremos em outro tópico absurdo, realização dos jogos Olímpicos de Tóquio. Também executado por motivos financeiros. A maioria da população japonesa é contrária, mas o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o governo japonês insistiram. Não satisfeitos, eles irão realizar os jogos com todas as modalidades, incluindo o desinteressante torneio olímpico de futebol masculino.

O técnico da seleção brasileira olímpica de futebol, André Jardine, deu a entender que não queria ter “muito trabalho” para montar uma equipe com jovens talentosos e isso ficou claro com os nomes divulgados em suas convocações. Na primeira lista, nomes como Neymar, Marquinhos (ambos do Paris Saint-Germain) e Weverton (Palmeiras) figuravam. O PSG prontamente avisou que não iria liberar seus principais jogadores para um torneio que não é data Fifa. O Palmeiras afirmou que não iria renunciar seu principal goleiro. Os nomes destes três não constaram na lista final dos dezoito convocado, mas o de Pedro (atacante do Flamengo) sim. O clube carioca tinha sido enfático, tal qual os demais, ao dizer que não iria liberar o atleta. A CBF não satisfeita em já desfalcar o rubro-negro com dois atletas na seleção principal, Gabigol e Everton Ribeiro, incluiu Pedro na lista dos Jogos de Tóquio final, gerando um novo atrito e desconforto entre as partes. Depois do desgaste desnecessário, a situação foi resolvida, com jogador não se apresentou a seleção sim ao clube carioca.

O caso que evidencia o desinteresse de Jardine em treinar pra valer uma seleção sub-23 foi a convocação de Daniel Alves, veterano jogador do São Paulo. O atleta que desfalcou seu time por contusão, agora irá passar mais tempo fora, por razões olímpicas! O SPFC que já não vai muito bem em seus jogos, desde a conquista do Campeonato Paulista terá de lidar com a falta de um dos principais jogadores de seu time em competições cruciais como a Copa Libertadores da América, Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro.

Daniel Alves
Daniel Alves em jogo treino da Seleção Olímpica contra os Emirados Árabes na Sérvia. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Retirar os melhores jogadores dos clubes para competições irrelevantes é empobrecer ainda mais um campeonato que já carece de qualidade técnica e estrelas. A CBF só corrobora com o argumento de que seu único produto é a Seleção Brasileira. A quem interessa assistir um campeonato de clubes com times nivelados por baixo, sem seus craques? Certamente não interessa ao público consumidor, no caso, os torcedores. Com isso a CBF presta um desserviço a modalidade e aos torcedores dos clubes.

Os clubes são os pilares do futebol brasileiro, por meio deles os atletas são formados, até a chegar ao time principal. Eles são responsáveis por pagar salário mensalmente, arcar com despesas das mais diversas dos seus funcionários, manter estádios e investir em jovens talentos. O clube é quem paga o salário do jogador que a CBF convoca e, por vezes devolve machucado, dando prejuízo técnico àquele que contratou e mantém o atleta. São os clubes por meio de seus torcedores que estimulam e mantém a paixão do povo pela modalidade. E aos torcedores os clubes pertencem, embora tenham cartolas que achem que não.

Mas não há mocinhos nessa história. Subservientes, os clubes concordaram com o calendário proposto pela entidade, ou seja, eles estavam cientes que poderiam perder jogadores em momentos chave e ainda sim assinaram o documento. Após os numerosos desfalques a seleção da CBF e de outras federações sul-americanas, o Flamengo, que sabia de tudo isso, entrou com um processo no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) a fim de conseguir a paralisação do Campeonato Brasileiro, alegando prejuízo técnico com a perda de oito jogadores do seu elenco principal. Tem lógica? Tem sim, mas soa uma tremenda hipocrisia um pedido desses vindo de uma diretoria que forçou o retorno do futebol no país ano passado e insistem em forçar o retorno dos torcedores ao estádio ainda este ano, pensando unicamente no lucro e não a vida dos seus torcedores.

Por outro lado, se o Flamengo de forma solitária alega ser prejudicado com as perdas de seus jogadores, outros times veem essa defasagem técnica nas competições como vantagens. E agora eu sou muito franca com você leitor, que espécie de vantagem você enxerga em ver um jogo carente de qualidade única e exclusivamente para “se gabar” diante do time perdedor? É realmente esse o nível de futebol que você almeja para o seu clube ou para o futebol brasileiro de um modo geral? Essa desunião e mesquinhez de pensamento realmente vai melhorar o futebol local?

Clubes querem formar uma liga responsável pelo Campeonato Brasileiro

Uma carta assinada por 19 clubes que disputam a Série A, exceto o Sport, foi enviada à CBF com o objetivo de criar uma liga de futebol responsável por organizar e administrar o Campeonato Brasileiro. Aproveitando o momento de maior vulnerabilidade da CBF, os clubes fizeram um movimento coletivo a fim de igualar as forças no que diz respeito à tomada de decisão do calendário da principal competição interclubes do país.

A proposta é válida e ideias semelhantes já realizadas em outros momentos da história do futebol brasileiro, caso do Clube dos Treze, fundado em 1987 com intuito de defender os interesses políticos e econômicos dos principais clubes do país. Posteriormente, a organização chegou a contar com vinte clubes. Ela negociava os direitos de transmissão de campeonatos como o Brasileiro com as emissoras de rádio e televisão. Também dialogava com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) acerca das formas de disputa dos campeonatos nacionais.

Essa carta traz uma luz no fim do túnel de que os clubes estejam mesmo querendo ser menos subservientes e atender a todo sempre os caprichos e desejos da CBF. Contudo, está carta só será realmente válida se na hora da organização ego e interesses políticos das partes sejam deixados de lado. Fico esperançosa e no aguardo em saber os próximos passos de toda essa celeuma.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leila de Melo

Ex-atleta frustrada e jornalista por vocação. Fã de Kobe Bryant e de esquema 4-4-2. Escreve sobre esporte, porque a vida não  é o bastante. Jornalista formada em comunicação social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Como citar

MELO, Leila de. Quem se importa com a Seleção?. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 33, 2021.
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