Há séculos, a baixa autoestima do brasileiro é uma característica que acompanha a grande maioria da população. Desde a colonização portuguesa, que passa pelo genocídio indígena e pelo fato de o Brasil ter sido o último país na América do Sul a decretar o fim da escravatura, o país carrega consigo as consequências decorrentes da repressão dos colonizadores sobre os povos mais pobres.
Curiosamente, o football, criado na Inglaterra como um esporte restrito à elite, trouxe para o brasileiro um frescor de autoestima, principalmente nas periferias que passaram a usar o futebol como objeto de projeção social, além de servir como um caminho para desaguar as durezas da vida.
A projeção social proporcionada pelo futebol, que contribui com a autoestima do povo, sofreu duros golpes ao longo dos anos, a começar pela final perdida em casa para o Uruguai, em 1950, por dois a um. Em duas décadas, o Brasil estabeleceu-se como o país do futebol, ganhou três Copas do Mundo, teve Pelé reconhecido como melhor jogador de todos os tempos e seus jogadores ficaram famosos pelo gingado e pelo improviso, a malemolência típica da capoeira e dos terreiros do samba. Mas, em 82, com uma seleção que encantava o mundo, o Brasil sofreu uma de suas piores derrotas, a perda da vaga às finais para a Itália de Paolo Rossi.
Foram vinte e quatro anos sem uma conquista de Copa do Mundo, que veio apenas em 94, com um time que herdou muito pouco da lendária história do estilo brasileiro, e trazia com ela apenas os talentos individuais de seus jogadores, em especial, Bebeto e Romário. Esse título, tão aguardado por mais de duas décadas, e que chegava no ano em que Senna morreu, mostrou para o mundo que era possível vencer sem jogar bem. Em 2002, com mais um título nas mãos, a seleção se tornou a única pentacampeã do mundo. Novamente, dependendo de talentos individuais, mas havia, então, uma confiança brasileira que era aliada a um momento de prosperidade e maior igualdade social.
Essas conquistas baseadas em táticas defensivas promoveu uma profunda e lenta transformação no estilo de jogo brasileiro. Técnicos antiquados e jogadores truculentos se destacaram, enquanto o futebol europeu se desenvolvia, até a mais terrível derrota do futebol brasileiro em 2014, em casa, por 7 a 1, para a Alemanha. Esse vexame expôs a fragilidade de um modelo de jogo ultrapassado.
Em 2019, quando a seleção já amarga 17 anos sem ganhar uma Copa do Mundo e ainda insiste em modelos defensivos, surge uma manifestação popular sem precedentes, justamente no momento em que o povo vive um ano trágico com a redução de políticas sociais.
Uma festa rubro-negra, em comemoração ao título da Libertadores e do Campeonato Brasileiro do Flamengo, conquistados no mesmo fim de semana, teve início antes do jogo decisivo. No embarque, o povo abraçou o time e o levou até o aeroporto em uma grande mobilização popular.
O que aconteceu a partir daquele instante pode ser o início do resgate da alegria e da autoestima popular, proporcionados pelo verdadeiro futebol brasileiro, que se torna muito mais importante que o título em si, quando observado em um contexto mais amplo.
Embalados pelo funk, o mar de amor que se formou em volta do time Mais Querido do Brasil promoveu uma festa com centenas de milhares de pessoas, que serviu para lavar a alma do povo e renovar a esperança em meio a tanta miséria social.
Resta saber quais serão as consequências dessa mobilização popular no cenário esportivo, social e, principalmente, na periferia e nas favelas.