132.73

18 anos sem Roberto Drummond, o “elemento comunista” das crônicas esportivas

Mariana Brescia 30 de junho de 2020

No dia 21 de junho de 2002, morria em Belo Horizonte, aos 68 anos, vítima de problemas cardíacos, Roberto Drummond, jornalista, contista, romancista e cronista mineiro.

Estátua de bronze do escritor Roberto Drummond em tamanho real na Praça Diogo de Vasconcelos em Belo Horizonte. Fonte: Wikipédia.

Robert Francis Drummond, mais conhecido como Roberto Drummond, iniciou sua carreira de jornalista atuando pelo jornal Folha de Minas na década de 50, mas ao longo de sua trajetória passou pelo Binômio e pela revista Alterosa, que comandou de 1961 até seu fechamento pela ditadura militar em 1964. Ainda nos primeiros anos da década de 60, deu início à sua carreira no Estado de Minas, onde se manteve até sua morte, assinando a coluna “Bola na Marca” durante 21 anos. Além disso, trabalhou no Jornal do Brasil e no Hoje em Dia. Tornou-se conhecido internacionalmente após o sucesso de Hilda Furacão, seu romance lançado em 1992 e que virou minissérie na Rede Globo em 1998.

Nasceu Robert Francis Drummond, mas virou Roberto Drummond após um conselho de uma vidente. Em 1999, revelou em uma entrevista para o programa Gente, da TV Horizonte: “Eu tenho vários tabus na minha vida. Uma vidente me falou que se eu mudasse de nome, ia dar certo, então eu pus “O” no Robert e tirei o ‘Francis’”.

Entrou para a Juventude Comunista influenciado pelos livros de Jorge Amado e conforme recorda na crônica “A greve que articulei na fazenda de meu pai”, sua ficha no DOPS era marcada por várias passagens e em uma delas era descrito como “elemento nocivo, de alta periculosidade, que deseja instaurar no Brasil um regime nos moldes da União Soviética, seguindo ordens de Moscou”.

Em uma correspondência de 24 de novembro de 1961 endereçada ao Dr. Alberto de Sales Fonseca Júnior, Chefe do DOPS, Drummond é mencionado pelo investigador Anisio Fernandes Pedra como um jornalista “já bastante conhecido deste Departamento como elemento comunista”. 

Torcedor fanático do Atlético Mineiro, Roberto Drummond dedicou suas crônicas não apenas ao futebol brasileiro ou alvinegro, mas também à críticas ácidas contra a ditadura militar, que não saíram impunes. Em sua crônica “Declaração de Amor”, Drummond conta que quando trabalhava no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, decidiu voltar para Belo Horizonte, mas ficou desempregado por 11 meses: “ninguém me dava trabalho, porque eu era marcado como subversivo, nome que a ditadura militar e seus agentes secretos davam aos que resistiam aos generais. Tinha gente que me via na rua e pulava para o outro lado, só para não cumprimentar”

A paixão pelo Galo não foi deixada de lado nem na noite em que foi preso pelo DOPS. Segundo conta na crônica “A vida é esta: subir Bahia, descer Floresta”, quando foi jogado numa cela escura do DOPS, começou a ouvir “uma gota d’agua pingar, como para me deixar louco, comecei a repetir, em voz alta, como quem reza, a escala de um time do Atlético que carrego no coração: Kafunga, Murilo e Ramos, Mexicano, Monte e Silva, Lucas, Lauro, Carlaile, Lero (depois Alvinho) e Nívio.”.

Visionário, profeta ou apenas um mero observador, Drummond já discutia a crise do futebol brasileiro na década de 80. Durante uma entrevista para a revista PLACAR, em janeiro de 1986, Drummond apontou que uma das razões da crise do futebol brasileiro era que “ele não fala mais ao sonho brasileiro, que hoje é um sonho democrático” e que o futebol cedeu aos militares, sendo um instrumento da ditadura militar durante 21 anos.

Sua ultima crônica antes de morrer, “Seja o que Deus quiser”, foi escrita 12 horas antes do jogo entre Brasil x Inglaterra:

“Escrevo esta crônica 12 horas antes do jogo Brasil x Inglaterra. Vocês sabem: sou fascinado com bolas de cristal, videntes, tudo que pode prever o dia de amanhã, o futuro e seus mistérios, o que está por acontecer. Mais do que nunca, gostaria de ter uma bola de cristal ou os poderes de vidente de minha amiga madame Janete, só para saber quem venceu, se a Seleção de Ronaldinho, se a seleção de Beckham.”

Drummond não conseguiu saber o resultado da partida, pois foi vítima de um infarto na hora do jogo. De acordo informações reveladas pelo Estado de Minas, o escritor já vinha apresentando sintomas de enfarte, mas não procurou ajuda médica porque não queria ser impedido de assistir aos jogos da Copa do Mundo. Fico daqui imaginando que se tivesse conseguido prever o futuro como gostaria, se tivesse encontrado uma bola de cristal perdida pela casa, ou ainda, se tivesse ido ao hospital antes, Drummond teria, infelizmente, infartado do mesmo jeito, afinal, quantas coisas maravilhosas e terríveis ele ficaria sabendo. 

Se em sua bola de cristal só fosse possível prever informações sobre o futebol, por exemplo, Roberto descobriria que a seleção brasileira foi pentacampeã e que Ronaldinho e Gilberto Silva virariam jogadores do Galo, conquistando a Libertadores vestindo a famosa camisa preta e branca que tanto o orgulhava.

Não há coração que aguente descobrir tudo isso no mesmo dia, Roberto.

Ainda nessa crônica, Drummond revelou que se o penta viesse, a conquista não ajudaria FHC a eleger José Serra como presidente da república, pois o povo brasileiro saberia votar consciente. Imagine agora que nessa sua bola de cristal Drummond pudesse ver o futuro da política brasileira? Como ele reagiria se soubesse que Lula, mencionado com preocupação e carinho em seu último texto, foi eleito, reeleito e preso pelo juiz que viraria ministro de seu principal rival político nas eleições de 2018? Como ele reagiria se soubesse que o atual presidente do Brasil foi eleito saudando a ditadura que Drummond combateu arduamente durante toda a sua vida?

Não há coração que aguente descobrir tudo isso no mesmo dia, Roberto.

Roberto Drummond tinha um coração sofredor, como de todo atleticano; um coração esperançoso, como de todo comunista. Era, portanto, um coração experiente, mas calejado, que ainda assim, não aguentaria as novidades concedidas pela bola de cristal que tanto almejava. Mas uma coisa é certa: seus escritos ainda ecoam e se mostram extremamente atuais, nos fazendo ter certeza de que a saudade será eterna.


Fontes

AINDA somos os melhores. Roberto Drummond. Placar, São Paulo, nº. 817, 20  jan. 1986. 

DRUMMOND, Roberto. Seleção e Prefácio: Carlos Herculano Lopes. São Paulo: Global, 2005.

_____. Uma paixão em preto e branco. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2007.

ROBERTO DRUMMOND. Gente. Belo Horizonte: TV Horizonte, 1999. Programa de TV.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Mariana Brescia

Atleticana, graduada em História pela PUC Minas, pesquisadora do projeto Saberes da Terra (UFMG) e participante do Grupo de Estudos e Pesquisa Memória FC.

Como citar

BRESCIA, Mariana. 18 anos sem Roberto Drummond, o “elemento comunista” das crônicas esportivas. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 73, 2020.
Leia também:
  • 132.1

    “Porque mistério sempre há de pintar por aí” (III:) Manifesto contra os tapetes vermelhos

    Mariana Brescia
  • 131.65

    “Porque mistério sempre há de pintar por aí” (I)

    Letícia Marcolan, Mariana Brescia, Marcus Vinícius Costa Lage
  • 130.45

    Com 108 anos, “ponha a mão na conciença” Coelhão!

    Marcus Vinícius Costa Lage, Letícia Marcolan, Mariana Brescia