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Rogério Ceni – 01

Victor de Leonardo Figols 19 de janeiro de 2014

Da pelada de fim de semana ao futebol profissional, todo mundo sabe que um bom time começa pela defesa, mais especificamente, pelo goleiro. Há até quem diga que “goleiro bom é meio time”. Mas na verdade a função do goleiro é a mais odiada e amada (ao mesmo tempo) pelos torcedores. É por isso que ser goleiro é uma profissão tão ingrata, quando acerta é elevado ao patamar de ídolo, quando erra – goleiro não tem o direito de errar, um único erro e é gol dos adversários – é colocado como o principal vilão.

O goleiro tem apenas um objetivo, acabar com a festa do outro time. Se o gol é o ponto máximo do futebol, o goleiro está ali, debaixo das traves, para evitar que isso aconteça. Quando faz uma defesa, é ovacionado pela torcida, e odiado pelos rivais. Poucos são aqueles que conseguem fazer as duas coisas, acabar com a festa do time rival e dar alegria a sua torcida, com gols.

São tão poucos que dá até para contar nos dedos de uma mão, no qual o número um é Rogério Ceni. O goleiro de 40 anos soma 113 gols ao longo de sua carreira, que já dura mais de 20 anos, mais de duas décadas de serviços prestados ao São Paulo Futebol Clube.

Ilustração: Felipe de Leonardo – felipedeleonardo.com.

Quando era mais novo gostava de jogar na linha, no meio de campo, com a bola nos pés, jogar no gol era a sua segunda opção. Em 1990, estreou como profissional no Sinop Futebol Clube, nesse mesmo ano foi contratado pelo São Paulo FC, com apenas 17 anos de idade, o jovem goleiro já fazia parte de um dos maiores clubes do futebol nacional.

Foram três anos jogando nas categorias de base do tricolor paulista. Em 1993, veio o terceiro título da carreira, o segundo com a camisa do São Paulo. A jovem equipe conquistou a Taça São Paulo de Futebol Júnior, esse título abriu caminhos para o goleiro chegar ao time principal. Naquele mesmo ano, o São Paulo foi campeão da Libertadores da América, pela segunda vez, e Rogério Ceni já fazia parte do elenco principal, era reserva de Zetti.

Ainda em 1993, Rogério alternou entre a titularidade do time reserva do São Paulo, com a reserva do time principal. Foi o ano em que o mundo reconheceu o potencial do São Paulo FC. O tricolor paulista conquistou pela segunda vez o Mundial de Clubes, e Rogério Ceni estava lá. Ainda como reserva, é verdade, mas sentiu o gosto de ser o melhor do mundo, gosto tão saboroso que precisava repetir.

De 1993 a 1996 foi o ano de adaptação, Rogério viveu entre o time reserva e o time principal. Nesse meio tempo, chegava mais cedo nos treinos e chutava despretensiosamente em direção ao gol. A atividade foi ficando cada vez mais monótona, e o goleiro resolveu criar alguns desafios, como por exemplo, colocar uma barreira na frente. E em 1996, definitivamente já era considerado um batedor de falta, pelo menos em treinos, faltava ainda mostrar o que havia aprimorado.

Rogério Ceni treina cobranças de falta. Foto: Luiz Pires – VIPCOMM.

A oportunidade veio no Campeonato Paulista de 1997, no jogo contra o União São João de Araras. A falta foi na meia lua, Rogério saiu de sua meta em direção ao gol oposto, ajeitou a bola, deu três passos para trás, correu, bateu e fez o gol. O São Paulo venceu por 2 a 0, e Rogério saiu de campo com o seu primeiro gol. Primeiro de muitos.

Na temporada 1997, foram mais dois gols, um contra o Paraná Clube e outro contra o Botafogo. Três gols em uma temporada, para um goleiro, soava como um grande feito. Na temporada seguinte, mais três tentos na conta do goleiro, que já começa a ganhar a fama de goleiro-artilheiro. Em 1999, Rogério mostrou que sabia bater pênaltis também, naquela temporada fez três de faltas e dois de pênaltis, foi a sua maior marca pessoal até então.

A primeira metade dos anos 2000 não foi tão favorável para o goleiro-artilheiro. De 2000 a 2004, Rogério Ceni marcou 22 gols, distribuídos dessa forma: oito em 2000, dois em 2001, cinco em 2002, dois em 2003 e cinco em 2004, desse total, apenas dois de pênaltis. Fato curioso até então, é quando o goleiro marcava o São Paulo não perdia, essa máxima duraria mais uns anos, até ser interrompida. Nesse período, o goleiro conquistou diversos títulos pelo São Paulo, como por exemplo, um Campeonato Paulista e um Torneio Rio-São Paulo.

O ano mágico do goleiro e do São Paulo foi em 2005. Rogério já era tido como o ídolo da torcida tricolor, também já era o capitão e líder da equipe. Naquele ano, foram três títulos, um Paulista, uma Libertadores da América e um Mundial de Clubes. Depois de doze anos, Rogério Ceni sentiu o gosto de ser o dono do mundo, só que dessa vez, ele era o grande protagonista. Foi ele que ergueu a taça de campeão do mundo e puxou a volta olímpica.

Além dos títulos, Rogério Ceni estava voando em campo, em apenas uma temporada o goleiro marcou 21 gols, um feito inédito até então para a sua carreira e para a carreira de qualquer goleiro. Aliás, feito difícil de realizar para muito atacante camisa nove de ofício. O ano de 2005 e o Mundial de Clubes foram especiais para o goleiro, que marcou um gol na semi-final e fechou o gol na final. Saiu do torneio como o melhor da final e o melhor do Mundial, e atuação coroada com o título.

Na temporada seguinte, muitos esperavam que o feito do ano anterior fosse se repetir, mas não se repetiu. Entretanto, o goleiro fez 16 gols, e inovou, marcou gol de falta, de pênalti e até de bola rolando. Foi em 2006 que Rogério Ceni colocou, definitivamente, seu nome entre os grandes. O goleiro passou a marca de Chilavert, outro goleiro que se arriscava no ataque fazendo gols. Em 2006, Rogério ultrapassou o número de gols do goleiro paraguaio, que era de 62 gols. A grande atuação do goleiro naquele ano, fazendo gols e evitando os do adversário, garantiram o título de Campeão Brasileiro.

Já nas temporadas 2007 e 2008, mais dois anos levantando a taça de Campeão Brasileiro, e mais 15 gols para o goleiro-artilheiro. Em 2009, vacas magras em número de gols e de títulos, foram apenas dois gols de falta, mas ainda sim, o goleiro se mostrava extremamente seguro no gol, não deixando dúvidas para os são-paulinos, era o melhor goleiro do Brasil.

Ceni cobra falta contra o Criciúma em jogo válido pelo Campeonato Brasileiro de 2013. Foto: Luiz Pires – VIPCOMM.

Quem não achava que ele era o melhor do Brasil eram os técnicos da Seleção Brasileira e os torcedores rivais. Motivos não faltavam, perto de chegar os 20 anos de carreira e de São Paulo, Rogério Ceni já havia marcado em quase todos os times que jogou contra. Marcou em todos os times grandes da primeira divisão, e nos pequenos também, marcou nos rivais do Estado de São Paulo e nos pequenos do campeonato paulista. Também marcou em times de fora do país, pela Libertadores da América, times da Bolívia, Argentina, Chile, Venezuela, Equador e México sofrem com o pé calibrado do goleiro. Outros dois times de fora da América Latina também tomaram gol do Rogério, o já extinto FC Uralan Elista da Rússia e o Al-Ittihad da Arábia Saudita tomaram um gol cada.

Longe disso, era difícil administrar a imagem na Seleção, sabendo que o goleiro era o maior símbolo do São Paulo. O grau de identificação de Rogério Ceni com o São Paulo chegou a se confundirem. Os títulos conquistados pelo goleiro correspondiam às maiores conquistas do tricolor paulista, separar a imagem do clube e do jogador – ou vice-versa –, já era impossível. E o goleiro sabia disso, dizia para quem quisesse ouvir que preferia defender o São Paulo a jogar pela Seleção, que sentia mais prazer em vestir a camisa tricolor do que o amarelo monocromático da canarinha.

Em 2010 e 2011, o goleiro-artilheiro fez oito gols em cada ano. Dentre todos os gols até então, o mais especial foi contra o Sport Club Corinthians Paulista, um dos maiores rivais do São Paulo FC. Além de ter feito gol contra o rival, Rogério Ceni marcou seu 100º gol da carreira. Feito inédito, que rendeu a apelidos como Rogério 100ni.

Em 2011, mais um feito inédito para o goleiro que já estava acostumado com eles, no dia 7 de setembro Rogério completou 1000º jogos com a camisa do São Paulo, 1000º jogos servido – de maneira vitoriosa – a camisa de um único clube. A essa altura, o goleiro já era o maior ídolo do São Paulo, já era o M1TO do tricolor paulista, o eterno camisa 1 do São Paulo FC.

No ano seguinte, veio a maior queda. Com uma lesão no ombro no início da temporada, Rogério Ceni ficou afastado dos gramados por seis meses. Especulou-se a sua aposentadoria, mas o goleiro-artilheiro mostrou mais uma vez a sua grandeza. Incansável, o goleiro voltou aos gramados totalmente recuperado e jogando em altíssimo nível. Naquele ano, ainda somou mais quatro gols na carreira. Carreira que já apontava um fim, 2013 seria o último ano.

Em 2013, Rogério Ceni anuncia que seria seu último ano como jogador, mas antes de se aposentar teve que ir até o inferno e voltar. Com uma campanha medíocre no Campeonato Brasileiro, o São Paulo frequentou a zona do rebaixamento boa parte do campeonato, até a chegada do técnico Muricy Ramalho. O mesmo treinador que conquistou os título brasileiro de 2006, 2007 e 2008 pelo São Paulo, e que havia dado as primeiras chances do goleiro atuar como titular e a bater faltas, voltou para o tricolor paulista.

A volta do treinador deu novos ânimos ao São Paulo e ao Rogério Ceni. O ano que parecia perdido ganhou significados novos para o goleiro que repensou a sua aposentadoria. A possibilidade de grandes conquistas em 2014 fez o goleiro desistir de deixar os gramados, e ainda prometeu mais um ano defendendo as cores do São Paulo.

Aos 40 anos de idade, Rogério Ceni é o jogador que mais vezes usou a braçadeira de capitão no São Paulo FC e em qualquer outro time do Mundo, foram 850 jogos como o líder do São Paulo. O goleiro-artilheiro também é o jogador que mais vezes vestiu a camisa de São Paulo, são 1120 jogos tendo a camisa tricolor com a sua segunda pele, feito que nenhum outro jogador do mundo conseguiu realizar. Rogério também é o maior goleiro-artilheiro de todo o mundo, são 113 gols na carreira, com gols de falta, pênalti e um de bola rolando.

Em 2011, Rogério Ceni completou mil jogos pelo São Paulo e ganhou camisa especial da Reebok. Foto: Wagner Carmo – VIPCOMM.

Para além dos gols, Rogério ainda se mostra um excelente goleiro. É seguro nas bolas áreas e saí bem do gol para fechar o ângulo dos atacantes, mas a sua maior habilidade – além de fazer gols – é a sua a reposição de bola que com os pés ou com as mãos o goleiro coloca a bola onde quer. O fato de saber usar bem os pés facilita a saída de bola, quando o São Paulo precisa, Rogério joga como o 11º jogador de linha, atuando quase como um líbero atrás dos zagueiros. Habilidades raras entre os goleiros.

A imagem de Rogério Ceni se confunde com a do São Paulo. O goleiro incansável é sinônimo de vitória e de títulos. A ânsia de vitória do jogador, a vontade que o goleiro tem em vencer todos os jogos, todos os campeonatos, é mesma do clube. Jogador e clube caminham juntos em suas trajetórias de títulos e de vitórias. O que o São Paulo conquistou nas duas últimas décadas deve ao Rogério Ceni, o que Rogério Ceni conquistou na carreira, deve ao São Paulo.

Esse texto foi originalmente publicado no blog O Campo e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. Rogério Ceni – 01. Ludopédio, São Paulo, v. 55, n. 4, 2014.
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