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Deuses do futebol – Santa Bárbara, Iansã e Sissi

Guilherme Trucco 29 de setembro de 2020

Este é o artigo número 8 da série “Deuses do Futebol”, no qual o autor busca fazer o sincretismo de jogadores míticos brasileiros, com os santos e entidades cultuados no Brasil em diversas religiões.

Santa Bárbara. Foto: Wikipedia.

Santa Bárbara foi uma mártir, que viveu durante o século III, na Nicomédia, atual Turquia. Filha de um nobre e rico homem, vinculado ao Império Romano, seu pai chamava-se Dióscoro. Santa Bárbara pode ser lida como símbolo arquetípico do machismo de então, sendo seu mito reutilizado em diversas lendas e fábulas atuais de princesas.

Tortura pública de Santa Bárbara. Foto: Wikipedia.

Seu pai Dióscoro, por viajar muito, trancava sua filha Bárbara no alto de uma torre, afim de mantê-la intocada enquanto viajava, e impedi-la de entrar em contato com outras fés e culturas que existiam na cidade, além claro de garantir a castidade. O simbolismo é significativo, tendo por Freud a leitura clara da imagem fálica e opressora do pai na alta torre, e por conta de Carl Jung a leitura mítica de mais de um complexo psicológico, refletindo na interpretação da imagem da mulher objetificada que deve permanecer pura, ingênua, virgem e intocada.

Quando volta de uma de suas viagens, Dióscoro descobre que sua filha se converteu à fé Cristã, e a ameaça de morte. A filha mantém suas crenças, e é condenada então a ser degolada, não sem antes ser torturada em praça pública.

Durante a tortura, uma jovem de nome Júlia denunciou o nome dos carrascos, e imediatamente foi presa e entregue à morte junto com Bárbara.

Ao final, o próprio pai cortou a cabeça da filha. Entretanto, quando a cabeça de Bárbara rolou como uma bola pelo chão, um imenso trovão estourou pelos ares, fazendo tremer os céus e o chão. Um relâmpago cortou o céu, atingindo o pai de Bárbara, que morreu imediatamente. Este é o milagre de Santa Bárbara.

Iansã em Terreiro de Candomblé. Foto: Wikipedia.

No Candomblé e na Umbanda, Santa Bárbara é sincretizada com Iansã, Orixá que rege as tempestades, ventanias, raios e trovões. Seu nome significa em iorubá a mãe do céu rosado, ou a mãe do entardecer, tendo nas tempestades, portanto, um símbolo das transições e mudanças na vida. É muito saudada antes de tempestades anunciadas, pedindo que apazigue a sua fúria.

As filhas da Orixá Iansã geralmente falam o que pensam, e sofrem muito por isso. São mulheres que batalham, trabalham incansavelmente, guerreiras de fúria intensa.

No futebol, Santa Bárbara e Iansã só poderiam ser Sissi.

Sisleide do Amor Lima foi a precursora do futebol feminino nos dias atuais. Levando, na base da raça e talento, praticamente sem nenhum apoio das confederações, a Seleção Brasileira a um patamar nunca antes imaginado. O terceiro lugar na Copa do Mundo de 1999, com atuações de gala, como no inesquecível 4×3 sobre a Nigéria, com um gol de falta que até hoje arrepia.

Sissi fazia chover em campo.

Sissi, ainda garota, jogava futebol de rua com os meninos do bairro, e claro já sofria muito preconceito desde essa época para fazer o que gostava. A ponto de, como verdadeira Santa Bárbara que é, degolar a cabeça de uma boneca, e jogar futebol com o brinquedo.

Anos mais tarde, já jogadora profissional, raspou seu cabelo em apoio a uma menina com câncer, e jogava assim, raspada e guerreira, também como um protesto. Tinha seu nome gritado pela torcida na arquibancada do Morumbi, em meio ao jogo do time masculino, pedindo para que o então técnico do São Paulo colocasse em campo Sissi.

Sissi em campo na Copa do Mundo de 1999. Foto: Acervo pessoal/CBF.

Sissi era a tempestade chegando, o raio que deu início ao fogo e a chuva do futebol feminino, referência de Marta, Cris, Andressa e tantas outras que hoje continuam a luta por reconhecimento.

Salve Sissi

Epahey Oyá

Salve Santa Bárbara


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Guilherme Trucco

Escangalho a porosidade das palavras. Rabisco um Realismo de Encantaria e futebol. Filho de Xangô e Iemanjá.

Como citar

TRUCCO, Guilherme. Deuses do futebol – Santa Bárbara, Iansã e Sissi. Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 68, 2020.
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