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São Januário, luta e resistência na sua história

Afonso Fernandes 30 de abril de 2021

No ano de 1923 o Vasco foi campeão carioca, na época o time contava com jogadores negros, mulatos e operários. O time era conhecido como “Camisas Negras”. No dia 07 de abril de 1924 os principais times do Rio de Janeiro, como o Flamengo, Fluminense, Botafogo, América, entre outros, solicitaram uma investigação, junto a Associação Metropolitana de Esportes Athléticos (AMEA), com alegação que o Vasco contatava com jogadores com profissões duvidosas e não tinha estádio próprio.

Com isso a AMEA, solicitou que o Vasco excluísse dozes jogadores, por “coincidência”, todos esses jogadores eram negros. De imediato, o presidente José Augusto Prestes, do Vasco, através de uma carta histórica, se recusa e se opõem à retirada desses atletas do Vasco. O Gigante da Colina, mostrava então sua indignação, ao recusar participar do campeonato. Assim, o Vasco se inscreve na Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, e acaba vencendo o campeonato de 1923 (AMEA) e 1924 (LMDT). Em 1925, o Vasco é convidado a jogar pela AMEA. O Vasco aceita retornar ao campeonato feito pela AMEA, mas com a condição de manter os negros e operários no time. E junto a isso, iniciaria a construção do seu estádio.

Estádio de São Januário
Estádio de São Januário. Foto: Bernardo1989/Wikipédia.

Anterior a solicitação e retirada do Vasco do campeonato promovido pela AMEA, o Club de Regatas Vasco da Gama, já havia uma ideia de construção do seu estádio próprio, visto que o Club mandava seus jogos no campo do Andarahy. A solicitação da AMEA, foi o impulso necessário para a ideia ser colocada em pratica. Talvez, pelo fato da luta pela entrada do negro e operário, pague a luta pela construção do Estádio de São Januário, que se inicia em 1925 e é finalizado em 1927.

Em 28 de março de 1925, o Vasco inicia o processo de compra de um terreno em São Cristóvão. Visto que a forma de arrecadação de dinheiro para a compra, é oriunda de doações. Depois disso começa a arrecadação para a construção do estádio, já que o Vasco não tinha verba o suficiente. Somente em 6 junho de 1926 e colocada a Pedra Fundamental, com a assinatura e liberação do prefeito do Distrito Federal (Rio de Janeiro, ainda era capital do Brasil). O arquiteto responsável pela organização do projeto do estádio foi o português Ricardo Severo.

Washington Luís, então presidente do Brasil, cria um problema para a construção, ao negar a importação de um cimento belga. Cimento esse que era comum em grandes construções, até mesmo já usada em outras construções no Rio de Janeiro. Com tal complicação o Vasco recorre a outras maneiras de organizar a construção, que foi o cimento, areia e pedra de brita. Após dez meses de construção o estádio é inaugurado, com a presença do presidente da República Whashington Luís. Sendo essa inauguração, outro problema pela frente. O time convidado para inauguração foi o Wanders do Uruguai, com a data de 10 de abril de 1927, onde o mesmo não consegue a liberação da sua federação para viajar para o Rio de Janeiro. Com isso muda-se a data de inauguração do para o dia 21 de abril de 1927, no caso, 11 dias após, e muda-se o time convidado, que fica sendo o Santos. O primeiro gol do estádio foi marcado por um atleta santista, e o primeiro gol vascaíno foi feito pelo atleta Negrito – sensacional para o time que lutou por negros, operários e pelo seu estádio, ter um atleta com esse nome fazendo primeiro gol no São Januário – , e tendo o placar da partida de 5 a 3 para o time santista. Antes da inauguração foram feitas algumas solenidades, como: o corte de uma fita simbólica, realizada pelo aviador português Sarmento de Beires, que fez uma viagem de travessia de Lisboa para o Rio de Janeiro, em um hidroavião, com nome de Argos. Houve também como partida preliminar uma partida de basquete, realizada no gramado de São Januário entre o Vasco contra a ACM (Associação Cristã de Moços), com placar de 22×18 para o Vasco. Placar considerado elástico para a época.

São Januário foi o maior estádio de futebol da América, até a construção do Estádio Centenário, em Montevidéu, estádio esse construído para a realização da primeira Copa do Mundo de 1930. Até a construção do Pacaembu, em São Paulo na década de 1940, São Januário era o maior estádio do Brasil. E em 31 de março de 1928, o São Januário inaugura os refletores, sendo o primeiro estádio no Brasil a ter iluminação artificial. O jogo da inauguração do estádio com refletores, foi contra o Wanders do Uruguai, com vitória vascaína, e com gol, feito a partir de uma batida de escanteio e entrado de forma direta. O que conhecemos e chamamos nos dias de hoje de “gol olímpico”.

Já na década de 30, com o presidente do Brasil, Getúlio Vargas, o Estádio de São Januário, é utilizado para alguns eventos não esportivos e cunhos político-sociais. Como encerramento do Primeiro Congresso Nacional de Educação, reunindo o próprio presidente Vargas, Gustavo Capanema, Ministro da Educação na época, e centenas de estudantes. O maestro Heitor Villa-Lobos, reúne estudantes para um coral no estádio. De 1943 a 1945, Desfile de Escolas de Samba, onde 1945, tem a Portela como a primeira campeã oficial de um carnaval. E talvez o maior feito não futebolístico realizado em São Januário tenha sido a assinatura do Consolidação da Leis Trabalhistas (CLT), realizado no dia 1 de maio de 1943.

A parceria entre Wilson Batista e Ataulfo Alves, o samba “O Bonde de São Januário” é gravado por Cyro Monteiro (1913-1973) no disco Victor, com acompanhamento do regional e coro da RCA Victor, em 1940. Na sua letra a representação do que era sair da Zona Norte, sendo negro e operário para trabalhar na zona Sul e região central. Trazendo no nome da música, o próprio nome do estádio. Onde a letra é:

“Quem trabalha é que tem razão

Eu digo e não tenho medo de errar

Quem trabalha é que tem razão

Eu digo e não tenho medo de errar

 

O bonde São Januário

Leva mais um operário

Sou eu que vou trabalhar

 

O bonde São Januário

Leva mais um operário

Sou eu que vou trabalhar

 

Antigamente eu não tinha juízo

Mas resolvi garantir meu futuro

Vejam vocês

Sou feliz vivo muito bem

A boemia não dá camisa ninguém, é

Vivo bem

 

Antigamente eu não tinha juízo

Mas resolvi garantir meu futuro

Vejam vocês

Sou feliz vivo muito bem

A boemia não dá camisa ninguém, é

Muito bem!”

Em 30 de agosto de 1953, o Vasco inaugura o Parque Aquático. Na data de 23 de setembro de 1956, constrói o Ginásio Vasco da Gama. Já em 15 de agosto de 1955, é construído a Capela de Nossa Senhora das Vitórias. Tem-se também em 1987 a inauguração da Pousada do Almirante Amadeu Pinto da Rocha, que é um para abrigar o Departamento de Futebol Amador. Nos tempos atuais o Estádio de São Januário, tem a Colégio Vasco da Gama, ao qual foi fundado em 8 de março de 2004, e atende atletas de todas as modalidades que atual e representam o Club de Regatas Vasco da Gama, e a comunidade no entorno do estádio.

Vista aérea do estádio de São Januário
Vista aérea do estádio de São Januário. Foto: Diego Baravelli/Wikipédia.

Estádio de São Januário, já abrigou jogos da seleção brasileira de futebol, visto que de 1927 a 1950, os jogos da seleção aconteciam em São Januário. Após a Copa de 1950, houve também outros jogos de outras seleções em São Januário, seja para amistosos contra o Vasco, como amistosos entre seleções, e jogos da Sul-Americano de 1949, servindo como Centro de Treinamento para seleções nas realizações da Copa das Confederações da FIFA de 2013 e Copa do Mundo de 2024.

O Estádio de São Januário nunca deixou seu lado de luta e resistência. Mantendo-a sempre viva e ativa, desde seu início. E a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, aprovou no dia 11 de abril de 2021, um Projeto de Lei que torna São Januário um local de interesse histórico da cidade. O vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ), vascaíno e historiador, é um dos autores do projeto ao lado de Renato Cinco e Paulo Pinheiro, e fez o anúncio em suas redes sociais: “Sua construção foi uma resposta a exigências de dirigentes da época que, para mascarar motivações elitistas e racistas, alegaram a falta de estádio do clube como forma de pleitear sua exclusão do campeonato carioca”, explicou o parlamentar. 

A música “Camisas Negras (Luta Contra o Racismo)”, que a torcida do Vasco canta em São Januário, é a representação de parte da história do Club, onde expressão todo o sentimento de luta da sua história:

“Eu vou torcer

Aqui eu ergui meu templo para vencer

Eu já lutei por negros e operários

Te enfrentei, venci, fiz São Januário

Camisas Negras que guardo na memória

Glória, lutas, vitórias, esta é minha história

 

Que honra ser

Saiba eu sou vascaíno, muito prazer (jamais terá)

Jamais terás a Cruz, este é meu batismo

Eu tive que lutar contra o teu racismo

Veja como é grande meu sentimento

E por amor ergui este monumento”

 

Referências

CUNHA, L. Organização; INF. ARLETE PINTO DE OLIVEIRA E SILVA; NAGLE, J. Educação

FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2003

MATOS, Marcelo. São Januário: um caldeirão no centro de um bairro. 2020.

Site oficial do Club de Regatas Vasco da Gama. Consultado em 21 de abril de 2021.

SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia. Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e a inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). São Paulo. 2010. 489 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

SANTOS, Ricardo Pinto dos. História, Conceitos e Futebol: racismo e modernidade no futebol fora do eixo (1889 – 1912). Curitiba: Appris, 2020.

VIEIRA, Carlos Eduardo. Conferências Nacionais de Educação: intelectuais, Estado e discurso educacional (1927-1967). Educar em Revista, (65), 19-34.

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Como citar

FERNANDES, Afonso. São Januário, luta e resistência na sua história. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 63, 2021.
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