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Se não é na hora certa, está muito cedo ou atrasado: a importância da inteligência cognitiva ao jogar futebol

Gabriel Said 8 de janeiro de 2021

Todos somos dotados de capacidade de perceber movimentos ao nosso redor, notar padrões, desenvolver noção tempo-espacial, memórias de curto e longo prazo, enfim, somos capazes de receber um bocado de estímulos/informações e interpretá-las. Em outras palavras, somos dotados de inteligência.

Todos os futebolistas são inteligentes. Cada um irá reagir nas partidas e treinamentos de uma maneira única a partir de suas interpretações, o quê torna também todo jogador único. Isso não significa que todo jogador começará a sair distribuindo lambretas e passes complicados super precisos, significa na verdade que os jogadores mais inteligentes são aqueles que tomam as melhores decisões, levando em consideração todas as informações que está recebendo e processando em milésimos de segundo e a confiança (e conhecimento também) em suas capacidades técnicas, que fazem os jogadores mais inteligentes tomarem consistentemente as melhores decisões possíveis.

A habilidade técnica individual aqui é secundária. Vale lembrar Johan Cruijff que dizia que saber fazer 100 embaixadas não é técnica, mas sim passar a bola na velocidade e lugar certo. Se for com muita velocidade a bola chegará cedo demais, se for fraca chegará tarde, e se for sem direção então nem se fala. Saber a velocidade e o lugar certo para onde passar requer técnica, ou melhor, inteligência.

O quê costuma fazer um grande jogador se destacar é sua inteligência cognitiva. Lógico que um jogador como Lionel Messi tem habilidade absolutamente incrível, mas quando Ricard Pruna, chefe do departamento médico do Barcelona, fala de Messi na edição 45 de The Tactical Room, diz: “Messi cognitivamente é brutal, um fora de série”.

“Ele não está fora do jogo. Está envolvido, mexendo a cabeça. Direita, esquerda, esquerda, direita. Ele sente qual é o ponto fraco da defesa. Depois de cinco, dez minutos ele tem o mapa. Sabe que se mover para aqui, aqui terá mais espaço para atacar.” – Pep Guardiola sobre Lionel Messi

Messi caminha em campo, entendendo o jogo.

Em 2019 a Financial Times questionou o então treinador do Barcelona, Ernesto Valverde o porquê de Messi passar os primeiros minutos das partidas caminhando em campo e Valverde respondeu: “Gradualmente, conforme a partida acontece, ele vai se movimentando aos poucos. Ele sabe perfeitamente onde estão as fraquezas dos rivais.”

Já Pep Guardiola disse em 2017: “Você deve prestar atenção quando Messi se distancia. Ele fica caminhando na partida, sempre analisando a situação. Ele é o jogador que menos corre na La Liga. Quando recebe a bola, tem uma análise completa de espaço e tempo na sua cabeça, sabe onde estão todos os jogares e boom!”.

Contra a Islândia na Copa do Mundo da Rússia em 2018, Lionel esteve em pique por 58 segundo na partida, caminhando foram 80 minutos. Contra o Real Madrid em dezembro de 2017, Messi correu por menos de 5 minutos e mesmo assim marcou um gol e deu passe para outro. Se voltarmos para fevereiro de 2016, na primeira partida das oitavas de final da Liga dos Campeões contra o Arsenal, Messi marcou dois gols, mas só se moveu mais do que os goleiros.

Costuma-se repetir aos quatro ventos palavras de moda de um futebol ‘moderno’. Uma dessas palavras é ‘intensidade’. Óbvio que um elemento importante do jogo, especialmente no futebol atual caracteristicamente fluido, mas a intensidade não se limita à correria. Assim como tem quem se prende a estatísticas de posse, há quem se prenda a estatísticas de quilômetros percorridos. Em ambos os casos, tanto a posse como a corrida devem estar vinculadas à intenção, devem ter propósito. Muitos futebolistas são incentivados a correr em demasia e sem necessidade, isso limita suas capacidades cognitivas para interpretar espaço e tempo, limita sua criatividade e os cansa à toa.

Todo jogador é inteligente. Alguns têm o desenvolvimento cognitivo privilegiado geneticamente, mas a inteligência cognitiva é em grande medida, assim como qualquer outra coisa, fruto de aprendizagem e treino. Desde Messi a alguém que joga peladas no Aterro do Flamengo, todos dependem de sua inteligência em campo. É necessário treinar o corpo sob perspectiva holística, perceber que não existe uma separação brusca entre técnica, físico e mental e que na verdade, todos formam um todo, que é o Ser jogador, o futebolista capaz de interpretar o caótico jogo de futebol.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gabriel Said

Formado em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestrando em Antropologia pela UFF e aluno da Associação de Treinadores do Futebol Argentino (ATFA). Participa do grupo de estudos de Futebol e Cultura, do LEME/UERJ; do grupo de Futebol e Humanidades da Universidade do Futebol e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade (NEPESS), da UFF. Além de escrever a coluna Danúbio Azul no Ludopédio, também escreve para a Universidade do Futebol. E-mail: [email protected]

Como citar

SAID, Gabriel. Se não é na hora certa, está muito cedo ou atrasado: a importância da inteligência cognitiva ao jogar futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 139, n. 11, 2021.
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