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Sobre silêncios

Leda Costa 5 de outubro de 2018

Felipe Melo é um jogador que tenta construir uma imagem de sujeito sincero e sem meias palavras, o que inclui as declarações que o fazem parecer palmeirense desde criança, até as várias manifestações favoráveis ao uso da violência em campo e fora dele.

Porém, Felipe Melo não se limita a palavras. Ano passado, por exemplo, o referido jogador agrediu o preparador físico do Palmeiras durante um rachão recreativo. É válido lembrar que seu truculento estilo de jogo resultou em sua expulsão na semifinal da Copa da África, em 2010. Muitas pessoas enfatizam o erro do goleiro Julio Cesar, mas convenhamos que jogar com um a menos contra a boa seleção da Holanda foi fator importante para que o Brasil tenha sido eliminado naquela ocasião.

https://www.youtube.com/watch?v=aMNltJnyEao

Felipe Melo é uma fonte quase inesgotável para se alimentar polêmicas em torno de suas entrevistas, dadas na saída dos jogos e em coletivas. Trata-se de uma voz que grande parte da mídia esportiva faz questão de ouvir, mesmo sabendo, ou justamente por saber, que muito provavelmente, ele dirá algo como “Não tem muito o que falar. Tem que entrar [no vestiário} tomar uma dura do treinador e voltar acordado. O placar é justo. A gente não acordou e a ponte comeu a gente. No segundo tempo, a gente tem que entrar e comer a ponte”[1]

De fato, o que Felipe Melo diz, costuma fugir daquele conjunto de frases decoradas que comumente ouvimos da maioria dos jogadores. Isso faz com que o atleta do Palmeiras consiga alimentar a imagem de um jogador sincero e rebelde.

A questão é que ser sincero e rebelde, nos últimos tempos, transformou-se em sinônimo de alguém cujas falas e atitudes fomentam discursos de ódio e falta de empatia com o outro.

Por isso é preciso dizer que não há nenhum traço de rebeldia nos gestos e palavras de Felipe Melo. Muito do que ele diz não passa de uma reprodução das mazelas que nos cercam cotidianamente. Somos um dos países mais violentos do mundo, portanto afirmar que “um pai, quando cobra do filho, às vezes tem que dar uns tapas na bunda. Uns tapinhas, a varada na bunda é Bíblico, mas é por amor” significa reiterar a violência nossa de cada dia.  Também somos um país cuja trajetória democrática é pequena e frágil.  Portanto enaltecer quem defende o militarismo, não faz mais do que repetir a crença em soluções rápidas a partir do uso da força.

Mas Felipe Melo não é o único. Muitos atletas no Brasil tem uma facilidade imensa em adotar posições conservadoras, mostrando-se contrários à homossexualidade, aos transgêneros, à mulher, assim como facilidade em demonstrar apoio a partidos que claramente desenvolvem políticas que pouco se preocupam com o bem-estar social.

Recentemente atletas, entre eles, Felipe Melo, Jadson do Corinthians, Wallace e Maurício Souza, da seleção brasileira de vôlei, apoiaram publicamente uma candidatura à presidência defensora de políticas repressivas e antidemocráticas. Aliás, em relação ao último atleta citado, constantes têm sido suas declarações homofóbicas como a compartilhada pelo atleta em sua rede social: “Sou do tempo em que fumar era bonito e dar a bunda era feito! Hoje fumar é feio e dar a bunda é bonito. Sorte que sou velho. Graças a Deus.”[2]

É muito preocupante o fato de que poucos são os atletas capazes de defenderem opiniões menos conservadoras e que sejam de fato rebeldes. Nossos atletas olímpicos, por exemplo, quando ganham uma medalha exaltam a superação dos diversos obstáculos que enfrentam como a pobreza, a falta de verba, os locais inadequados para treinamento, fazendo parecer que basta ser insistente para que todos possam ser vencedores. Muitos atletas, fazem dos graves problemas que o cercam um mote para sustentar discursos meritocráticos, ao invés de mostrarem algum tipo de revolta e descontentamento com a precária estrutura de treinamento atlético no Brasil.

No caso do futebol, os abusos das federações, seus escândalos financeiros, os excessos de interferência da televisão na organização de horários, o grande número de jogos, a precariedade dos gramados e dos estádios em que muitos atuam, os salários atrasados e a gradativa elitização dos espaços do torcer, raramente são questionados de modo sistemático por jogadores e jogadoras cuja representação em termos coletivos quase não existe no Brasil.

O Bom senso futebol clube foi uma etapa importante, mas que perdeu forças devido às muitas divergências internas entre os participantes e a falta de verba. Derivado dessa iniciativa, há seis meses foi fundado o Sindicato dos Atletas de Futebol do Município de São Paulo que pretende ser uma nova entidade em defesa dos direitos dos jogadores[3],

Espero que consigam, mas isso implicará a capacidade de fazer o que poucos atletas fazem: se posicionar contrários aos status quo.

Para não perder de vista a esperança, antes de terminar este texto faço uma pergunta: Será que as vozes como as de Felipe Melo são ouvidas com mais frequência, porque a mídia esportiva lhes dá mais espaço de reverberação? Ou será que nosso campo esportivo é de fato muito conservador?

A resposta não é simples e a realidade se mostra cada vez mais complexa e difícil de ser analisada.

Mas esses silêncios me preocupam.


[1] Declaração dada após o final do primeiro tempo do jogo Ponte Preta e Palmeiras, em 2017. O Palmeiras já perdia por 3 a 0.

[2] Fonte: https://esporte.uol.com.br/volei/ultimas-noticias/2017/10/07/campeao-olimpico-de-volei-compartilha-piada-homofobica-em-rede-social.htm

[3] Fonte: https://www.google.com.br/search?q=status+quo&oq=status+quo&aqs=chrome..69i57j0l5.3391j0j8&sourceid=chrome&ie=UTF-8

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leda Maria Costa

Professora visitante da Faculdade de Comunicação Social (UERJ) - Pesquisadora do LEME - Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte -

Como citar

COSTA, Leda. Sobre silêncios. Ludopédio, São Paulo, v. 112, n. 5, 2018.
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