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Sonja: o choro de uma gandula por seu amor ao Botafogo

Fábio Areias 8 de novembro de 2019

O título do texto pode parecer uma provocação em tempos que o “chororô” é motivo de chacota contra o torcedor do Botafogo. Não é. O choro é uma das mais belas expressões humanas e talvez a mais profunda manifestação de sentimento. E foi o que fez uma menina chamada Sonja lá pelos idos de 1988: manifestou de forma irrestrita o seu amor ao clube da estrela solitária.

Bandeira do Botafogo. Foto: Wikipedia.

Em 1988, o Botafogo completava 20 anos sem título. Algo inadmissível para uma equipe que já havia sido base da Seleção Brasileira, especialmente nas conquistas das Copas de 1958 e 1962, e desfilado pelo mundo craques como Garrincha, Didi, Nilton Santos, Gérson, Jairzinho e tantos outros.

Os tempos eram outros. Após o título estadual de 1968, o Botafogo amargava um tenebroso jejum. Mesmo com boas campanhas esporádicas, como o vice-campeonato brasileiro de 1972 e a semifinal do Brasileiro de 1981, o clube não conseguia mais dar a volta olímpica. Se havia Deuses do Futebol, eles eram cada vez mais cruéis com o Botafogo.

Para piorar, o clube vende em 1976 a sua sede de General Severiano para a Companhia Vale do Rio Doce para saldar dívidas e se muda para o subúrbio em Marechal Hermes. Um golpe na sua identidade.

Com uma profunda crise no meio dos anos 1980, chega ao clube um malfeitor benfeitor: o bicheiro Emil Pinheiro. Malfeitor porque o Jogo do Bicho, embora tão enraizado em nossa cultura, é uma contravenção. Benfeitor, pois não há como negar a sua importância e esforço para reerguer um gigante tão debilitado.

O Botafogo de Emil

1988 promete (imagem: Revista Placar n.920- 22 de janeiro de 1988)
1988 prometia. Axé! Foto: Reprodução/Revista Placar n. 920, 22 jan. 1988.

Emil chegou ao clube em 1986, mas foi em 1988 que realizou grande contratações. No início do ano, vieram quatro nomes de impacto: Mauro Galvão, Marinho, Paulinho Criciúma (todos ex-Bangu) e Cláudio Adão (ex-Cruzeiro). Além dos reforços, havia no elenco outros nomes renomados como Éder Aleixo (meio-campista titular da Copa de 1982) e Josimar (lateral-esquerdo titular na Copa de 1986). Parecia um esquadrão pronto para, enfim, acabar com a extensa fila.

Apesar dos bons nomes, o Botafogo não emplaca ao longo do ano. Termina em quinto lugar no Carioca de 1988 e não disputa o quadrangular final do campeonato. No Campeonato Brasileiro, ou Copa União, o time oscila e não consegue as vitórias necessárias, mas ainda assim há uma remota chance de classificação nas rodadas finais.

O choro da gandula Sonja

No clássico contra o então líder Vasco da Gama, o Botafogo chega com a esperança renovada de duas vitórias nas partidas anteriores, mas não é páreo para o time de Geovani, Mazinho, Bismarck e companhia. Perde por 3×0, com direito a um pênalti desperdiçado e chances de classificação para a próxima fase reduzidas a pó. Mais um ano na fila.

O fracasso é demais para a gandula Sonja Martinelli. A menina de nome estranho e apenas 11 anos sucumbe a mais uma desilusão. Deixa de “gandular” e desaba em lágrimas com a derrota do seu Botafogo. Filmada em reportagem da Rede Globo e com o rosto nos jornais do dia seguinte, o seu choro não é motivo de chacota, mas sim de comoção nacional.

O choro apaixonado pelo Botafogo (imagem: You Tube)
O choro apaixonado pelo Botafogo. Foto: Reprodução/YouTube.

Ao ser questionada se deixaria de ser botafoguense por causa da derrota, a gandula Sonja responde, de forma categórica, que não. Não haveria revés que mudaria seu coração botafoguense. Mal sabia a garota que suas lágrimas comoveriam um senhor em Brasília chamado Nilton Santos, um dos maiores laterais esquerdos da história do futebol e atleta de uma única camisa em toda a sua história, a do Glorioso.

No início de 1989, Nilton Santos vai ao Rio de Janeiro para encontrar com Sonja e, junto com Didi, outra lenda do futebol, consola a menina em General Severiano. Não haveria mal que sempre durasse, e o Campeonato Carioca de 1989 iria começar…

Muitas lágrimas ainda iriam rolar. Só que estas seriam de êxtase e felicidade no dia 21 de junho de 1989. Quem disse que é feio chorar?

Só alegria. Foto: Flickr/Botafogo FR.
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Fábio Areias

Formado em Comunicação Social pela ESPM , cocriador do site Extracampo, projeto que busca apresentar as entrelinhas do futebol e seu impacto na sociedade e vida das pessoas.

Como citar

AREIAS, Fábio. Sonja: o choro de uma gandula por seu amor ao Botafogo. Ludopédio, São Paulo, v. 125, n. 10, 2019.
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