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Soy Maradona contra Inglaterra anotándote dos goles

Gabriel Said 25 de novembro de 2020

D10s tinha paixões e vícios, era feito de carne e osso como um mortal, mas enquanto um pibe brincar com uma bola e as veias abertas da América Latina pulsarem, Maradona será imortal. O mais humano dos deuses agora vai gambetear em outros mundos, mas sua zurda não será esquecida. A discussão sobre quem foi o melhor da história pode ficar, mas não existe dúvidas de que o futebol nunca viu um jogador maior que Diego Armando Maradona.

Maradona representa um tipo ideal argento, rebelde, de cara suja. Diego foi um deus humano porque estava entre nós, ao mesmo tempo que não estava. Um genuíno latino-americano dionisíaco, subversivo e acima de tudo defensor orgulhoso de sua história e seu povo. Diego esteve ao lado de Fidel Castro, de Chávez, Evo, Lula, era peronista, fazia oposição ao imperialismo, se colocou ao lado dos palestinos, tinha uma tatuagem de seu ídolo Che Guevara no braço. Ele sempre soube se colocar do lado certo da história. Maradona vingou a Argentina no campo contra a Inglaterra de Thatcher pelas Malvinas, proporcionando dois dos gols mais icônicos da história: num primeiro momento o gol da mano de Diós e logo depois o gol mais bonito da história das Copas – e graças a D10s que não existia VAR para anular aquele gol!

Ser um pibe na história da construção social do futebol argentino é algo caro, e Maradona é a encarnação deste pibe ideal, por isso é considerado como Pibe de Oro. Na edição 480 do El Gráfico é descrito aquele que seria o monumento do futebol argentino:

“… un pibe de cara sucia, con una cabellera que le protestó al peine el derecho de ser rebelde; con los ojos inteligentes, revoloteadores, engañadores y persuasivos, de miradas chispeantes que suelen dar la sensación de la risa pícara que no consigue expresar esa boca de dientes pequeños, como gastados de morder el pan ‘de ayer’. Unos remiendos unidos con poco arte servirán de pantalón. Una camiseta a rayas argentinas, demasiado decotada y con muchos agujeros hechos por los invisibles ratones del uso. Una tira atada a la cintura, cruzando el pecho a manera de banda, sirve de tirador. Las rodillas cubiertas de cascarones de lastimaduras que desinfectó el destino; descalzo, o con alpargatas cuyas roturas sobre los dedos grandes dejan entrever que se han efectuado de tanto shotear. Su actitud debe ser característica, dando la impresión de que está realizando un dribbling con la pelota de trapo. Eso sí: la pelota no puede ser otra. De trapo, y con preferencia forrada con una media vieja. Si algún día llegara a instalarse este monumento seríamos muchos los que ante él nos descubriríamos como ante un altar” (El Gráfico Nº 480, 1928, p. 11)

Foto: Wikipédia

Mais do que um jogador genial, Maradona foi o pibe de oro, um legítimo argento, filho das veias abertas da América Latina e criollo. Seu tamanho cresce com suas imperfeições e genialidades. Maradona é seus dois gols marcados contra a Inglaterra, o despertar dos mais profundos sentimentos de orgulho e paixões latino-americanas que o fizeram virar deus. Futebol é uma religião maradoniana.

Maradona era um de nós, mas também sempre esteve em nós. Enquanto um pibe desafiar o futebol negócio brincando de jogar futebol e questionando e driblando esse modelo futebol negócio, enquanto a soberania da América Latina for defendida e enquanto aqueles dois gols contra a Inglaterra forem celebrados, D10s seguirá jogando futebol nos céus. Agora, Diego finalmente poderá voltar a ser aquele pibe que um dia foi, que como escreveu Eduardo Galeano, não sofria a devastadora consequência da sucessoína.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Gabriel Said

Formado em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestrando em Antropologia pela UFF e aluno da Associação de Treinadores do Futebol Argentino (ATFA). Participa do grupo de estudos de Futebol e Cultura, do LEME/UERJ; do grupo de Futebol e Humanidades da Universidade do Futebol e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade (NEPESS), da UFF. Além de escrever a coluna Danúbio Azul no Ludopédio, também escreve para a Universidade do Futebol. E-mail: [email protected]

Como citar

SAID, Gabriel. Soy Maradona contra Inglaterra anotándote dos goles. Ludopédio, São Paulo, v. 137, n. 55, 2020.
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