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Sport Clube Rio Grande e Clube Esportivo Bento Gonçalves: seria este o primeiro jogo de mulheres autorizado no país?

Silvana Vilodre Goellner 8 de março de 2021
Bola dividida
Fonte: Jornal Zero Hora.

Na busca por informações sobre a presença das mulheres no futebol gaúcho me chamou a atenção uma matéria publicada no dia 18 de abril de 1983 na seção Bola Dividida do jornal Zero Hora. Capturada inicialmente pela imagem, que exibe um jogo entre mulheres em um estádio lotado, direcionei meu olhar para o título “Futebol Feminino com Tudo” e me deliciei com seu conteúdo:

Para uma estreia não poderia ter acontecido melhor. Na preliminar do Grêmio e São Paulo, as mulheres fizeram a primeira partida oficial de futebol feminino desde que o esporte foi regulamentado para elas. Rio Grande e Esportivo fizeram o jogo, que terminou com uma goleada da turma de Bento por 8 a 0. Goleada e lances duros, que fizeram a torcida do Grêmio vibrar muito. As meninas foram para os pontapés e os tapas. E até expulsão houve. Quer dizer, não faltou nada na estreia[1].

O assunto foi novamente pautado no dia seguinte[2] quando houve nova menção ao pioneirismo da partida, atribuindo à Federação Gaúcha de Futebol (FGF) o protagonismo da ação. 

Se o jogo ao qual o jornal se refere foi o primeiro a acontecer depois da regulamentação do futebol de mulheres no país, não sabemos. Mais do que ressaltar o seu suposto ineditismo, importa registrar que, se vasculharmos diferentes fontes de pesquisa, poderemos encontrar dados não explorados, cuja análise pode mudar algumas das histórias que repetidamente estamos narrando e reproduzindo.

É sempre bom lembrar que a escrita da história não é “a história”, mas uma narrativa, um dos muitos discursos que analisam o passado e esta análise nunca é neutra nem desinteressada. Ela é historicamente datada e está ancorada no tempo, considerando interesses pessoais, políticos, sociais, econômicos, culturais, étnicos de quem a produz. Com isso, estou querendo dizer que ao produzirmos histórias não estamos contando “a verdade” sobre o que aconteceu, mas buscando nos aproximar o máximo possível do acontecido. Nas palavras de Sandra Pesavento, “tudo o que foi um dia poderá vir a ser contado de outra forma, cabendo ao historiador elaborar uma versão plausível, verossímil de como foi. Mesmo admitindo uma certa invariabilidade no ter sido, as formas de narrar o como foi são múltiplas e isso implica colocar em xeque a veracidade dos fatos” (2005, p. 51)[3].

Faço essa breve reflexão para expressar um sentimento: o fato de conhecermos poucas histórias sobre as mulheres no futebol, ou de repetirmos algumas delas, revela que nos falta pesquisa. Estou certa de que temos um grande desafio pela frente: Pesquisar! Em outras palavras: é preciso investigar mais, garimpar novas fontes, vasculhar, remexer, futricar, desordenar, vasculhar, ver por dentro, virar do avesso, inquirir, indagar, enfim, tirar as mulheres das zonas de sombra, evidenciar seu protagonismo, rememorar suas trajetórias, valorizar suas memórias e reconstruir suas histórias. Voltando ao tema das reportagens aqui mencionadas, não pretendo (nem tenho condições) de investigar se seria este o primeiro jogo autorizado do país. O que me interessa é detalhar alguns aspectos relacionados a sua realização, considerando as fontes que consegui acessar.

Na segunda-feira, 11 de abril de 1983, o Conselho Nacional de Desportos, órgão ligado ao Ministério da Educação e Cultura, publicou no Diário Oficial da União a Deliberação 01/83 dispondo sobre normas básicas para a prática de futebol feminino e, no uso de suas atribuições, resolve “que poderá ser praticado nos Estados, nos Municípios, no Distrito Federal e nos Territórios, sob a direção das Federações e Ligas do desporto comunitária, cabendo à Confederação Brasileira de Futebol a direção no âmbito nacional”[4].

A Federação Gaúcha de Futebol aproveitou a oportunidade e inseriu uma preliminar com mulheres no jogo que aconteceria no primeiro fim de semana depois da publicação, no caso entre o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e o São Paulo Futebol Clube, que estavam disputando a terceira fase da Taça de Ouro, denominação do Campeonato Brasileiro daquele ano. Assim, no dia 16 de abril de 1983, com o Estádio Olímpico praticamente lotado (40.820 pessoas para a capacidade máxima de 51.081), entraram em campo as jogadoras do Sport Clube Rio Grande e do Clube Esportivo Bento Gonçalves para disputar o que talvez tenha sido o “primeiro jogo de futebol feminino oficialmente autorizado por uma federação no Brasil”[5].

Futebol de mulheres
Fonte: Acervo pessoal de Márcia Tafarel.

Cabe destacar que o futebol de mulheres já vinha acontecendo no Rio Grande do Sul à despeito da sua regulamentação. As modalidades de campo e de salão arregimentavam jogadoras de diferentes cidades. No dia 15 de março de 1983, na coluna Amadorismo do jornal O Pioneiro, publicado na região serrana do estado, Gilberto Mendes escreve uma matéria intitulada “Mulheres com a Bola Cheia”, na qual menciona que, segundo levantamento da FGF, nesse período existiam “300 times gaúchos de futebol feminino, o que, por incrível que pareça, é mais do que o total de clubes masculinos amadores – filiados, é claro – que hoje é de 205; é mais, também, que o número de clubes profissionais, ou seja, 50. São 4.500 mulheres que jogam futebol no Rio Grande do Sul”[6].

Ainda que possamos nos surpreender com a profusão de equipes que a reportagem cita, é interessante observar que mesmo sem ser autorizado, o futebol mobilizava a participação de mulheres em várias regiões do Estado. Ou seja, mais uma vez a minha máxima de que “silêncio não significa ausência” se faz cumprir, o que me faz reiterar que é imprescindível “conhecer para reconhecer[7].

A informação de que existiam por volta de 300 times (estou certa de que envolvendo as modalidades de campo e, sobretudo, de salão) me faz pensar sobre as razões pelas quais a FGF escolheu duas equipes do interior do estado para disputarem este jogo icônico. Algumas pistas podem fornecer indicativos sobre essa decisão. Uma delas é a pouca estruturação do futebol de campo na capital gaúcha. Os dois clubes mais tradicionais da cidade ainda não tinham equipes de mulheres nesse mês de abril e o fizeram apenas depois da regulamentação da modalidade e da realização deste jogo.

Em 1983, o Sport Club Internacional criou uma equipe de mulheres tomando como base o Pepsi Bola, um time que treinava em alguns espaços públicos de Porto Alegre e que já havia excursionado ao Rio de Janeiro para enfrentar umas das equipes de maior notoriedade da época, o Esporte Clube Radar (RAMOS; GOELLNER, 2016)[8]. Isabel Nunes (Bel)[9], jogadora da equipe que vivenciou essa transição, relembra que o Grêmio traçou o mesmo caminho para constituir sua equipe em 1984: “O Internacional resolveu abrir o Departamento de Futebol Feminino e pegou essa equipe como base, a equipe do Pepsi Bola. E tinha uma outra equipe que era a nossa rival, que se chamava Independente, que se transformou em adivinha quem? No Grêmio (2016, p. 2)[10].

Diante da ausência de equipe de mulheres nos “times de camisa” da capital, me parece que a solução foi buscar clubes que, além do time de homens, tivessem uma equipe de mulheres. Vale lembrar que o jogo aconteceria como preliminar de um importante campeonato nacional, no qual dois reconhecidos clubes estariam em cena. O público estaria no estádio para assistir a uma partida entre homens e a contenda entre mulheres seria, digamos assim, um complemento, uma atração e, simultaneamente, um teste para observar a reação do público.

Os clubes que foram acionados para colocar suas jogadoras em campo tinham tradição e reconhecimento regional. O Sport Club Rio Grande é considerado o time mais antigo de futebol em atividade ininterrupta no Brasil[11]. Sua ata de fundação foi lavrada no dia 19 de julho de 1900, apesar de já existirem atividades na agremiação desde meados de 1898 (FONSECA, 1974)[12]. Conhecido pela alcunha de “Vovô”, o clube foi homenageado pela CBF em 1976, que proclamou o dia 19 de julho como o “Dia do Futebol”.

O caráter precursor do Sport Club Rio Grande se estende também para o futebol de mulheres. Assim que o Decreto-Lei 3199 foi revogado, em abril de 1979, por iniciativa do torcedor Cecílio Sepúlveda Monteiro Teixeira, um médico especializado em psiquiatria, foi criado o Departamento de Futebol Feminino. Segundo informações veiculadas no site do clube:  

Naquela época, ainda não era oficializada a prática do futebol feminino no País, e por conta deste fato surgiria naturalmente muita desconfiança, resistência e até preconceito à aceitação desta criação de equipe, foi quando o primeiro time feminino de futebol então formado, em 11 de Outubro de 1980, recebeu o apelido de “Loucurinhas do Vovô”[13].

Já com oitenta anos de existência, o “Vovô” estava enfrentando dificuldades com a pouca adesão dos torcedores e o esvaziamento do clube (LUZ, 2018)[14]. O futebol de mulheres foi pensado como uma estratégia para motivar o retorno do público ao estádio e para fidelizar novos adeptos. Essa intencionalidade foi acionada no momento do batismo da equipe, cujo nome é revelador da tentativa de reacender a chama apagada. Em sua entrevista para o Projeto Garimpando Memórias[15], Cecílio Teixeira esclarece:

Essa é uma questão da fisiologia médica. O Rio Grande tinha oitenta anos. Então com oitenta anos, a pessoa pode desenvolver um quadro de demência que antigamente chamava-se aterosclerose. Como na demência ou no quadro de aterosclerose às vezes o velho perde um pouco da noção das coisas e ele, digamos assim, o superego “afrouxa” e ele fica meio taradão. Então um velho, com as meninas, são as Loucurinhas do Vovô, alguma coisa nesse sentido (TEIXEIRA, 2018, p. 14)[16].

Sobre a preliminar no Estádio Olímpico, Cecílio lembra que a FGF fez o convite para que participassem do jogo, mas os custos foram todos pagos pelo clube. Rosângela Solano Rodrigues, na época jogadora e hoje diretora do Departamento Feminino (iniciou em 1996 como vice e desde 1997 assumiu a direção), relembra a partida e a viagem para a capital:

Na realidade eu vou te dizer uma coisa, é assim, a equipe adversária foi uma seleção, ela não existia. Não é que ela não existia, ela jogava, mas ela era um grupo… Não era como nós, entende, que nós tínhamos uma equipe já treinando. Eles traziam muitas meninas de fora, buscavam muitas meninas, então, foi meio que tipo de uma seleção. Para nós foi um nervosismo muito grande, mas em compensação, uma alegria… Nós tínhamos consciência do fato que estava acontecendo, não da repercussão e o que isso seria futuramente. Mas sabia que a gente ia para uma cidade grande, que a maioria ali nunca tinha saído de Rio Grande porque a gente tinha feito uma história dentro da nossa cidade, por isso que a gente foi convidada (RODRIGUES, 2018, p. 5)[17].

A referência à equipe adversária como uma “seleção” soa como uma justificativa para a derrota sofrida pelo placar de 8 a 0. Segundo Cecílio Teixeira, o Loucurinhas “levou uma sarabanda, nós não tínhamos adversário para futebol de campo, então, era muito difícil até a questão de colocação no gramado, distribuição do time…” (TEIXEIRA, 2018, p. 3). Essa situação parece ter sido diferente na cidade serrana de Bento Gonçalves, sede do Clube Esportivo, cuja fundação se deu em agosto de 1919. Nos anos que antecederam a preliminar de mulheres, o time de homens vinha apresentando um desempenho bastante satisfatório: em 1979, foi vice-campeão do Gauchão, em 1980, sagrou-se tricampeão da Copa Governador do Estado e, em 1982, conquistou a Copa RS[18].

Somando-se ao prestígio do clube, identifiquei que no início da década de 1980 já existiam equipes e competições de mulheres na cidade. Em setembro de 1982, o jornal O Pioneiro noticiou que o Bento Futebol Clube Feminino havia disputado uma competição na qual participaram outras equipes da região, como o Santa Teresa, Cosmos do Arco Verde, Linha Eulália, Branco de Sebastião do Caí e Tanac[19]. Márcia Tafarel[20], jogadora que participou da preliminar no Olímpico, lembra que, no início de 1982, quando tinha apenas 13 anos, foi selecionada em uma peneira que aconteceu no campo do Esportivo para integrar um time já existente, que na sua memória intitulava-se Bento Atlético Futebol Feminino. Esse time se transformou no Clube Esportivo Bento Gonçalves e, no ano seguinte, em 1983, foi um dos cinco que integrou a primeira edição do Campeonato Gaúcho[21]. Para a jogadora, o grupo escalado para jogar contra o Loucurinhas era composto por “meninas que treinavam juntas há um tempo, meninas talentosas, sem dúvida. Tinha uma delas, a Keti (Claudete Anderle), que jogava pela ponta direita, fazia gols adoidada e naquele jogo festivo compararam ela ao Renato, que jogava no Grêmio. Ela era a número 7 do Esportivo e fez 4 ou 5 gols, foi o grande destaque da partida”[22].

Futebol de mulheres
Fonte: Acervo pessoal de Márcia Tafarel.

Mulheres jogando em pleno estádio Olímpico foi um acontecimento inusitado no universo do futebol gaúcho, mesmo que a partida tenha durado apenas 70 minutos[23]. Sua realização visibilizou a modalidade e repercutiu de diferentes modos e em diferentes meios. A reportagem “Futebol Feminino” reproduzida no início deste texto é um indicativo dessa percepção. Além de compor a pauta de um dos principais jornais do Estado, seu conteúdo destacava que a FGF criaria um campeonato estadual com jogos preliminares do “Gauchão dos Barbados”. Registrava, ainda, que a Federação havia recebido vários telefonemas de mulheres buscando informações sobre a organização de clubes. Esse interesse, no entanto, não arrefeceu o preconceito e a zombaria. A nota escrita por Guiomar Chies na seção Pelotaço do jornal O Pioneiro é exemplar dessa afirmação:

Me consta que o CND aprovou o futebol feminino. Só que não pode ser profissional, ao menos por enquanto. Só na base do amadorismo. Profissional seria muito prematuro. Já pensaram um clube comprando o passe de uma mulher? Analisa peso, cintura, nádegas, volume dos seios.

Afinal, para correr tudo pesa. Mas mesmo só no amadorismo vale a pena. Nas partidas do certame poderão ser realizadas preliminares de equipes femininas.

Afinal, como aquela música gauchesca, todo mundo vai gostar de ver mulher jogando pelada…[24]

Enfim, não tenho dúvidas de que esse jogo merece uma investigação mais detalhada. Não por ter sido veiculado na imprensa gaúcha como sendo o “primeiro” depois da regulamentação da modalidade, mas pelo que fez circular, pelas representações que produziu e reproduziu, pelo que desconstruiu ou reafirmou. Muitas perguntas precisam ser respondidas tanto pelo que aconteceu no campo quanto fora dele. Como foi sentido por quem o protagonizou e por quem o assistiu. Que efeitos produziu? Que desdobramentos proporcionou? Onde estão seus registros? Quem os preservou?

Por coincidência (ou conspiração do universo futebolístico), quando comecei a escrever esta coluna, recebi um convite do colega Gerson Wasen Fraga para produzir um capítulo sobre o futebol de mulheres no Rio Grande do Sul para um livro que está organizando. Ao comentar sobre meu tema, fiz alusão a esse jogo e, para minha surpresa e alegria, ele me contou que estava lá, ou seja, assistiu ao jogo. Na tentativa de obter informações, solicitei que me contasse algo que lembrava, mesmo ciente de que quase 40 anos havia se passado. Como bom historiador que é, Gérson desafiou a memória e, dias depois de nossa conversa, gentilmente me enviou o relato que reproduzo na íntegra:

Prezada Silvana:

Depois que recebi tua mensagem, me convidando para colocar algumas lembranças de uma tarde específica lá de 1983 no papel, pensei no quanto isto seria difícil, passado tanto tempo. No quanto nossa memória é falha, no quanto ela é reconstruída ao longo dos dias, e por aí vai…

E, por todas estas coisas que as pessoas que trabalham com a memória sabem muito bem, resolvi aceitar. Não posso dizer que não estou ciente do desafio.

O que segue abaixo, portanto, são as memórias de 37 anos atrás, de quando eu tinha apenas 10 anos. De um feliz domingo de sol.

***

Era um domingo, 18 de abril de 1983. Sei disso pelos registros que ficaram na imprensa. Seria apenas mais um domingo como qualquer outro para um menino de dez anos, filho de uma costureira e de um funcionário público que nos fins de semana engordava o orçamento doméstico trabalhando no Jockey Clube. O Grêmio – meu time do coração desde aquela época – jogaria contra o São Paulo naquela tarde pelo campeonato brasileiro e eu, logo depois do almoço, brincava na sala da casa de meus pais com o rádio ligado nos programas esportivos, já aguardando a partida que seria no fim da tarde.

Meu pai já tinha saído para trabalhar. No rádio, os jornalistas esportivos incentivavam os torcedores a comparecer ao Olímpico não somente para a partida daquela tarde, válida pelo campeonato brasileiro, mas também para mais duas. A primeira, uma pré-preliminar válida por algum campeonato de base, jogo que se esfumaçou nos escaninhos da minha memória, e outra, que chamava a atenção pelo inusitado: uma partida de futebol entre mulheres!!!

Não sei o quanto isto mudou. Agora que tenho um filho pequeno talvez eu venha a descobrir, mas naquela época, qualquer menino da minha idade sabia de duas coisas: 1) não era comum que meninas jogassem futebol; 2) em algum momento você encontraria uma menina que jogava futebol. No meu caso havia uma vizinha, chamava-se Tatiana (ou seria Tatiane?). Tinha muitos primos e costumava jogar com eles. De igual para igual. Eu tinha um respeito por ela, pelo inusitado que ela representava. Anos depois eu encontrei ela no velório de uma tia-avó minha. Pudemos conversar e lembrar daqueles dias em que chutávamos bolas de meia ou de isopor, mas isso também faz tempo e já é outra história.

O fato é que, naquela tarde, fosse pelo jogo contra o São Paulo, fosse pela curiosidade que despertava o jogo preliminar, ou ainda porque a mosca da curiosidade me mordeu naquela hora sem que eu percebesse, resolvi que atenderia aos incentivos dos jornalistas e iria ao Estádio Olímpico. Como eu jogava na escolinha, sabia que poderia acessar a social apenas apresentando a carteirinha (tenho ela até hoje!). Havia, contudo, dois poréns. O primeiro é que não havia ninguém para ir comigo. O segundo é que eu nunca havia assistido uma partida no estádio antes. Aquela seria minha primeira experiência e, bem ou mal sucedida, seria sozinho, sem companhia ou testemunha além dos outros torcedores na arquibancada.

Lembro de minha mãe costurando, distraída. Não era exatamente um hábito, mas eu já havia andado de ônibus sozinho antes. Até dominava bem a zona sul da cidade. Ser uma família sem carro tinha suas vantagens. Cheguei para minha mãe com o ar mais natural que podia ter e perguntei:

– Mãe, posso ir ver o jogo do Grêmio hoje de tarde? Eu entro de graça com a carteirinha.

Ela, sem levantar os olhos da máquina, respondeu:

– Pode.

A vida sem telefone celular também tinha suas vantagens.

Está feito. Peguei uns trocados para a passagem de ônibus e lá fui eu, de “Linha 82 Cruzeiro do Sul” (Expresso Cambará) até o Olímpico. Lembro que cheguei cedo. Na confusão da entrada o responsável pela roleta nem reparou que aquela criança estava ali sozinha, sem nenhum responsável. Sentei em um lugar relativamente central nas arquibancadas de concreto e consegui assistir quase toda a pré-preliminar. O estádio, o gramado, as arquibancadas, tudo ali me parecia imenso, imponente. Do meu lado sentou um senhor de idade, radinho de pilha no ouvido, torcedor clássico. Deu pela minha solidão e meio que me apadrinhou naquela tarde, puxando assunto comigo.

Foi quando começou a preliminar. Na minha memória, o jogo era entre “Rio Grande” e “Esportivo”, mas como eu disse, a memória é traiçoeira, e parece que esse “Esportivo” era na verdade outra equipe, muito embora também fosse de Bento Gonçalves. É aqui que eu mais entro nas impressões, na fumaça vaga do que passou, nas brumas do tempo. Mas tenho muita convicção de que aquelas mulheres que entraram em campo naquela tarde não foram exatamente saudadas com rojões e foguetes. No tempo em que mulher não adentrava naquele ambiente machista e hostil sem ouvir algumas poucas e boas, pisar no espaço sagrado onde o jogo se desenvolvia parecia ser algo impensável. Uma verdadeira heresia.

A lembrança mais viva que tenho daqueles minutos, porém, foi do estranhamento. Acho que o tempo todo o que se percebia na arquibancada era estranhamento. Estranhamento com as personagens, com o ritmo do jogo, com as faltas, as furadas em bola… Tudo aquilo que, se pensarmos bem, nos é oferecido de igual modo pelos homens às mãos cheias. Mas com as mulheres em campo era diferente. Havia risadas, gargalhadas, comentários em voz alta. Será que posso dizer que aquela era uma audiência movida a preconceito e testosterona? Talvez sim, não sei. Eu estava ali com a inocência dos meus dez anos.

Havia uma jogadora, não lembro exatamente de qual das equipes, que parecia mais acostumada ao jogo. Era uma ponteira direita do velho estilo, ofensiva, dribladora. Ela jogava acima da média das demais. Lá pelas tantas, bem na minha frente, ela e a sua marcadora se estranharam. Lembro que o que começou com uma discussão acabou com um rabo de cavalo puxado de forma violenta e as duas se agredindo aos tapas. Para além da óbvia expulsão e toda a confusão que o lance gerou, tudo foi saudado com risos, gargalhadas, galhofas… Para aquela arquibancada, mundo dos homens e a eles acostumados, aquilo não era exatamente um jogo de futebol. Era mais um circo, um espetáculo estranho, algo talvez próximo das lutas livres mexicanas que passavam na TV, com a finalidade de distrair 30 mil pessoas enquanto o principal motivo da presença de todos lá não começasse.

É estranho, mas eu nunca esqueci desse dia, e nunca esqueci desse jogo. Acho que de verdade este foi o primeiro jogo que assisti em um estádio. Uma preliminar, mas também um momento histórico de uma dimensão cuja consciência naquela época eu jamais poderia ter: o futebol feminino sendo retomado no Rio Grande do Sul depois de tantos anos. Mas eu lembro. De alguma forma, aquilo me foi importante.

Cheguei em casa já durante a noite. Não foi fácil pegar o ônibus na saída do estádio, e ainda por cima fomos apedrejados no meio do caminho. Duas pedradas bem dadas nos vidros que nos deixaram parados por algum tempo, mas que felizmente não machucaram ninguém. Quando cheguei em casa foi um suspiro geral de alívio. Meu pai obviamente não acreditava no que eu havia feito. Só quando ele chegara e perguntara onde eu estava é que minha mãe teve a dimensão do que eu havia pedido.

Ser criança nos anos 80 também tinha suas vantagens.

Ah, claro, no jogo de fundo o Grêmio venceu o São Paulo por 5 a 1.

Gérson Wasen Fraga.

21 de outubro de 2020.

 

***

A jogadora que Gerson rememora em sua narrativa é Claudete Anderle, a Keti. Sua atuação já tinha sido assinalada por Márcia Tafarel, colega de equipe, a quem agradeço a gentileza de me colocar em contato com aquela que foi o destaque da partida. Em nossa conversa, pedi a Keti que me contasse algo sobre o jogo e fui agraciada com o relato denso, precioso, afetivo e emocionado que reproduzo na íntegra, dada a sua riqueza e relevância:  

Boa noite, Silvana! Então vamos contar a história que os meus olhos viram e que o meu corpo sentiu. Nós já jogávamos há algum tempo futebol, na verdade começamos não como Esportivo, jogávamos torneios em campo de várzea já há um ano e meio mais ou menos, e nosso treinador, Moacir Agatti, um dia comentou conosco, em um treino, que iria até o Rio de Janeiro para falar sobre a regulamentação do futebol feminino. Depois disso, passou-se algum tempo e veio a notícia que nós faríamos o primeiro jogo oficial no Rio Grande do Sul e acredito até que no Brasil depois que baixaram a normativa, que virou lei que as mulheres podiam jogar futebol.

Sobre aquele jogo vou te dizer que são muitas emoções. Eu ao menos tive várias. Feliz por fazer um jogo tão importante, num estádio importante que era o Olímpico, em uma preliminar de um jogo muito disputado, que foi de Grêmio e São Paulo… Imagina você, na época eu tinha dezoito anos recém completados, tinha umas meninas com menos idade, para nós era bem interessante porque nesta época, imagina, 1983… A gente pouco ia para a capital. Nossa, falava em capital parecia que estava muito longe, e na verdade são só 120 km de Bento Gonçalves. Mas como nós éramos do interior e naquela época não se viajava muito, não se tinha essa possibilidade. Mas chegou a oportunidade de fazer esse jogo tão importante para a história do futebol feminino, para a história do Rio Grande do Sul. Posso dizer que quando chegou a notícia que nós íamos fazer o jogo fiquei eufórica, mas preocupada porque nessa época tinha que pedir autorização para o meu pai, para a minha mãe. E minha mãe sempre foi mais flexível, mais mente aberta e não tinha problemas, mas meu pai era complicado. Mas autorizaram a gente viajar e fomos nós para a capital de todos os gaúchos e gaúchas. Tu imagina a alegria de poder estar dando esse passo para a capital que parecia tão distante. Locaram um ônibus, fomos de manhã, saímos daqui de manhã porque a preliminar era cedo, fomos para o Olímpico, aquele estádio enorme, entramos nos vestiários e acredito que todas devem ter sentido uma emoção. Fiquei impressionada com a estrutura do vestiário, banheiro, chuveiro… A gente não tinha isso, praticávamos o futebol de várzea só em campos, assim, que não tinha estrutura nenhuma. Aí o nosso técnico falou da importância do jogo, que ia ser histórico e ele com aquilo que todas eram novinhas, então ele nos levou até a beira do campo antes de nos fardarmos. Quando eu cheguei no túnel e eu vi, assim, já tinha um bom público, eu me arrepiei porque eu nunca na minha vida havia visto tanta gente. Eu pensei; “Nossa, esse povo está aqui para assistir nosso jogo”. O Moacir, eu me lembro, ele pegou algumas de nós e falou da importância do jogo, que era para nós nos concentrar, levar a partida a sério, que era para nós jogar o nosso futebol, o que a gente sabia jogar. Voltamos para o vestiário, nos fardamos, fizemos o tradicional aquecimento, se fazia o aquecimento no vestiário, a Dona Marlene Tafarel[25] nos massageou para acelerar o aquecimento e o Moacir me chama de novo e me diz: “Joga tudo que tu sabe. Eu sei que tu sabe jogar, eu sei o que tu pode fazer em campo”. Eu disse para ele: “Não, pode deixar. Tranquilo!”. Silvana, eu vou te dizer o seguinte, quando nos chamaram para ir para o campo, porque era um jogo importante, eu arrepiei! Quando eu entrei no campo para começar a partida, eu olhei assim para a arquibancada e naquele momento já tinha três, quatro vezes mais público do que quando eu entrei pela primeira vez. Eu olhei aquilo, eu me lembro que eu parei e comecei a olhar para a arquibancada, e pensei: “Meu Deus, quanta gente. Nossa, todas essas pessoas vão assistir nosso jogo”. Nervosismo, com certeza, e me lembro, assim, uma coisa que… Para relaxar, tinha uma zagueira nossa que gostava de samba e eu também, apesar de não sambar direito, mas tinhas essas charangas nas torcidas organizadas e eu me lembro que a Rose fez sinal que era para eu ouvir e ela começou a sambar dentro do campo e eu, para relaxar, fiz a mesma coisa. Aí o Moacir fez sinal para mim que era para me concentrar no jogo, que era para me desligar do zum zum zum da arquibancada. E lá fomos nós para o jogo histórico que, na época até, era só 35 minutos de cada lado, a princípio era só esse tempo. E fomos para o tal do jogo. Vou te dizer que foi emocionante. Eu logo no começo do jogo, aos cinco minutos, eu não me lembro direito, se foi cinco ou se foi dois, isso eu não tenho certeza, eu fiz um gol. A torcida aplaudiu, aquela coisa e eu até acho que em função do nosso uniforme ser azul e branco, fez com que o torcedor que estava em campo acabasse torcendo mais para a nossa equipe que, mesmo não sendo do Grêmio, tinha as cores que lembrava o clube. E começaram a aplaudir, a vaiar, dependendo da jogada… Continuamos jogando e eu me lembro que estava sendo caçada em campo, desde o início. Aquela menina loira de cabelo comprido, cacheado, sendo caçada em campo e o jogo rolando. Aí aos doze fizemos mais um gol que, se não me engano, foi a Vânia que fez, de canhota. A torcida mais uma vez aplaudiu, foi fantástico. Eu posso te dizer, assim, que às vezes revejo a cena. Daí as meninas do Rio Grande fizeram um gol contra e terminou o primeiro tempo. Trinta e cinco minutos passam rapidinho. Fomos para o vestiário e eu já estava cuspindo fogo pelas ventas porque estava apanhando muito. Mas as meninas tranquilas, nossas zagueiras fazendo a parte delas, nosso meio de campo tranquilo, que na época a Márcia era a meia direita, usava a camisa 8, e fomos para o segundo tempo. E quando nós entramos para o segundo tempo, o estádio estava mais cheio ainda porque o torcedor, claro, estava chegando para a partida principal. Começou o segundo tempo, jogo rolando, nós ainda não tínhamos aquela coordenação toda de espaço de campo, então, às vezes eu lembro bem que onde estava a bola a maioria ia. E o torcedor aplaudia, ria, vaiava e acabou se apegando a mim, digamos assim, porque eu tinha um estilo Renato. Eles acabaram me comparando com a cópia do Renato na versão feminina. Eu usava meia soquete, eu não gostava de usar o meião porque me atrapalhava, eu achava muito apertado. Eu tinha drible fácil, tinha um bom físico e a torcida começou a me aplaudir também. Começo o segundo tempo e logo eu fiz um gol e a torcida, nossa, veio. E eu pensei: “Meu Deus, esse pessoal…”. Imagina minha emoção. Eu não sei como foi a emoção da outras meninas, eu sei das minhas emoções. Aí logo em seguida a Vânia fez outro gol, depois teve um gol contra novamente e o sétimo gol, se não me engano, foi meu. Eu fiz o gol e dei uma cambalhota. A torcida veio ao delírio e, depois, o oitavo gol, foi da Mimi. Se não me engano, foi dela. E nesse meio tempo de dribles e de jogo eu levei muita pancada. E uma hora, numa lateral, a guria veio muito maldosa, não sei, de repente nem foi por maldade mesmo, porque a gente não tinha aquela condição física, técnica. A gente tinha mais um preparo mais ou menos para a época. Mas ela me deu uma entrada feia e aquilo doeu pra caramba no meu tornozelo e eu já estava muito invocada porque estava toda roxa já nas pernas. E eu me lembro que eu levantei do chão e fui pra cima da guria, aí o árbitro deu cartão amarelo para a zagueira do time do Rio Grandense e acabou me expulsando. Mas já estava quase no final do jogo, devia ser uns trinta minutos do segundo tempo. Me lembro que a torcida vaiou o juiz por ele ter me expulsado. Eu saí e lembro que veio logo um repórter me entrevistar e eu falei que infelizmente a expulsão tinha sido merecida porque eu não estava preparada psicologicamente para isso, e fiquei, nem fui para o vestiário. Eu posso dizer que eu comi a grama do Olímpico porque teve um momento da partida, que me derrubaram e eu mordi a grama. Eu mastiguei a grama e simplesmente disse assim: “Que gramado lindo” e dei uma mordida e comi a grama, viu! [Risos]. Bem coisa assim de menininha… Logo após a partida, tinham jogadores do Grêmio assistindo um pedacinho da nossa partida. Quando o jogo terminou, o cara da RBS, se não me engano, chamou o Renato e me chamou para fazer uma entrevista e o repórter pediu para o Renato o que ele achou do futebol feminino, que era o primeiro jogo oficial. Pediu para ele se ele achava que eu era a cópia dele… Eu, na verdade, não sei o que o Renato falou porque eu estava tão emocionada de estar ali. Eu, baixinha de 1,58, eu ainda não tinha totalmente crescido, eu cresci bem pouco, viu Silvana. E eu vi o Renato, ídolo do Grêmio, jogando o que jogava e eu me lembro que eu olhava assim para ele com toda a admiração. Eu sou colorada, mas eu olhava e, nossa, o Renato. Ele era um homem, assim, para mim que era baixinha, alto. E aí o Renato deu entrevista e o repórter pediu se eu me inspirava no Renato porque eu jogava com as meias arriadas, que nem o Renato, era boa no drible, eu ia para cima do adversário, eu encarava as pancadas, ia para cima, e assim foi. A verdade é que para mim foi muito emocionante ver aquele estádio Olímpico lotado, eu não sei qual era a capacidade na época, mas eu acho que era mais de 50 mil torcedores que podiam estar lá. Talvez não chegou a isso, eu não sei. Mas eu lembro que tiraram um monte de fotos, só que eu não tenho fotos desse jogo porque na época era muito caro e nós não tínhamos condição financeira. Eu não tinha, muitas de nós não tinham condições para ter essas fotos. E assim foi, Silvana. Um jogo histórico, um jogo que abriu caminhos para que o futebol feminino seguisse sua trajetória, claro que foi a passos lentos. Até hoje estamos ainda… Está um pouco melhor, as estruturas estão melhores, já tem uma comissão técnica, mais apoio, patrocínio. Não tem mais tanto aquele preconceito, porque nós passamos muito preconceito na época. A gente ouvia coisas horríveis, mas tudo bem. Foi superado.

E foi um jogo histórico também porque, na época, na TV, eu nem sabia, me avisaram… Na época, eu trabalhava em uma fábrica de móveis aqui em Bento Gonçalves e um dia, depois do jogo, eu fui trabalhar toda esgualepada, eu mancava, estava toda dolorida porque o jogo foi realmente muito, muito cansativo e o pessoal que trabalhava comigo disse: “Tu joga no Esportivo, né, tu é a Keti…”. Mas não me preocupei porque o pessoal estava assim e continuei trabalhando a semana toda, até que um rapaz do meu setor me olhou e disse assim: “Tu é a Keti que joga no Esportivo. Tu sabia que tu tá passando na TV?”. Eu disse para ele que não fazia ideia, que quase não assistia TV em função do trabalho. Quando eu chegava em casa tinha que fazer os deveres da casa e naquela época era assim mesmo, não tinha esse negócio de chegar do trabalho e descansar. E minha mãe dizia para mim e para minha irmã, vocês têm que fazer isso, isso e isso. E a gente fazia, executava as tarefas que ela ordenava a fazer. E era a abertura da novela Guerra dos Sexos. Realmente, fiquei surpresa, eu estava aparecendo na novela Guerra dos Sexos, naquele momento do último gol, que era o terceiro do jogo. Eu fazendo o gol e dando cambalhota.

E assim foi a minha trajetória. Foi um jogo importante? Foi! A imprensa gaúcha e a de Bento também não deram muita ênfase, só foi aquela semana e depois ninguém mais nos procurou, a vida seguiu, na verdade a vida segue até hoje… Joguei até 1999 e depois eu parei. Cansei de ver tanta coisa errada no futebol feminino que eu disse: “Chega!” E foi isso, posso te dizer que foi emocionante, gratificante, sou grata por ter tido esta oportunidade. Nunca me importei com esse lance de ser craque, de ser destaque da partida porque eu sempre vivi muito na minha simplicidade. Sempre tive muito respeito por toda aquela equipe do Esportivo que participou do jogo. Eu fui destaque sim, a que recebeu todos os elogios, era repórter, foto, entrevista com o Renato, as outras muito pouco… Mas sem esse time, sem o suporte das outras, não só as outras dez que estavam em campo, mas as que estavam no banco de reserva, o seu Moacir, a dona Marlene… Eu sou muito grata! Grata por ter conhecido essas pessoas, por terem feito parte da minha vida e da minha história. Pena que essa história, ela não é muito comentada, não se sabe o porquê, eu não sei se por uma rivalidade capital-interior ou porque não foi um time, assim, se tivesse sido em Grêmio ou Inter ou outra equipe de Porto Alegre talvez ia ter mais ênfase. A história apareceria mais. Não sei se é por rivalidade ou desinteresse das pessoas. Enfim, vou te dizer: “É emocionante!” É emocionante porque a gente quebrou tanto tabu, a gente foi contra tanta coisa que, às vezes fico até sem palavras. Sou grata, sou grata por tudo[26]

***

Mulheres e futebol: se por um tempo esse binômio foi (e é) impensável, afirmo que só foi (e é) para quem desconhece e menospreza a força, a determinação, a resistência e a resiliência das mulheres. Para quem no aquário de sua ignorância ou preconceito não vê nem quer ver que ele existe, é real[27] e, por assim ser, incomoda! Fica aqui a minha homenagem às atletas que participaram desse jogo que, indubitavelmente, marcou não apenas o esporte gaúcho, mas a vida de várias mulheres que se sentiram por elas representadas.


Notas

[1] Zero hora, 18 de abril de 1983, p. 50

[2] Zero hora, 19 de abril de 1983, p. 53 e 58.

[3] PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

[4] BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE DESPORTOS. Deliberação n. 01/83, de 11 de abril de 1983: dispõe sobre normas básicas para a prática de futebol feminino.

[5] VÂNIA, craque de seleção. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 de setembro de 1983, p. 33.

[6] MENDES, Gilberto. Mulheres com a Bola Cheia. O Pioneiro, Caxias do Sul, 15 de março de 1983, p. 12.

[7] Para mais, acessar: GOELLNER, Silvana Vilodre. As mulheres do futebol: visibilidade para as mulheres do futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 9, 2020..

[8] RAMOS, Suellen dos Santos; GOELLNER, Silvana Vilodre. Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz! A trajetória esportiva de Duda. São Paulo: Editora Multifoco, 2018.

[9] Foi jogadora da equipe do Sport Club Internacional nas décadas de 1980 e 1990. Atuou na Seleção Brasileira de Futebol em 1995 sagrando-se campeã sul-americana. Ingressou na equipe do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense em 1998, onde ficou até o ano de 2003. É considerada uma das referências do futebol de mulheres no Rio Grande do Sul.

[10] NUNES, Isabel Cristina de Araújo. Depoimento de Isabel Cristina de Araújo Nunes. Projeto Garimpando Memórias. Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte – ESEFID/UFRGS, 2016.

[11] Para mais, acessar: SC Rio Grande.

[12] FONSECA, Divino. A agonia da tradição gaúcha, Placar, n. 231, 23 de agosto de 1974, Editora Abril, p. 12.

[13] Para mais, acessar: SC Rio Grande Futebol Feminino.

[14] LUZ, Wilian Antiqueira da. Loucurinhas do Vovô: a história do Departamento de Futebol Feminino do Sport Club Rio Grande. Trabalho de Conclusão de Curso – Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.

[15] Para mais, acessar: Garimpando Memórias.

[16] TEIXEIRA, Cecílio Sepúlveda. Depoimento de Cecílio Sepúlveda Teixeira. Projeto Garimpando Memórias. Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte, ESEFID/UFRGS, 2018.

[17] RODRIGUES, Rosângela Solano. Depoimento de Rosângela Solano Rodrigues. Projeto Garimpando Memórias. Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte, ESEFID/UFRGS, 2018.

[18] SOUTO, Alceu Salvi. Clube Esportivo Bento Gonçalves: o Alvi-Azul da capital brasileira do vinho. Bento Gonçalves: Arte & Texto, 1996.

[19] FUTEBOL FEMININO EM BENTO. O Pioneiro, Caxias do Sul, 9 de setembro de 1982, p. 23.

[20] Natural de Bento Gonçalves, atuou na Seleção Brasileira de Futebol em 1995, sagrando-se campeã sul-americana. Participou da Copa do Mundo de 1991 (China) e de 1995 (Suécia). Foi 4º lugar nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. Atualmente reside na Califórnia (Estados Unidos) e trabalha como treinadora das categorias sub 14 e sub 15 do Walnut Creek Surf Soccer Club e com iniciação de crianças de 6 a 8 anos no COPA Soccer Training Center.

[21] Além do Clube Esportivo Bento Gonçalves, o campeonato reuniu o S.C. Internacional, o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, o Esporte Clube Internacional de Santa Maria e o Cerâmica Atlético Clube de Gravataí.

[22] Essas informações resultam de uma conversa que tive com a atleta por WhatsApp.

[23] O documento do CND impunha algumas regras à modalidade, como a diminuição do tempo do jogo, do tamanho do campo, do peso da bola, o uso de chuteiras sem travas pontiagudas. “Outra diferença do futebol tradicional: bola ‘matada’ no peito será falta, equivalente à bola na mão”. VÂNIA, craque de seleção. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 de setembro de 1983, p. 33.

[24] CHIES, Guiomar. Feminino. O Pioneiro, Caxias do Sul, 14 de maio de 1983, p. 32.

[25] Mãe da Márcia Tafarel, uma entusiasta do futebol de mulheres. Era presença constante nos treinos e jogos da equipe, colaborando em diferentes funções.  

[26] Depoimento para o projeto Garimpando Memórias.

[27] No início de 2021, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), de modo inédito, contemplou três questões relacionadas às diferenças de gênero no esporte, mais especificamente no futebol. Uma delas abordou as desigualdades existentes em termos de remuneração entre jogadores e jogadoras, tomando como exemplo Marta e Neymar. Descontente com a questão, que considerou  ridícula, o presidente Jair Bolsonaro afirmou em suas redes sociais que “o futebol das mulheres não é realidade no Brasil”.


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Silvana Goellner

Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Aposentada).  Ex-coordenadora do Centro de Memória do Esporte (CEME) e  Vice-Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Esporte Cultura e História (GRECCO). Pesquisadora e ativista do Futebol de Mulheres. Integrante do Grupo de Estudos Mulheres do Futebol (GEMF).

Como citar

GOELLNER, Silvana Vilodre. Sport Clube Rio Grande e Clube Esportivo Bento Gonçalves: seria este o primeiro jogo de mulheres autorizado no país?. Ludopédio, São Paulo, v. 141, n. 15, 2021.
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