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O futebol e seus simulacros no reino da ludicidade – Subbuteo

Em sua obra clássica Homo Ludens, Johan Huizinga define o lúdico como sendo algo que integra a própria natureza humana. Assim, o ser humano seria, basicamente, caracterizado por três propriedades: a do raciocínio (o Homo Sapiens), a da engenhosidade prática (o Homo Faber), e a da ludicidade (o Homo Ludens).

O jogo em geral, pois, seria a concretização da ludicidade na sociedade. Podemos encontrar, por exemplo, jogos que simulam outros jogos, ou seja, são seus simulacros. Pensemos, por exemplo, no futebol. Como uma das modalidades esportivas mais difundidas no planeta, ao longo do século XX, o futebol inspirou uma série de jogos enquanto simulacros, os quais continham especificidades materiais e regras próprias.

São vários os jogos originados do futebol. Recentemente, Eduardo de Souza Gomes escreveu o artigo intitulado “Pebolim, Totó, Fla-Flu ou Pacau? um breve histórico do campo esportivo no Brasil”. Encontramos nele inspiração para escrever sobre outro simulacro do futebol – o Subbuteo.

É provável que esse nome não diga muito, mas quando nos reportamos ao seu nome no Brasil, pessoas com mais de 40 anos, certamente, dele se lembrarão: “Pelebol”.

Pelebol – o jogo do Rei.

Pois é, o Subbuteo é uma modalidade de futebol de mesa, que foi muito difundido no Brasil, nos anos 1970 sob o título de “Pelebol”, comerciado pelo fabricante de brinquedos Estrela, com a imagem e o prestígio do “Rei do Futebol”. Trata-se de um jogo inventado na terra da Rainha, mais precisamente em Liverpool, em 1925, por William Lane Keeling. Insatisfeito com outros jogos simulacros de futebol que já havia à época, Keeling decidiu improvisar o seu próprio jogo: recortou papelão no formato de pequenos jogadores de futebol e os fixou a uma base de borracha. Originalmente, a bola era de cortiça e as traves, de arame. Keeling desenhou o campo de jogo em uma toalha de linho.

Primeiramente, Subbuteo foi comercializado com outro nome: “Newfooty”. Todavia, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a crise econômica dela advinda, a produção foi interrompida, sendo retomada em 1947. A partir de então, os jogadores em miniatura passaram a ser confeccionados de material plástico, assim como as traves, e foram patenteados por Peter Adolph. Ornitólogo de profissão, amante dos pássaros, Peter Adolph rebatizou o “Newfooty” com o nome “Subbuteo” (haja imaginação!), baseando-se no nome científico de um falcão em latim – falco subbuteo –, e fundou a firma Subbuteo Sports Games. Em 1967, o empreendimento foi vendido a Waddingtons, então maior fabricante de brinquedos da Inglaterra. Três décadas depois, em 1995, a Waddingtons foi vendida à empresa de brinquedos norte-americana Hasbro.

Subbuteo é jogado em um campo de flanela, de 80×120 cm. Foto: Sr.donbuche/Wikipédia.

Basicamente, o Subbuteo conta com dois jogadores. Em geral, o jogo é composto por duas traves de plástico, um campo de futebol de 80×120 cm, de flanela, em que se defrontarão duas equipes compostas por 11 jogadores em miniatura cada uma: 01 goleiro e 10 jogadores de linha. Enquanto o goleiro, em posição de salto para defesa, tem menos mobilidade e é preso por uma haste, ficando restrito à meta e sendo acionado por trás da trave, os jogadores de linha, com cerca de 2 cm de altura, possuem uma base circular que, além de os manter na posição vertical, dando-lhes sustentação, permite que estes deslizem pelo campo ao serem impulsionados pelo dedo médio ou indicador do jogador ao ser pressionado sobre a flanela. Interessante é que o diâmetro da bola de jogo, também de plástico, possui a medida dos jogadores, ou seja, 2 cm. Esta pode ser simplesmente conduzida ou chutada, dependendo da direção e da força com que o jogador de linha é acionado.

Seleção brasileira. Foto: Sportingn/Wikipédia.

Além disso, jogar Subbuteo requer certa tática e estratégia, pois todos os jogadores de linha são móveis e só podem ser movimentados e posicionados através de acionamento com os dedos durante a execução das jogadas. Esse é um dos aspectos que, se comparado com outras modalidades, fazem com que se considere o Subbuteo um simulacro mais próximo de uma partida de futebol. Embora muito menos praticado no Brasil em nossos dias, o Subbuteo ainda desfruta de popularidade em outras partes do mundo, onde existem ligas e se realizam campeonatos locais em mais de 50 países, bem como competições continentais e até mesmo mundiais.

Como um autêntico simulacro, as regras do Subbuteo correspondem, em sua maioria, às regras do futebol. A seguir, apresentaremos apenas as principais.

– Posse de bola

O jogador que tiver a posse de bola é, momentaneamente, o atacante, e o adversário, o defensor. Apenas o atacante pode tocar a bola ao acionar o jogador de linha com o dedo. Este perde a posse de bola quando erra a bola ao acionar o jogador ou quando a bola toca um jogador da equipe adversária. A bola só pode ser movimentada, no máximo, três vezes com o mesmo jogador de linha, sendo que o terceiro lance deve ser um passe para outro jogador de linha, ou mesmo um chute a gol.

– Movimentação de defesa

A cada toque de bola do atacante o defensor pode movimentar um de seus jogadores de linha, acionando-o com o dedo pressionado ao tecido do campo. A meta do defensor é dificultar a jogada de ataque adversário, à medida que consegue interpor um jogador de defesa entre o jogador atacante e a bola, ou mesmo bloquear um passe para outro jogador. Entretanto, durante a movimentação sem bola, o defensor não pode tocar nem a bola e nem outro jogador de linha, do próprio time ou do time adversário. Se isso ocorrer, o atacante pode exigir que a jogada volte e que os jogadores e a bola assumam a posição anterior ao lance em que o defensor cometeu a irregularidade. Aliás, se o defensor atingir a bola em movimento, haverá um tiro livre em favor do atacante.

– Jogadores fora de ação

Jogadores de linha que saem do campo ou que batem nas bordas de proteção da mesa, tão logo a bola seja colocada em movimento, são posicionados manualmente na parte externa do campo de jogo. Caso o jogador ainda se encontre na mesa, ele será posicionado no ponto mais próximo da linha de fundo; se tiver saído da mesa, será posicionado próximo à linha divisória. Jogadores deitados, tão logo a bola role, são posicionados corretamente onde estiverem. Não é permitido que se jogue com jogadores deitados.

– Chute a gol

Um chute a gol é válido somente quando a bola se encontrar no campo de ataque, além da chamada linha de tiro, linha intermediária entre o meio de campo e a área.

– Tiro de meta

O tiro de meta deve ser executado com o acionamento de um jogador de linha, sendo que a bola deve ser posta em jogo do mesmo lado por onde saíra pela linha de fundo. No tiro de meta, nenhum jogador adversário pode estar dentro da área.

– Arremesso lateral

Um jogador de linha é posicionado manualmente na lateral, exatamente no local por onde a bola saiu, e esta é posta em jogo através do acionamento do jogador com o dedo pressionado ao campo de jogo.

– Falta

Caso o jogador que esteja sendo acionado toque um jogador do time adversário sem tocar primeiro na bola, o lance é considerado faltoso e é marcado um tiro livre indireto. Se o lance ocorrer dentro da área, é marcada a penalidade máxima.

– Penalidade máxima

O goleiro deve permanecer sobre a linha do gol, enquanto os demais jogadores são posicionados fora da área.

– Reposicionamento dos jogadores em campo

Atacante e defensor podem reposicionar seus jogadores manualmente quando ocorrer tiro de meta ou após ser assinalado um gol. Nos demais lances, só será permitida a movimentação de jogadores através do acionamento do jogador com o dedo pressionado ao campo de jogo.

– Impedimento

Um jogador é considerado em posição de impedimento, quando estiver posicionado no campo de ataque e, no momento do passe, estiver mais próximo da linha de fundo do que dois jogadores defensores, incluindo o goleiro. Todavia, caso o jogador em posição de impedimento não receba a bola, a jogada de ataque pode prosseguir normalmente com outro jogador.

– Duração da partida

Uma partida de Subbuteo dura dois tempos de 15 minutos cada.

Miniaturas de jogadores representando a seleção alemã.

 

De acordo com o site alemão Kickerium, o Subbuteo chegou ao país em 1961, ano em que foi fundado por Günter Czarkowski o “TSL Dortmund 61”, clube que ainda existe em nossos dias. Inclusive, o país conta com uma liga, a DSTFB – Deutscher Sport-Tischfußball-Bund (Liga Esportiva Alemã de Futebol de Mesa), filiada a uma organização internacional, a FISTF – Federation International of Sportstable Football. Segundo o site da FISTF, a Alemanha sediou o torneio mundial em 2006, na cidade de Dortmund, que contou com 250 competidores, representantes de 23 países, sendo que a Itália sagrou-se campeã nas categorias individual e por equipes. A edição de 2010 também teve por sede a Alemanha, realizada em Rain am Lech, que também contou com 250 competidores, representantes de 16 países, e cujo vencedor foi a equipe da Espanha. Além disso, entre outras competições, o país já havia sediado também o Campeonato Europeu em 1995, em Wuppertal, e a Copa Europa de Clubes Campões em 2001, na cidade de Kamen.

Miniaturas de jogadores representando o F. C. Bayern de Munique. Foto: Micchan73.

Enquanto em países como a Alemanha, a Itália e a Inglaterra o Subbuteo se mantém popular e é praticado em competições oficiais, no Brasil, infelizmente, o jogo se tornou objeto de colecionador. Não é por acaso que falar de “Pelebol” é, ao mesmo tempo, um ato nostálgico de recordação de infância nos idos dos anos 1970 e 1980.


Referências

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. 6. ed., São Paulo: Perspectiva, 2010. [filosofia; 4]

Site Botões para sempre

Site CustomFlicks

Site Deutscher Tischfussball-Bund

Site Federation International of Sportstable Football

Site Kickerium; artigo “Subbuteo: wie Fußball nur mit Hand“

Site Ludopedia

Site YesterdayToys

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Elcio Loureiro Cornelsen

Membro Pesquisador do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, da UFMG.

Como citar

CORNELSEN, Elcio Loureiro. O futebol e seus simulacros no reino da ludicidade – Subbuteo. Ludopédio, São Paulo, v. 116, n. 2, 2019.
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