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“Tetra é obrigação”: a saída de Holan e o porquê do futebol brasileiro, talvez, não valer a pena

Pedro Zan 4 de maio de 2021

Na manhã da segunda-feira, dia 26/04, o presidente do Santos, Andrés Rueda, anunciou que o treinador Ariel Holan, contratado no final de fevereiro, pediu sua demissão do clube, apenas 2 meses após sua chegada. O argentino deixa o Alvinegro em um momento bem conturbado, em que o time corre riscos de não se classificar para os mata-matas das duas competições que disputa no momento, o Paulistão e a Libertadores, apresentando, dia após dia (quase literalmente), atuações bem abaixo do esperado, que levaram o time a empilhar 3 derrotas seguidas. Contudo, não foi bem por isso que Holan deixou o clube – e os motivos podem ser vários.

Primeiramente, Holan sofreu uma pressão desproporcional em seu trabalho. Após a derrota para o Barcelona de Guayaquil, na primeira rodada da fase de grupos da Libertadores, os muros da Vila Belmiro foram pichados com frases como “o Tetra [da Libertadores] é obrigação”.

Sim.

O título mais importante da temporada no futebol sul-americano, a “glória eterna” para qualquer clube brasileiro virou “obrigação” no Santos. Depois disso, após a derrota no clássico contra o Corinthians, em que ambas as equipes colocaram em campos seus times “C”, a torcida (ou melhor, uma pequena parte dela) cercou o ônibus do time em protesto, ameaçando, inclusive, “quebrar o pau” caso a vitória contra o Boca Juniors (!!!) na Bombonera (!!!) não viesse. Na coletiva do presidente Rueda, que trouxe o anúncio do pedido da demissão do treinador, foi revelado, também, que um grupo de torcedores foi até o prédio em que Holan morava e soltou fogos em direção ao seu apartamento. A verdade é que, por mais que já tivesse passado por uma tentativa de sequestro relâmpago por Barra Bravas do Independiente quando treinava o clube, ninguém deve passar por isso jamais – e, o torcedor santista acostumado com a vida política do clube, sabe muito bem o que, com quase toda a certeza, está por trás desse tipo de protesto desmedido.

Contudo, para além disso, foi revelado por setoristas do clube que o fator decisivo para a saída de Holan estava relacionado com o projeto esportivo do clube. Segundo as apurações, o treinador havia recebido a promessa do presidente de que não venderia Soteldo. Porém, sabemos que o venezuelano foi negociado na última semana com o Toronto FC, da MLS, para se livrar do Transferban na FIFA decorrente do fato de o clube jamais ter pago o Huachipato, de quem contratou o agora ex-camisa 10. Com essa venda “inesperada”, Holan solicitou para a diretoria que nomes para reforçar o elenco fossem analisados, mas recebeu uma negativa, já que a situação financeira do Peixe é bem delicada. Essa “quebra de acordo”, associada à pressão violenta e exagerada de uma minoria da torcida (além, claro, de um ou outro atraso salarial) foram cruciais para a saída do treinador – e não, como muitos especularam, uma suposta “panela” dos jogadores, como foi indicado por quase todos os jornalistas que cobrem o clube.

A saída de Holan é trágica por suas circunstâncias, mas também para o futuro do clube. Claro, seu trabalho merecia críticas: desde a vitória por 3 a 1 contra o San Lorenzo o time nunca mais fez uma partida de alto nível e, inclusive, foi piorando com o tempo, chegando a ficar sem finalizar uma vez sequer na direção do gol do Grêmio Novorizontino pelo Campeonato Paulista. Contudo, há de serem consideradas as peculiaridades dessa temporada, que dificultaram (e muito) o trabalho do treinador.

Ariel Holan
Ariel Holan. Foto: Reprodução Twitter

A começar com um calendário totalmente fora da realidade montado pela FPF para compensar a paralisação por conta do acirramento das restrições de circulação de pessoas promovidas no estado de São Paulo devido à pandemia de COVID-19. Já há três semanas os clubes do Paulistão têm disputados jogos a cada 2 dias, o que piora para aqueles que estão na Libertadores e Sul-Americana. Antes do confronto contra o Boca Juniors na última terça-feira (27/04), o Santos jogou na sexta e no domingo, somando incríveis 3 jogos em 5 dias. Isso sem considerar o tempo de viagem, já que foi a Novo Horizonte, a 500 km da Baixada, na sexta, e para a Argentina na terça. Treino? Impossível. Repetir o time em todas as partidas? Jamais. Esse último elemento já era esperado, já que, quando foi anunciado, o projeto do Santos com Holan envolvia a utilização do Campeonato Paulista como um grande “laboratório” para que o treinador avaliasse quais os jogadores dentro do elenco atual poderiam ser aproveitados ao longo da temporada, quais deveriam ser negociados, e também visava o desenvolvimento de muitos garotos da base para serem úteis à equipe em 2021 (em suma, “montar um elenco” com o que já estava no clube). Claro que, jogar o Paulistão com o time reserva é mais fácil de se dizer do que se fazer…

Isso leva a um segundo fator crucial que marcou a dificuldade de Holan: o elenco. Desde a final da Libertadores, o Santos perdeu três jogadores que foram fundamentais na campanha do time no ano passado: Lucas Veríssimo, Diego Pituca e Soteldo, mas ninguém foi trazido para suprir suas ausências. Os substitutos vieram, quase como sempre acontece no Alvinegro, da base. Kaiky aparaceu como uma primeira solução para a ausência do melhor zagueiro do time. Sandry seria o nome ideal para substituir o melhor volante do elenco, mas acabou sofrendo um rompimento de ligamento no joelho e ficará fora por pelo menos 8 meses. Para a posição de Soteldo, uma alternativa que surge é a de Ângelo. Além deles, vale ressaltar nomes como Gabriel Pirani, menino que parece resolver um problema que o time lida desde a saída do ex-camisa 20, hoje no banco do Palmeiras – no caso, a meia; Kaio Jorge, artilheiro do time na última edição da Libertadores, e Marcos Leonardo. O que todos esses têm em comum? Nenhum completou sequer 20 anos. E jogadores com menos de 20 anos (alguns com menos de 18) vão oscilar, é normal, mas todos já mostraram que têm muita qualidade (e maturidade) para jogarem no Santos e serem úteis para a equipe. Para o desenvolvimento desses jogadores, é preciso que eles tenham minutos, é claro, mas que também não seja colocado sobre seus ombros todo o peso de carregar um time que passa pela situação mais delicada financeiramente de sua história.

E esse é mais um fator que atrapalha o trabalho de um treinador: a crise interna do clube. Como parece claro, a palavra do momento no Santos é austeridade. Rueda está buscando enxugar a folha salarial do clube, vender jogadores para conseguir recursos e até mesmo delegar mais de um cargo para uma mesma pessoa (no momento, o clube não tem um diretor de futebol efetivo, mas um dos conselheiros acabou acumulando essa função). Tudo para acertar as contas no primeiro ano de gestão para, depois, talvez, começar a investir. Ou seja, além de ter que tentar lidar com um elenco limitado e sem perspectiva de reforços, com a situação financeira difícil do clube, Holan teria de fazer também a ponte entre jogadores e diretoria – ah, e claro, treinar a equipe.

Todos esses fatores culminaram na saída de Holan e no fim de um projeto esportivo pretendido pela diretoria quando anunciou o argentino e que supostamente duraria 3 anos. Como tinha dito no texto otimista que fiz sobre sua chegada, sabemos que é difícil isso se realizar no futebol brasileiro, e o pedido de demissão do treinador comprovou, mais uma vez, que o futebol brasileiro não parece valer a pena. Um imediatismo desenfreado por parte de parcela da torcida e da imprensa e a falta de respaldo efetivo da diretoria (que, vale ressaltar, em momento nenhum “deu as caras” para bancar o treinador) impedem a realização de qualquer planejamento. Por mais que o desempenho recente fosse ruim, a oscilação era esperada por todos os fatores apontados aqui, e talvez o elenco atual do Santos simplesmente não tenha condições reais de disputar nada nesta temporada, especialmente uma Libertadores. Mesmo assim, o treinador mostrou o que poderia fazer, como ficou claro na ida contra o San Lorenzo, e merecia, sim, tempo para praticar aquilo que pretendia: montar um elenco, desenvolver jogadores e dar uma cara ao Santos nos próximos anos. Em 2 meses, isso foi abortado, passando uma sensação de que quase qualquer tentativa de “fazer direito” no futebol brasileiro está fadada ao fracasso. Quem perde, neste caso, é o Santos.

As perspectivas para o decorrer da temporada são as piores possíveis: a classificação na fase de grupos da Libertadores está praticamente perdida e em risco no Paulistão, além de uma preocupação real de que o time pode brigar contra o rebaixamento no estadual nessa reta final. Para o Brasileirão, é impossível saber o que acontecerá, mas não parece possível esperar um time que termine na metade de cima da tabela. No momento, a diretoria precisa buscar um treinador e, ao que tudo indica, irá focar no mercado nacional, sendo que nomes como Dorival Júnior, Lisca Doido, Fernando Diniz e Renato Gaúcho já foram especulados. A ver se o Santos de 2021 consegue, pelo menos, evitar a tragédia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Zan

Quase formado em Filosofia na Unicamp, mas bom mesmo é falar de futebol. Santista desde sempre, também tenho um podcast, "Os Acréscimos", e sou um dos administradores da página "Antigas Fotos do Futebol Brasileiro".

Como citar

ZAN, Pedro. “Tetra é obrigação”: a saída de Holan e o porquê do futebol brasileiro, talvez, não valer a pena. Ludopédio, São Paulo, v. 143, n. 6, 2021.
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