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Tinha que ser Henry

Guilherme Trucco 23 de junho de 2019

Poderia ficar alguns parágrafos esculhambando a falta de suporte que a seleção feminina tem da CBF. Vou gastar apenas este. Venhamos e convenhamos, só chegamos onde chegamos por conta dos talentos individuais. Pode botar na conta de Andressa, Cristiane, Formiga e Marta. Sem elas, estávamos no vinagre já desde o primeiro jogo.

Agora, que a urucubaca contra a França é grande, isso não temos como negar.

Ora, se Nelson Rodrigues imortalizou o Sobrenatural de Almeida, algoz espantoso do Fluminense, nomeio aqui o Surnaturel du Carlos.

Reparem bem. Tudo começou na Copa de 86. Fomos eliminados pelo onze francês nos penais. Até aí muito que bem. A questão é a seguinte: no penal batido por Bellone, a bola carimba o poste do nosso goleiro Carlos. Estávamos salvos. Mas, eis que a pelota, cínica, só e simplesmente só, bate nas costas de Carlos e entra no gol. Esse tipo de lance nunca tinha acontecido antes. Repito, nunca. Tanto é que não existia uma regra para tal. O juiz validou o gol. Hoje em dia, não seria mais válido. Pois bem. Foi aí, nesse estranho penal, que conhecemos nosso Surnaturel du Carlos.

Depois tivemos 98 com o ataque epilético de Ronaldo, 2006 com o meião estragado de Roberto Carlos, e 2018 com o gol-contra de Fernandinho para os franco-belgas. Sempre com um Surnaturel du Carlos incólume em campo.

Corta a cena. Entramos em 2019 com uma dramática prorrogação contra as donas da casa. Não poderia ser diferente. Jogo parelho, mesmo com a assimétrica preparação e estrutura francesa. Eis que Debinha entra na área completamente livre. Só e totalmente só, sem nenhuma adversária na marcação, sem incomoda-la, e o que faz?

Debinha arranca sozinha. Foto: Renner Pinheiro/Mowa Press.

Chute preciso, a bola vence a goleira francesa, mas é repelida pela zagueira praticamente em cima da linha. Minutos depois, Cristiane enxerga, lúcida, a goleira adversária adiantada, e tenta um chute da meia cancha. Com os músculos saturados, a bola sai fraca, não atravessa o campo, e ainda, lesiona a nossa pivô.

Estava claro. Estava diagramado que a urucubaca iria permanecer: Surnaturel du Carlos estava ali, cínico, em campo.

Quem fez o gol das francesas? Henry. É isso mesmo que vocês leram. Repito: Henry. O mesmo jogador que nos desclassificou em 2006, e que era da comissão técnica da Bélgica em 2018. Temos uma descarada atuação de Surnaturel du Carlos, mais uma vez.

Amigos, está claro que precisamos melhorar a estrutura por detrás das nossas atletas. Calendário, times, esse troço todo. Mas muito mais importante, peço, fortemente, que considerem a contratação de um pai de santo. Só pra atuar nas partidas contra a França. Tanto no feminino quanto no masculino.

Saravá.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Guilherme Trucco

Escangalho a porosidade das palavras. Rabisco um Realismo de Encantaria e futebol. Filho de Xangô e Iemanjá.

Como citar

TRUCCO, Guilherme. Tinha que ser Henry. Ludopédio, São Paulo, v. 120, n. 32, 2019.
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