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Trabalho de campo: percurso da pesquisa sobre corrupção no futebol

Wesley Barbosa Machado 23 de setembro de 2020

O tema da corrupção no futebol surgiu para mim a partir da repercussão do escândalo de corrupção que ficou conhecido como “FIFAgate”, o mais grave escândalo da história da Federação Internacional de Futebol Association (FIFA) (BAYLE, E & RAYNER, H., 2016), deflagrado em 2015 e que resultou na prisão de dirigentes esportivos sul-americanos, entre eles o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin.

Um exemplo de como a moral é incorporada na sociedade é que no caso da prisão dos dirigentes esportivos envolvidos no esquema de corrupção “”FIFAgate”, eles foram cobertos por um lençol ao saírem presos do hotel em que estavam hospedados na Suíça para o Congresso Anual da FIFA. Os dirigentes tinham prestígio e, pela visão dos que os acobertaram literalmente, não poderiam ser vistos presos à medida que a divulgação da imagem destes sendo levados pela polícia causaria constrangimento às suas honras e diminuição de suas credibilidades.

A partir da repercussão do caso “FIFAgate”, comecei, em 2018, a pesquisa empírica com participantes sociais do futebol (jogadores, árbitros, técnicos, membros de comissões técnicas, dirigentes, cronistas esportivos e torcedores). Estes participantes dos grupos sociais do futebol responderam perguntas sobre se consideravam que havia corrupção no futebol, se tinham conhecimento sobre algum caso de corrupção no futebol, sobre se tinham conhecimento do caso “FIFAgate”, sobre se consideravam que a corrupção no futebol era uma particularidade do Brasil e dos países periféricos ou se a corrupção no futebol também podia ser observada nos países do centro (WALLERSTEIN, 2012), sobre se a relação deles com o futebol havia mudado e como havia ficado após a descoberta de escândalos de corrupção no futebol e sobre como ficavam sabendo de escândalos de corrupção no futebol.

Capa da série “El Presidente”, da Amazon Prime, sobre o “FIFAgate”. Imagem: Divulgação

Essas questões são importantes porque, em hipótese, influenciam a percepção dos participantes sociais do futebol sobre a corrupção no futebol. Outra hipótese é que a diferença centro-periferia importa para a relação prática dos participantes sociais do futebol com o esporte. O “FIFAgate”, que serviu de mote para induzir o tema da corrupção no futebol, é um exemplo de “escandalização”, que  ao contrário da hipótese para a qual se apontava, foi percebida por menos de 50% dos participantes sociais do futebol entrevistados.

Mas diante de muitas respostas que revelaram que muitos entrevistados desconheciam o caso “FIFAgate”, passei a me concentrar no que os entrevistados tinham a dizer sobre a corrupção no futebol, afinal, apenas um entrevistado não respondeu a pergunta sobre se consideravam que existia corrupção no futebol, no que todos os outros entrevistados foram incisivos em afirmar que a corrupção no futebol existe sim. Portanto, a pesquisa se concentrou em observar, sob a perspectiva da sociologia da moral, as percepções dos participantes sociais do futebol sobre a corrupção no futebol.

Portanto foi o campo da pesquisa, o contato e as respostas dos participantes sociais do futebol entrevistados que direcionaram o caminho por onde eu comecei a trilhar com as percepções sobre corrupção no futebol. O percurso da pesquisa começou na disciplina de Metodologia Científica, ministrada pela professora Luciane Soares, quando foi passada uma atividade em que eu teria de entrevistar três pessoas sobre o meu tema de pesquisa. Meu orientador Roberto Dutra teve a ideia de eu entrevistar um dirigente, um atleta e um torcedor. Depois, indicou o acréscimo dos árbitros como entrevistados. E eu abri o campo de entrevistados para os técnicos e membros de comissões técnicas.

Jean Poupart afirma:

“A entrevista de tipo qualitativo se imporia entre as ‘ferramentas de informação’ capazes de elucidar as realidades sociais, mas, principalmente, como instrumento privilegiado de acesso à experiência dos atores” (POUPART, 2008: 216)

E continua:

“O uso dos métodos qualitativos e da entrevista, em particular, foi e ainda hoje é tido como um meio de dar conta do ponto de vista dos atores sociais e de considerá-lo para compreender e interpretar as suas realidades. As condutas sociais não poderiam ser compreendidas, nem explicadas, fora da perspectiva dos atores sociais. A entrevista seria, assim, indispensável, não somente como método para apreender a experiência dos outros, mas, igualmente, como instrumento que permite elucidar suas condutas, na medida em que estas só podem ser interpretadas, considerando-se a própria perspectiva dos atores, ou seja, o sentido que eles mesmos conferem às suas ações”. (POUPART, 2008: 216-217)

Por fim, o autor diz que:

“Além de suas próprias interpretações, o pesquisador se encontra, portanto, diante não de uma, mas de várias interpretações de uma mesma realidade, já que cada pessoa ou grupo é capaz de dar uma interpretação diferente sobre ela”. (POUPART, 2008: 218)

Os entrevistados foram categorizados como participantes sociais do futebol, uma categoria que criei a partir de um conhecimento prévio sobre o futebol e seus atores sociais, que participam direta e indiretamente do campo de jogo e tudo o que envolve o esporte mais popular do mundo. Cada entrevistado tem uma participação específica no futebol e pode falar mediante sua experiência dentro ou fora de campo.

O objetivo geral da pesquisa é observar as percepções dos participantes sociais do futebol sobre os processos de construção social dos escândalos de corrupção no futebol. Uma das questões da pesquisa é saber como são essas percepções dos participantes sociais do futebol sobre os processos de construção social dos escândalos de corrupção no futebol, ou seja, o que eles percebem como corrupção no futebol.

A metodologia utilizada é a pesquisa qualitativa, com a realização de entrevistas semiestruturadas nos anos de 2018 e 2019. Um resultado da pesquisa empírica foi que o tipo de corrupção no futebol mais citado pelos entrevistados foi a manipulação de resultados de jogos de futebol, com 15 citações.

As entrevistas foram realizadas das seguintes formas: 18 entrevistas foram gravadas em um estádio de futebol; 14 entrevistas foram feitas mediante o envio de formulário online do Google Forms; cinco entrevistas foram feitas por WhatsApp; quatro entrevistas foram feitas pessoalmente com anotações das respostas espontâneas e posterior transcrição destas; duas entrevistas foram feitas mediante a entrega de formulário impresso em um bar que exibe jogos de futebol; duas entrevistas foram feitas por e-mail; e duas entrevistas foram feitas pelo bate-papo do Facebook (Messenger).Foram realizadas 47 entrevistas no total. Foram entrevistados 25 torcedores de futebol; sete atletas de futebol; cinco dirigentes de futebol; três treinadores de futebol; dois ex-árbitros de futebol; dois  preparadores físicos de futebol; dois cronistas de futebol; e um ex-supervisor de futebol.Os entrevistados foram escolhidos entre pessoas do meu convívio, quem eu tinha conhecimento que gostavam de futebol no caso dos torcedores,  com quem eu já havia conversado sobre futebol e sabia que tinham um certo envolvimento com o esporte. Portanto, esses torcedores, que em sua maioria frequentam estádios, foram contactados a princípio com o envio do formulário Google Forms, que foram enviados para aproximadamente 50 pessoas, sendo que 14 pessoas responderam.

Outros entrevistados, alguns destes com os quais obtive contato pela primeira vez, foram abordados no estádio Ângelo de Carvalho, do Campos Atlético Associação (Roxinho), de Campos dos Goytacazes-RJ, no jogo contra o Pérolas Negras pela Série B2 do Campeonato Carioca 2018. Outros dois entrevistados neste dia faziam parte da Torcida Organizada Sangue Roxo, do Roxinho. Estas duas pessoas eu já conhecia.

Um outro entrevistado eu conheci também em um estádio, desta vez no Ary de Oliveira e Souza, do Goytacaz, de Campos dos Goytacazes-RJ, em um amistoso entre Goytacaz e Campos em 2018. Peguei o e-mail desta pessoa e enviei um formulário do Google Forms. A maioria dos entrevistados é do meu rol de contatos em Campos dos Goytacazes, por mais que alguns deles já não morassem em Campos, casos de um que mora atualmente em Niterói e outro que mora na cidade Hamamatsu no Japão.

A maioria dos atletas entrevistados jogava à época em que foram entrevistados no Roxinho. Alguns deles já haviam passado pelo Roxinho e na oportunidade em que foram entrevistados já atuavam por outra equipe. Por sugestão do membro da banca da defesa do projeto de dissertação, Rodrigo Monteiro, fui ao estádio do Goytacaz em um dia de treino, mas o treino iria começar depois de mais de uma hora – o horário que haviam me informado estava errado – e não pude esperar.

Portanto, o meu conhecimento e minha vivência no Roxinho foram fundamentais para que eu pudesse conseguir entrevistados para a pesquisa. Voltei ao Roxinho, entre tantas outras vezes, mais duas oportunidades especificamente para realizar entrevistas. Uma no primeiro jogo da decisão do acesso para a Série B1 contra o Maricá e outra em uma confraternização de fim de ano, ambas em 2018. Nesta confraternização de fim de ano, por exemplo, onde estavam alguns atletas, membros de comissão técnica, técnico, ex-árbitros, entre outros participantes sociais do futebol, consegui de uma só vez 10 entrevistas gravadas.

Esta pesquisa foi realizada para a dissertação do mestrado em Sociologia Política na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e resultou na publicação do e-book Corrupção no Futebol, deste autor, lançado no dia 29 de julho de 2020. Os resultados da pesquisa serão divulgados no próximo texto da série Corrupção no Futebol, a ser publicado no próximo mês com exclusividade aqui no Ludopédio.

Referências Bibliográficas

BAYLE, Emannuel; RAYNER, Hervé. “Sociology of a scandal: the emergence of “FIFAgate”. In: Soccer & Society. Routledge, Volume 19, 2018. 

WALLERSTEIN, Immanuel. “A análise dos sistemas-mundo como movimento do saber. Em: Vieira, P. A., Lima Vieira, R., & Filomeno, F. A. (Org.). O Brasil e o capitalismo histórico: passado e presente na análise dos sistemas-mundo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.

POUPART, Jean; e outros. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Wesley Barbosa Machado

Nascido no dia 23 de junho de 1981 em Campos dos Goytacazes-RJJornalista, Escritor e Compositor.Torcedor do Botafogo do Rio de Janeiro, do Roxinho de Campos dos Goytacazes-RJ e do Arsenal da Inglaterra.Co-Autor do Livro de Crônicas do Botafogo, "A Magia do 7" (Editora Livros Ilimitados, 2011) e Autor dos Livros "Saudosas Pelejas: A História Centenária do Campos Athletic Association" (Edição do Autor, 2012), "Botafogo, Roxinho e Outros Textos Sobre Futebol" (Edição do Autor, 2020) e "Corrupção no Futebol" (Edição do Autor, 2020).Autor das Músicas sobre Futebol: "Oração do Futebol", "Samba do Senta" e "Gol do Maurício"; e do Hino Oficial do Campos Atlético Associação (Roxinho).Criador e Administrador dos Projetos Campos OnLine (@campos.online no Instagram); Campos de Bola (@camposdebola no Instagram); Bola Carioca (@bolacarioca no Instagram e /bolacarioca2020 no Facebook), Coleção Botafogo(/colecaobotafogo no Facebook); Blog Campos Fichas Técnicas (camposfichastecnicas.blogspot.com.br); Blog Pérolas Futebol e Causos (perolasfc.blogspot.com.br); e Blog Estrela Solitária no Coração (estrelasolitarianocoracao.blogspot.com). Fundador, Autor e Editor do Site Viva La Resenha (vivalaresenha.wordpress.com). Produtor do Podcast Camisa Oito (@camisaoito no Twitter).

Como citar

MACHADO, Wesley Barbosa. Trabalho de campo: percurso da pesquisa sobre corrupção no futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 135, n. 53, 2020.
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