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Um palco para a dança das deusas

Marco Lourenço 10 de julho de 2012

Às vésperas de sediar a Copa do Mundo da FIFA, o Brasil abriga uma agitada discussão acerca da construção dos estádios e de toda infra estrutura em torno do evento.

A cidade de São Paulo foi oficialmente confirmada como sede de abertura em 20 de outubro de 2011, após quase cinco meses do início das obras do novo estádio do S.C. Corinthians Paulista. O Itaquerão, como vem sendo chamado, foi escolhido como o estádio da abertura, em meio a uma turbulenta disputa de bastidores que envolvem a FIFA, CBF e o Clube dos 13.

Dentre os assuntos mais debatidos está a obtenção de uma isenção fiscal da prefeitura de São Paulo que se reverte no valor de 400 milhões de reais. Concessão que tem sido extremamente criticada por diversos setores da sociedade civil e órgãos de imprensa.

Para além desta trincheira de interesses e domínios entre o público e o privado, outra contestação tem sido amplamente levantada: o incentivo à construção de um novo estádio em cuja cidade que possui outros estádios aptos às competições internacionais como o Morumbi e Pacaembu – sem falar no Parque Antárctica, em reforma.

Fachada do Pacaembu. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Um dos temores é a obsolescência do estádio municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu. O fato irreversível é que o estádio não receberá mais partidas do Corinthians, seu principal locatário. Com os três grandes clubes da capital mandando seus jogos em seus próprios estádios, o Pacaembu se tornaria ocioso e ainda oneroso. Situação semelhante aos estádios construídos na África do Sul em 2010, e em Pequim, em 2008.

Um exemplo pouco citado nessas discussões, embora surpreendente, é o caso do Estádio Olímpico de Munique, o qual eu pude visitar. O Estádio Olímpico faz parte do projeto do Parque construído para os Jogos Olímpicos de 1972.

Com capacidade de 69 mil lugares, o Estádio tornou-se um vazio que dificilmente é ocupado. O estádio que outrora recebia partidas da Bundes Liga e a Copa da Alemanha, hoje cedeu lugar ao sofisticado e imponente Allianz Arena construído com o propósito de abrigar a abertura da Copa de 2006. Desde sua inauguração em abril de 2005, os dois principais times da cidade, o modesto TSV 1860 Munique e o milionário Bayern de Munique, passaram a mandar todos seus jogos na Arena.

Fotos: Marco Lourenço.

Construído sobre o terreno do antigo aeroporto de Munique, o Parque ainda preserva uma antiga torre de comunicação e se beneficia com a rede de transportes que facilita o acesso. Desde a sua inauguração o parque recebeu mais de 180 milhões de visitantes, sendo que em 2011 foram 4,2 milhões – números que incluem todos os eventos realizados, sejam de natureza esportiva, cultural ou comercial.

Fotos: Marco Lourenço.

O parque foi planejado como um símbolo da região da Bavária. Nele ergueu-se com o entulho de concreto da segunda grande guerra um relevo montanhoso à imagem dos Alpes ao sul do país. Também contemplados no cenário bávaro, os lagos possuem mesma extensão da cobertura de aço do Parque que percorre a distância entre a entrada e uma faixa da arquibancada do estádio.

O que chama ainda mais a atenção é que o esvaziamento do estádio de futebol contradiz a ideia inicial concebida em 1968, que previa a construção dos 85 mil m2 do Parque como um bem do município, que seria aproveitado plenamente após as competições de 1972.

Essa intenção foi bem sucedida em todas as instalações do Parque, com exceção do Estádio Olímpico, onde as atividades periódicas se resumem às visitas turísticas: as piscinas e quadras poliesportivas foram abertas à população; as residências olímpicas masculinas foram postas à venda para a população e as residências femininas se tornaram alojamentos para estudantes universitários; e o hall de entrada passou a ser um requisitado centro de eventos.

Entretanto, no ano em que completa seu quadragésimo aniversário, o Estádio ainda esboça pulsão de vida. No dia 17 do mês de maio deste ano foi realizada a final da Liga dos Campeões de futebol feminino, entre Olympique Lyonnais x FFC Frankfurt, e o palco foi o Estádio Olímpico de Munique. A expectativa de um bom público em solo alemão era justificada pelos dois recordes de público em 2009, nas partidas: FCR 2001 Duisburg x Zvezda-2005, (28.112 espectadores) e FFC Frankfurt x Umeå IK (27.400 espectadores). O resultado foi um grande espetáculo para mais de 50 mil pessoas que praticamente lotaram o tradicional estádio de Munique.

Lyon é campeão da Champions League de 2011.Foto: James Ward – JWP Sports.

Os bons números de público não apenas reiteram o lugar de destaque do esporte no país de Franz Beckenbauer. Sabe-se que a receita gerada pela modalidade feminina é infinitamente inferior à masculina, mas o crescimento do interesse pelo futebol feminino e as costumeiras boas campanhas da seleção alemã em competições internacionais indicam uma possível solução.

Esta alternativa para o uso do Estádio em Munique pode ser aplicada ao Pacaembu? De fato ela vem sendo minimamente aplicada nos últimos anos com o Torneio Internacional Cidade de São Paulo. A competição que chegou em 2011 à sua terceira edição ainda exibe números pouco entusiasmantes e conta com uma discreta cobertura e divulgação pela imprensa esportiva.

O torneio disputado por apenas quatro seleções levou à final aproximadamente 10 mil espectadores numa tarde de domingo. A TV Bandeirantes que transmitiu todas as partidas levou 7 pontos no Ibope, atingindo apenas o quarto lugar da audiência, atrás do Domingão do Faustão (TV Globo, 14 pontos), Programa do Gugu (Record, 9 pontos) e Roda a Roda (SBT, 7 pontos).

O uso pontual e ainda incipiente do Estádio neste caso não pode distorcer a possibilidade de oficializar o Pacaembu como estádio do futebol feminino. Trata-se de uma ideia que precisa ser trabalhada sobre outro ponto de vista. Para salvar o Pacaembu é preciso dar luz à modalidade feminina*.

Seleção brasileira feminina no Pacaembu em jogo válido pelo Torneio Cidade de São Paulo. Foto: Sportpromotion.

Um caso emblemático das diversas vicissitudes que o futebol feminino enfrenta é o time do Santos FC. O fechamento do departamento de futebol feminino do clube no início deste ano revela a dificuldade na captação de recursos através da esfera privada. O montante necessário para a manutenção do time de Marta e Cia circulou na imprensa esportiva equivale entre um (R$1,5mi) a oito meses (R$12mi) da parte do salário pago pelo time da Vila Belmiro ao jovem Neymar.

Mesmo no ano em que o clube da baixada santista completa seu centenário, e após uma série de três títulos consecutivos no biênio 2010-2011 (Campeonato Paulista, Copa do Brasil e Taça Santander Libertadores), o futebol feminino padeceu do enorme desinteresse e fechou suas atividades. Na ocasião, o presidente do Santos FC, Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro, lamentou a carência de investidores e acusou o abandono do poder público e da própria entidade máxima do futebol brasileiro, a CBF.

Santos comemora o título do Torneio Internacional Interclubes de 2011. Foto: Bruno Miani – ZDL.

Diametralmente oposta está a atuação do programa de desenvolvimento do futebol feminino da UEFA (WFDP). Steffi Jones que foi uma das principais futebolistas alemãs tornou-se embaixadora da WFDP e a ex-atleta norueguesa Karen Espelund tornou-se membro do Comitê Executivo da UEFA.

Longe de ser uma transformação radical no quadro executivo da UEFA, o programa de desenvolvimento busca aproveitar o crescimento do interesse na modalidade injetando recursos nas federações filiadas. Em 2011 foram 50 mil euros para cada entidade nacional e é previsto para o período de 2012 a 2016 um investimento em torno de 22 milhões destinados à formação das atletas.

Este cenário ainda é bem distinto deste que vemos protagonizar Conmebol e CBF. Neste caso, é preciso pensar como uma questão pública a ser protagonizada pelo poder público, tanto pela prefeitura de São Paulo quanto pelo Ministério dos Esportes.

Desenvolver políticas públicas de fomento ao esporte na escola e ampliar os recursos são bordões que são igualmente utilizados e não cumpridos pelas autoridades esportivas. Uma iniciativa pontual, como o projeto da Caixa Econômica Federal, “Guerreiras Grenás”, que promete levar R$ 360 mil à Liga Araraquarense de Futebol Feminino, não se sustentará sem o respaldo de um plano mais amplo e a longo prazo. Afinal, é preciso pensar o esporte brasileiro como algo mais importante para o país.

* Este tema é uma das propostas de trabalho do LUDENS (Núcleo de Interdisciplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Como citar

LOURENçO, Marco. Um palco para a dança das deusas. Ludopédio, São Paulo, v. 37, n. 3, 2012.
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