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Uma breve retrospectiva do futebol de mulheres no Brasil (2015-2017)

Mayara Maia 13 de janeiro de 2018

Comecemos pela seleção brasileira na última Copa do Mundo em 2015. De olho em seu grande rival, os EUA e nas Olimpíadas de 2016, a CBF decidiu criar a “Seleção brasileira feminina permanente”. Juntou, então, uma equipe que se dedicaria exclusivamente para a seleção e que disputaria o torneio olímpico de futebol feminino em 2016, além do Mundial no Canadá. Finalmente estavam olhando para a seleção de mulheres e investindo em qualidade? Acredito que sim, mas quanto tempo foi gasto para o planejamento dessa ação e o quanto pensaram no contexto local que seria aplicado? Emily Lima, que no período era técnica do São José, se posicionou contra a ação: “eles deveriam ter pensado um pouco mais nisso. […] É positivo para a seleção brasileira? Se caso nós conseguíssemos ganhar Mundial e Olimpíadas, que é o ideal que aconteça, pode ser, mas caso não venham os títulos, fracassou tanto o projeto com a seleção permanente quanto o desenvolvimento do futebol feminino nesses dois anos que os clubes ficaram sem atletas de seleção”.

Ainda em 2015, ocorreu o início da manutenção do Torneio Internacional, a participação da seleção na Copa Algarve (O Brasil participou em 2016 também) e houve um aumento significativo de amistosos preparativos para as competições. Mas, após a derrota contra a Austrália nas oitavas de finais da Copa do Mundo no Canadá e a eliminação do Brasil nas Olimpíadas do Rio de Janeiro durante a semifinal para a Suécia, a CBF precisou discutir a extinção da seleção permanente e planejar bases mais complexas, passando por estruturar campeonatos, clubes, calendários mais ativos, entre outros pontos que a FIFA já aconselhava.

Diante da frágil fase brasileira, transformações pelo mundo traziam alguns sinais de crescimento da modalidade ainda no final de 2016. Algumas delas foram as ações da neozelandesa Sarai Bareman na direção do novato departamento de futebol feminino da FIFA e o novo regulamento de licença de clubes da Conmebol que informou aos Clubes a regra de ter e manter um time de mulheres no futebol se quiserem jogar a Libertadores, prevendo um período de adaptação de dois anos e, portanto, entrando em vigência em 2019.

Manaus – AM – 29/04/2017 – BRASILEIRÃO CAIXA 2017 – ESPORTES – Jogo 121, Grupo 07 da Série A1 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino “Brasileirão Caixa 2017”, partida de ida da semi-final entre, E.C. Iranduba da Amazônia X Santos F.C., realizado na Arena da Amazônia em Manaus, AM; válido pelo grupo 07 do Brasileirão Feminino 2017 A1. Foto: BRUNO KELLY/ALLSPORTS
Casa cheia em Manaus para a partida de ida da semi-final entre, E.C. Iranduba da Amazônia x Santos F.C. Foto: Bruno Kelly/ALLSPORTS.

A partir desses e outros acontecimentos, o Brasil entrou em uma nova fase de sua história com suas mulheres: a jogadora Formiga se despedia da seleção brasileira; a Copa do Brasil foi encerrada; campeonatos estaduais aconteciam pelo país sem muita divulgação; Iranduba teve mais de 40 mil torcedores em 2016 torcendo pelas mulheres; o Flamengo/Marinha foi campeão brasileiro e o Corinthians Osasco Audax conquistou a Copa do Brasil; as transmissões de jogos da seleção e de grandes campeonatos pela internet ganharam força; a diretoria de competições da CBF anunciou o lançamento do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, com a formação de duas divisões, com 16 times em cada; o treinador Osvaldo Alvarez (Vadão) e o coordenador técnico Fabrício Maia foram dispensados da seleção; depois de 30 anos de existência da seleção brasileira, pela primeira vez uma mulher, Emily Lima, assumiu o cargo de técnica da seleção brasileira principal; foi formado um grupo de Trabalho Futebol Feminino do Comitê de reformas do Futebol Brasileiro; e até hoje, há ausências de cumprimento das ações propostas pelo grupo; a CBF informou a necessidade de reformulação no futebol de mulheres e finalizamos, brasileiras campeãs do Torneio Internacional de Manaus. 2017 nem tinha começado e já prometia muitas coisas para esse universo.

bola giroDois pontos específicos discutidos logo no início do ano de 2017 foi o método de decisão sobre os clubes participantes do Brasileirão e a paralisação da Copa do Brasil adulta que excluiu muitos times brasileiros, deixando-os sem outras competições nacionais para atuarem. Para o Brasileirão, em vez de considerarem o ranking feminino, a entidade resolveu se basear na classificação final da série A masculina de 2016, favorecendo grandes Clubes de times masculinos que não participavam da história do futebol de mulheres, em desfavorecendo clubes que investem na modalidade há anos. Sei que há muitos pontos a serem discutidos em relação ao clubismo, mas fica evidente que foi mais uma forma de favorecimento próprio da entidade e busca rápida por resultados.

Mas, apesar de ações como estas planejadas de maneiras inadequadas para o futebol no geral, a CBF parecia cumprir a certo nível ideais aliados às propostas da FIFA, ao nomear Emily Lima como técnica, realizar atividades como encontros dos técnicos das seleções brasileiras, seminários internacionais sobre futebol e transmissões dos jogos pela CBF TV, alcançando 2 milhões de espectadores durante o Torneio Internacional de Manaus, ao criar o torneio de Desenvolvimento do Futebol para as categorias de base, além de outras ações…

Emily realizou o planejamento de 2017 que ainda não estava feito pelo antigo técnico (Vadão), o que atrasou a atuação da seleção e trouxe desafios para a técnica em procurar separar ao máximo suas ações dos períodos data FIFA; procurou aliar o calendário adulto com o calendário das categorias de base; fez etapas de treinamentos na granja Comary e algumas foram realizadas somente com jogadoras que atuavam pelo Brasil. As etapas foram divididas por Estado, iniciando desde fevereiro; acompanhou campeonatos estaduais e nacionais, alcançou o número de 7 vitórias consecutivas e o Título do Torneio Internacional; investiu junto a sua comissão técnica na criação de um banco de dados das jogadoras para convocações; trouxe estudos novos de táticas avançadas do futebol contemporâneo e de outros aspectos em busca de profissionalização das jogadoras.

Mas, como Emily estava trabalhando bem e muito, isso incomodou e ameaçou interesses de representantes da CBF que são contrários aos interesses do futebol de mulheres no Brasil. E as quedas repetinas e decepcionantes voltaram a surgir… A CBF não se interessou pela Copa Algarve em 2017, o que entristeceu e diminuiu a aceleração da seleção que seguiu apenas com direito aos amistosos para 2017 e a CBF, sem apresentar justificativas para o público, dispensou a técnica e renovou com o Vadão.

Tantos giros, tantas fases de pequenas conquistas e significativas derrotas fora do campo para o futebol do Brasil que 24 jogadoras atuantes na seleção emitiram uma carta aberta à CBF solicitando a continuação da Emily após derrota em amistosos e cobrando melhores condições e com a recusa dos pedidos, algumas atletas sentiram como estopim de suas frustrações o afastamento da técnica Emily. Cristiane Roseira, Rosana Augusto, Andreia Rosa, Maurine e Franciele anunciaram através da rede social Instragram suas lamentações pela despedida precipitada da seleção por não aguentarem mais injustiças. Esses atos repercutiram mundo a fora.

Uma nova carta, sendo de ex-atletas da seleção, foi escrita e divulgada.

“Nós convidamos a CBF a trazer reformas de igualdade de gênero para o Brasil. No ano passado, a FIFA fez grandes reformas, como a inclusão obrigatória de mulheres em seu próprio Conselho, e a adição de mulheres em todos os níveis de administração do futebol. […] A CBF ainda não tem nenhuma mulher no seu conselho de administração. Não há quase nenhuma mulher na sua assembleia legislativa e administração senior. Não há nenhum caminho relevante para ex-jogadoras entrarem na CBF e ajudarem a gerir o próprio jogo delas. […] Os eventos da última semana — onde as vozes das jogadoras foram ignoradas, e algumas agora estão se aposentando em protesto — são o resultado de um longo histórico de portas fechadas […]”.

As jogadoras Marcia Tafarel; Sissi do Amor Lima; Juliana Ribeiro Cabral; Miraildes Maciel Mota (‘Formiga’); Cristiane Rozeira; Francielle Manoel Alberto; Rosana dos Santos Augusto e Andréia Rosa de Andrade e a professora Silvana Goellner (pesquisadora brasileira de estudos sobre o futebol de mulheres) escreveram documentos solicitando algumas mudanças como o respeito da entidade às reformas internacionais de governança, incluindo mulheres em todos os níveis de tomada de decisão; a construção de um caminho inclusivo para o jogo para as mulheres que praticaram o esporte durante toda a vida e a criação de um Comitê de Futebol Feminino dentro da CBF com poderes para construir a estrutura de como o futebol feminino deve ser desenvolvido, organizado e gerenciado no Brasil.

A repercussão gerou um diálogo direto com a CBF através de reuniões. A entidade aceitou uma sugestão delas e criou um comitê com objetivo de pensar no desenvolvimento da modalidade no País. Mas logo a própria CBF, assim como fez com a Emily, mostrou uma administração suja. Atendeu alguns dos pontos e depois de apenas 3 reuniões em dois meses, decidiu extinguir o Comitê através de uma portaria assinada por Marco Polo Del Nero, então presidente da CBF, no fim de novembro de 2017, sem dar explicações para o encerramento.

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Emily quando era treinadora da seleção em evento da CBF. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Com as normativas da Conmebol e da FIFA desde 2016 e agora, pela CBF e o ProFut, para investimento dos Clubes no futebol de mulheres, muitos Clubes brasileiros já anunciaram a formação de seus times de mulheres e/ou investiram mais fundo na qualidade de suas equipes. O Santos FC, por exemplo, conhecido como um dos maiores incentivadores da modalidade, iniciou o ano divulgando o elenco e inaugurando o novo alojamento na Vila Belmiro, além da organização para a formação de categorias de base. O time Iranduba da Amazônia também tem alcançado numerosos públicos em seus estádios e investido consideravelmente em seu time de mulheres. Clubes como Internacional e Grêmio, na região sul do país, de maneiras diferentes, ressurgiram seus times de mulheres e estão investindo. Outros Clubes procuraram estratégias e se aliaram em algumas competições, alcançando importantes conquistas como o time do Audax/Corinthians que foi campeão da Copa do Brasil de 2016 e conquistou a Libertadores em 2017. Em contrapartida, times como o Santa Cruz de Recife que iniciaram seus times em 2015/2016, em pouco tempo fecharam seus departamentos de futebol feminino; O Cruzeiro de Macaíba surgiu, cresceu e conquistou pelo Rio Grande do Norte, mas já sabia que mesmo se alcançasse o Estadual, não teria chance de participar do Brasileirão, entre tantos outros exemplos silenciados pelo país.

Com um olhar mais geral, resumido e menos profundo, sendo uma breve retrospectiva de títulos em competições, o ano de 2017 é afirmado pelos diversos campeões locais do país e por competições que não se seguiram por falta de estrutura e até jogadoras; pela conquista do Santos na série A1 do brasileiro e a do Pinheirense do Pará na série A2; pela paralisação da Copa do Brasil e pela  ausência de participação de muitos times em uma competição nacional; pela vitória do Audax/Corinthians na Libertadores e pelas normas da Conmebol surtindo efeitos positivos; por clubes que se revoltaram com as normas da Conmebol; pela conquista da seleção no torneio da China, jogando contra times abaixo de seu ranking e pela ausência de participação da seleção na Copa Algarve onde jogaria contra times acima de seu ranking… E, a todo momento, pelas distintas brigas de poderes e pela constante luta de mulheres e outros admiradores da modalidade. Uma montanha-russa na qual os torcedores muitas vezes se perdem no caminho sem saberem o que esperar, temerosos ou ansiosos, alguns já podem recorrer com mais alcance à mídia alternativa que tem crescido consideravelmente nesse contexto do futebol. Ignorando, torcendo contra ou a favor… são espectadores desse futebol.

De fato, desde 2015, o Brasil tem alcançado maior incentivo e investimento no futebol de mulheres do que outras épocas. Entretanto, as correntes dos descasos, desrespeitos, do machismo e do gosto pelo poder, ainda se fazem mais presentes que as questões financeiras influenciando nos giros e deixando difícil enxergar o presente com clareza sobre os percursos que sua montanha-russa vai apresentar para 2018. O campeonato Brasileiro vem aí, a Copa América também… O que de fato aconteceu até agora? O que vai acontecer? Sabemos, registramos e lembramos apenas alguns pontos, saímos atordoados.

O que eu faltei dizer, por favor, conte-me! Deve ter acontecido em algum momento em que eu fechei os olhos com medo das quedas decepcionantes ou que fiquei sem o conhecimento pelo silêncio de notícias… Ou mesmo, não citei porque ainda não assimilei… Dialogar com as transformações é preciso, não nos calar com a má qualidade e os descasos, estudar as acelerações e os freios inesperados, registrar os acontecimentos, alcançar recursos avaliadores e ponderar os impactos e os efeitos dos donos do jogo são ações necessárias para buscarmos alcançar tensões impulsionadoras. É preciso ter, além e antes da técnica, uma contrapartida cultural que constantemente derrube velhos e enferrujados pensamentos e abrace novos  e qualificados planejamentos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Mayara Maia

Doutoranda em Ciências do Movimento Humano pela UFRGS; mestre em Estudos da Mídia pela UFRN; graduada em Educação Física pela UFRN. Eterna atleta e apreciadora de imagens do movimento humano, apaixonada por esportes, aventura e pelas telas do cinema.

Como citar

MAIA, Mayara. Uma breve retrospectiva do futebol de mulheres no Brasil (2015-2017). Ludopédio, São Paulo, v. 103, n. 13, 2018.
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