Este é o artigo número 9 da série “Deuses do Futebol”, no qual o autor busca fazer o sincretismo de jogadores míticos brasileiros, com os santos e entidades cultuados no Brasil em diversas religiões.
São Jerônimo, também conhecido como Jerônimo de Estridão, foi um teólogo, historiador e intelectual da igreja católica, que viveu durante o declínio do Império Romano. Foi, em essência, um eremita, que peregrinou pela Europa, Asia e África em busca de erudição e conhecimento.
Geralmente os santos da igreja são canonizados com base em um milagre, o que não é o caso de Jerônimo. Seu reconhecimento como santo vem do conjunto de sua obra em vida, tendo o seu principal trabalho sido a tradução da bíblia do hebreu para o latim.
Durante sua vida como eremita, Jerônimo se esforçou para aprender o máximo de línguas que pôde, como grego, hebreu, latim e línguas latinas. Foi um escritor prolífico, cronista de biografias, tradutor de textos religiosos importantes. Entretanto, suas traduções eram recheadas de comentários e adendos, pois seu intuito era levantar questões, mesmo que polêmicas, buscando sempre a verdadeiro significado dos textos originais.
Por isso mesmo, nas cidades por onde passava, arranjava inimigos diversos, criando polêmicas e desavenças intelectuais. Jerônimo buscava sempre se ater à verdade, independente de alianças políticas.
Seu comportamento o levou a viver definitivamente como eremita, tendo passado muitos anos nos desertos da África próximos à cidade de Alexandria, no Egito.
Sua iconografia em quadros e imagens é sempre acompanhada de livros, e um leão. Conta ainda uma lenda que, sentado próximo a uma caverna no deserto, em meio a seus estudos com um pequeno grupo que o seguia, um leão apareceu. Enquanto todos fugiram correndo da fera, Jerônimo notou que o animal andava mancando. Aproximou-se e percebeu que uma das patas tinha espinhos. Jerônimou retirou os espinhos, e tratou de sua pata com água morna. O leão, símbolo da violência e ferocidade, foi domado pelo conhecimento e a justiça com que Jerônimo o tratou.
Tanto na Umbanda quanto no Candomblé, São Jerônimo é sincretizado com Xangô. O Orixá da justiça, dos raios e do fogo. Tem como símbolo maior em sua iconografia o Oxê, um machado de dois gumes, sendo portanto um símbolo da justiça. A balança de Xangô, o machado pode cortar para os dois lados, seja para quem acusa, seja para o acusado. Xangô é um Orixá forte, valente, destemido e violento, porém justo. Uma das qualidades de Xangô no culto iorubá é Jakutá, que seria a mão (justiça) de Olorum. Xangô na forma de Jakutá foi enviado por Olorum para terminar com uma disputa entre Oxalá e Oduduá, que eram as divindades designadas por Olorum para a criação dos homens.
Xangô, por ter tido sua passagem na terra como homem, é cultuado, e mesmo entendido, como o criador do Egungun, tradição que cultua o espírito das pessoas importantes mortas que retornam à terra. O culto aos ancestrais iorubás. A ancestralidade é a fonte de todo o conhecimento e sabedoria, e a fonte da justiça.
Xangô é também o Orixá dos raios, como representação da sua força, e como o gerador do fogo, o conhecimento que advém dos céus.
O sincretismo de São Jerônimo e Xangô, no futebol, só pode ser feito com Sócrates.
Doutor do conhecimento, é o intelectual que buscou a democracia e a justiça, dentro e fora dos campos. Imortalizou a camisa 8, símbolo do infinito, e claramente um Oxê, o machado de dois gumes da Xangô. Machado que o próprio Sócrates simbolicamente segurava, ao comemorar seus gols com o punho cerrado ao alto, evocando justiça.
Assim como São Jerônimo, Sócrates não pode ser canonizado por um milagre exclusivo. Não ganhou nenhuma Copa. Mas o conjunto de sua obra o coloca como a mão direita dos deuses do futebol, clamando por justiça e arte nos campos.