02.10

Caio Vilela (parte 3)

Equipe Ludopédio 30 de abril de 2010

O fotógrafo Caio Vilela nos recebeu em sua casa para uma conversa muito interessante sobre as suas experiências culturais por conta de suas viagens para fotografar. Tendo viajado para 60 países esse paulistano tem muito o que contar. Nessa primeira parte da entrevista conta como se tornou um fotógrafo, dos fatos imprevistos que acontecem durante suas viagens e  de como fazer fotos sobre futebol. Caio lançou recentemente o livro Futebol sem fronteiras pela editora Panda Books e participou com inúmeras fotos na exposição Ora, Bolas! O futebol pelo mundo no Museu do Futebol. Para ver as fotos de Caio publicadas no Ludopédio acesse o perfil dele em nossa Comunidade Ludopédica.

Terceira parte

 

Você tem algum planejamento para algum trabalho no futuro?
 

Tenho um livro de Futebol de Rua no Brasil, que já está… não está no forno mas o material já está semi-feito, falta viajar um pouco mais, fazer um pouco de ícone, tentar flagrar o futebol nos gramadões em frente à Explanada dos Ministérios, Farol da Barra. Vai pegar uns lugares meio cartão-postal porque da uma retratada… da essa pegada de futebol no Brasil inteiro e misturar com as fotos mais criativas, mais inusitadas nos outros lugares. Eu já tenho muito de índio porque eu calhei de trabalhar agora na produção de um documentário, a gente estava refazendo a rota do Lévi-Strauss… a gente visitou várias aldeias diferentes e eu fotografei todo mundo jogando futebol… sem pedir… eu cheguei lá e estavam jogando futebol. Todas. Então, eu fotografei todo tipo de etnia indígena jogando futebol. Já tenho muita criança… tenho do Sul… Tenho uns dez Estados retratados em vários lugares diferentes. Vou fazer um de futebol de rua no Brasil. Devo mudar editora, mas não sei… quero fazer um bonitão, classudo. Para mudar também. Eu gostei desse aqui (Futebol sem fronteiras pela editora Panda Books), mas por um lado eu senti que eu gastei o cartucho. Falei “poxa, podia ter feito um livro mais bonito”. Todo mundo que lê, olha, acha que o livro está bonito. O livro está vendendo muito. Não tenho queixas, mas eu quero fazer um livro bacanudo de fotografia, tipo esse aqui (refere-se ao livro Planeta Fútbol de Andoni Canela e Rodolfo Chisleanschi da editora Blume), livro que eu gostaria ter feito. Tem um cara que fez, chama-se Levon Bizz… não sei se você viu esse que chama “One World”, o livro dele. Talvez você encontre na livraria da Vila, ou nas livrarias bacanas que tem ai na praça. Dá uma folheada. É um Inglês…

É um capa branca?

Atrás é branco e na frente é uma foto. Não lembro do que é a foto. Esse cara fotografou não em tantos países como o meu ou esse aqui, mas ele fotografou muito futebol… a cultura do futebol, não só futebol de rua. Ele fotografou muita torcida na África, na América do Sul. Fotografou em vários lugares e fez um livro com esse espírito… parecido. Um livro bonitão, legal demais… 250 reais. Eu fui lá folhei e falei: “demais, valeu”. Enquanto isso eu via o meu do lado sendo comprado na hora. Nesse dia foi o dia que eu realizei: “tudo bem, faz sentido”. Aqui no Brasil não adianta você criar o Museu do Futebol e o negócio custar caro.

Caio Vilela
Caio Vilela fotografou muitas cenas engraçadas em estádios, além do livro sobre futebol de rua. Foto: Enrico Spaggiari.
 
 

O que você tem pesquisado para esse próximo projeto?

Minhas fontes estão todas na internet e nos caras que eu conheço. Conhece o Carlos Moraes? Ele editou por muito tempo a Ícaro, quando a Ícaro era a única revista de bordo classuda do Brasil. Esse cara é bom, ele ama futebol, ama o Corinthians, está escrevendo um livro agora sobre os 100 anos do Corinthians. Ele está coletando todas as histórias de corinthiano possíveis. Até eu contei uma para ele outro dia que ele falou “ah, vai para o meu livro!”. Eu levei a bisavó de 96 anos no Pacaembu para ver o jogo do Corinthians e não tinha a entrada de idoso e entrei com ela no meio… a hora que estava entrando a torcida uniformizada… eu e a avó.

O futebol profissional você não se interessa, enquanto fotografia?

O futebol profissional é para o cara que é fissurado. Eu não sou fissurado. Sou fissurado em viajar. Eu prefiro muito mais em ir para o Piauí. Vou estar muito mais realizado fotografando o futebol ali na praia no Piauí do que no campo. É claro que a foto no campo o cara que está ali está por dinheiro, o cara está trabalhando, e ele trabalha para FolhaEstadoPlacarLance… esses são os fotógrafos que fotografam. Ele é específico. Ele está lá todo domingo. Ele está lá com uma lente gigante que só serve para isso. Respeito muito o trampo dos caras. E todo cara que está ali ele batalhou muito para estar ali. Esses caras são assim… ele pira no futebol, só que aí ele acaba dentro do jornal, aí ele vai fazer o acidente na BR, vai fazer o político apertando a mão, vai fazer a pauta na favela e todo dia ele: “Oh, posso ir no futebol?” Aí ele galga… ele sobe degraus. O cara passa um ano… Entra um chefe legal: “Poxa, você é legal. Você gosta de futebol. Vamos lá. Vou mandar você fotografar pela primeira vez”. Pega gosto. Volta com um excelente material dedicado. Vai na semana seguinte e aí virou fotógrafo de futebol. Eu acho assim: o cara que está lá dentro fotografando futebol é um cara que gosta, manja e está cada dia melhor. Todo fim de semana ele está lá. Eu não sou um cara chamado para fotografar futebol no estádio, por que tem um monte de cara que, além de ter a lente, tem esse histórico de fotografar futebol.

O Martinelli disse que uma das imagens que ele mais gosta é aquela em que ele viu o Taffarel pegando pênalti do Massaro de olho aberto. De todas as fotos que você viu de futebol, seja profissional, de rua, assim como aquela que foi capa de PLACAR , da árvore no meio do campo…

A história dessa foto você sabe? Essa foto era de algum fotógrafo correspondente de algum jornal daqui e o cara morava na Europa. Aí um pessoal fez um projeto na lei de incentivo. O Ed Viggiani, que é um fotógrafo que manja de futebol… ele faz de tudo, mas ele gosta de futebol, torce para o Corinthians também. Tem até um livro chamado “Brasileiros Futebol Clube”. Na época ele foi organizador desse livro que chama “Brasil Bom de Bola”. É um grandão quadrado e a capa é uma foto da Baía de Guanabara com uma bola do lado. Esse livro é lindo. Muito legal. Livro alto astral. Cada texto é de um autor famoso. Tem a Rita Lee, tem o Tom Zé, tem o Luís Fernando Veríssimo. Vários caras que fizeram um conto ou uma crônica sobre o futebol. E fotos de um monte de fotógrafo. Só que a foto que todo mundo pirou e que ficou famosa do livro que nem era dos autores do livro. O livro tinha a seguinte proposta: cada capítulo do livro vai ser um texto de um cara famoso e as fotos desse fotógrafo. Pegaram vários fotógrafos para clicar o futebol. E a foto que ficou famosa era uma foto que não era de nenhum dos caras. E essa foto foi reproduzida em todo lugar. Todo mundo que pedia uma foto de divulgação do livro queria essa foto. E essa foto ficou por aí. Agora é capa de outro livro. Capa de um livro que saiu agora.

E das quais que você viu qual você mais gostou?

De futebol profissional?

Não necessariamente.

Na exposição tem uma parte que são minhas. 37 são minhas e as outras 14 restantes são de diversos autores da Getty Images. Têm várias legais. Eles pegaram futebol em uns lugares fodas que ninguém foi. Tem uma foto que é um monte de soldado americano jogando com um iraquiano. Essa eu achei sensacional, baita fotojornalismo animal. Tem uma que eu acho mais pedante que é o cara de muleta no Afeganistão chutando uma bola sozinho, como se muleta no Afeganistão fosse… um clichê do Afeganistão. É neguinho fudido. Então não acho tão criativa. A outra, não é que o cara tem uma foto dos iraquianos jogando bola ou dos americanos jogando bola, o cara tem uma foto dos americanos jogando bola com os iraquianos! Imagina você pegar uma em Israel um moleque judeu jogando com os árabes. Simplesmente demais. No espírito daquela propaganda do Itaú. Eu acho isso… me deixa arrepiado, porque acho que o cara conseguiu pegar a alma do negócio. A integração … essa foto já diz tudo… o futebol… todos os clichês que você já escutou, o idioma universal, a religião, está tudo ali, na foto do cara. Foto de futebol profissional, nem acompanho. Se você me falar “Você viu a do jogador…?” Nem sei de que time é esse jogador. Você curte futebol?… Eu vou bastante no Estádio. Adoro ir no estádio. Quer dizer, não vou tanto assim. Eu tenho uns amigos que vão muito. Que vão para ver o jogo. Eu vou pela folia, eu vou pelo amendoim, pela torcida, para levar meus moleques, ai eu vou ao estádio. Pra ver,que eu quero ver o meu time dar o sangue, acho que eu nunca fui. Eu já fui muito no estádio quando… quanto mais exótico é o país mais esforço eu faço para ir no estádio. Nisso eu já vi muito jogo legal. Já vi final de Campeonato na Birmânia, já vi jogo no estádio no Tibete, no Iêmen, na Etiópia, no Irã, no Peru, na Argentina nunca fui, morro de vontade. E no Maracanã nunca fui. Já foi no Maracanã lotado?

Já fomos em um FLA-FLU.

Sensacional. Nunca fui. Não posso morrer… Preciso levar os meus moleques. Preciso levar os gringos, para ver o choque. É mais lustrada a experiência. Umas gringas… Mas nisso eu gosto muito. Já flagrei muitas cenas legais em estádio. Tem muito estádio, por exemplo no Irã, Etiópia também, estava em guerra. Uns países meio tensos militarmente não tem rojão. Rojão ali é alarme falso. Em países muito pobres não tem bandeira, apito, não tem nada. O máximo que tem é a camisa do time comprada em camelô, nem a oficial. Moçambique, eu fui em um jogo no estádio em Maputo que era Moçambique versus Nigéria. 90% da torcida estava torcendo para Moçambique… Não vai uma mulher no estádio em Moçambique. Mulher não vai. Só homem e 90% torcendo para o mesmo time, Moçambique. Sendo que a Nigéria joga dez vezes melhor. A sorte é que deu 0 a 0, porque era para ser uma lavada. Todo mundo estava esperando uma lavada. Torcida da Nigéria tinha uma mulherada de brinco, batom, que era aquela delegação, torcedor com grana, mas Moçambique e eu estava na torcida de Moçambique… Foi mais perigoso que todas as minhas viagens, no Irã, no Iêmen… dois meses no Iêmen não foi mais casca do que duas horas dentro do estádio em Moçambique. Fora o nariz, que nunca mais vai ser o mesmo. Meu olfato foi “estuprado” pelo sovaco de 40 mil moçambicanos. Não tinha um com desodorante lá naquele estádio. Fiz uma matéria para a revista Sexy sobre esta experiência. Quem escreveu na verdade foi um outro cara e eu só usei as fotos, só mandei as fotos. Geralmente as matérias que eu faço são texto e foto. Essa foi uma que não foi. Mas, quando você viajar com certeza faça isso, de ir em um estádio. Na Bahia, uma vez fui na Bahia… muito grande. Você tem que ver o estádio na Bahia. É engraçado demais, cada figura que aparece. Eu fui e conversei com todo mundo. Gostei muito.

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