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As anfitriãs do programa #PorOutroFutebol de mulheres, Juliana Cabral e Silvana Goellner, recebem a única jornalista brasileira presente no primeiro torneio mundial de futebol feminino reconhecido pela FIFA, em 1988, na China.

A única jornalista. Mulher. Negra. Com apenas 22 anos, Claudia Silva Jacobs assinava artigos detalhados esbanjando conhecimento técnico e tático do jogo da seleção e das adversárias.

Mais que uma testemunha ocular, Claudia foi uma aliada das meninas da seleção que em sua maioria não sabiam sequer falar inglês ou haviam saído do país anteriormente. Claudia é o farol de todas que pesquisam as #PioneirasnaChina. Entre nessa viagem no tempo do futebol de mulheres no Brasil!


Entrevista

Marco:  Boa tarde, ou boa noite, esse é mais um Ludopédio em casa, estamos em um dia muito especial, é um privilégio do Ludopédio estar com esse projeto que começou com a professora Luciana, que é o projeto do grupo de Estudos em Mulheres no futebol e, porque estou dizendo momento de celebração para relembrar que hoje é 11 de junho de 2021, já ultrapassamos os 480 mil mortos, e precisamos estar em casa nos cuidando porque nenhuma dessa vidas vão ser esquecidas. Mas dentro de casa a gente tem uma missão de contar o que foi e como acontece o futebol de mulheres e a importância que ele têm e precisamos ter uma história contada, que não foi distorcida, ou deixada de canto. Por sorte a nossa convidada de hoje, foi testemunha ocular de um momento histórico da seleção de futebol feminina, no primeiro torneio mundial de 1988, quem tá aqui com a gente é a Claudia, a única jornalista mulher e negra, que tava no meio de um monte de homens do jornalista esportivo, não só fez uma ótima cobertura, como fez um trabalho porreta sobre essa copa. Seja muito bem vinda, a Olga que também está aqui para essa conversa, espero que possamos entrar nessa viagem no tempo do futebol de mulheres.

Juliana: Muito obrigada Marcus, sejam todos muito bem vindos, acho que é um dia muito especial para quem gosta da modalidade, para quem gosta do futebol de mulheres, para quem gosta de história e para resgatar a memória. É como uma final de copa mundo, porque é uma peça fundamental para entender o que foi a copa de 1988, sem a Claudia não poderíamos saber o que aconteceu nessa copa de 1988, sem ela não saberíamos como foi para as jogadoras participar dessa copa cheia de controvérsias. Quero agradecer a Olga também que aceitou o convite, e agradecer a Silvana por todo apoio e ajuda mesmo, agradecer ao ludopédio pela parceria e por comprar os nossos sonhos, sem o Ludopédio nada disso seria possível, e claro a presença da Cláudia, uma final Olímpica. Mas antes de começar a entrevista é importante contextualizar o porque descobrimos a Cláudia da Silva, bem eu e a Olga participamos do grupo de estudos Futebol de Mulheres e nosso grupo tomou um ramo de iniciar uma série de entrevistas que tenta viabilizar as primordiais da história desse futebol e chegamos na copa de 1988, em que a FIFA tenta fazer algo diferente a frente, e começamos a tentar buscar todas as informações possíveis desse mundial. E entrevistamos Ceci que nos falou da Claudia, e de uma série de jogadoras que contaram detalhadamente sobre os gols, o que elas lembravam dessa Copa, uma ideia doida que foi concluída de uma maneira muito diferente. E conversando com as jogadoras, percebemos que tinham poucas memória e um dia a Leda que faz parte do grupo, começou a postar várias matérias sobre a Copa de 1988, e num domingo eu e Silvana ficamos em nessas pesquisa, entramos na biblioteca nacional e chegamos a inúmeras reportagens de Cláudia da Silva, no início não identificamos que era ela. Porque tinha tantos detalhes nas matérias e de alguma forma revivemos tudo o que revivemos na China em 1988, e aquilo foi fantástico. A matéria dos jogos era de uma propriedade, de um detalhamento do jogo, dos gols, de tudo, algumas matérias que foram feitas em maio das jogadoras e o que acontecia nas preparações. E em algum momento a Silvana me falou, tá aqui precisamos encontrar Cláudia Da Silva, e eu pensava que era impossível, mas começamos a buscar contatos e foi que liga daqui e de lá e na Segunda já tínhamos o contato, terça já estávamos falando com Cláudia. Falando sobre essa mulher fundamental na imortalização dessa copa, e minha pergunta inicial é primeiro, qual era o seu envolvimento com o futebol naquela época, porque lendo suas matérias, você tinha muito conhecimento teórico de tática, e além do envolvimento, como você foi para na China enviada especial daquela seleção.

Claudia: Muito obrigada, eu estou muito nervosa gente, cada vez que vocês falam eu vou revivendo essa história e me falam de coisas que eu nem lembrava mais, porque foi tão automática minha ida para a China eu nem pensei, mas com vocês eu vejo a melhor importância dessa copa. Na época eu era estagiária da revista Sports e eu cobria a CBF, e eu era a única mulher, relembrando quando entrei na faculdade queria ser repórter esportiva, e eu fui bater lá na revista e consegui, me perguntaram você prefere amador ou futebol e eu fui e comecei a cobrir os times pequenos do Rio. Mas por telefone eu comecei a cobrir, as vezes ia nos treinos ou assistia os jogos, e depois eu ganhei uma promoçãozinha eu fui cobrir a CBF e era uma época que estava muito tumultuada, porque foi o ano que fizeram o clube dos 13, dos 13 maiores clubes criarem a Copa deles que foi em 1987. Aí veio a história que iam fazer a primeira copa feminina de 1988, e o Brasil não demonstrava tanto interesse em futebol de mulheres, e como eu era a única mulher que falava na revista, ah tem que ser a Claudinha para cobrir isso. O jornal falou tudo bem, a gente dá uma ajuda com dinheiro. Então eu fui atrás da seleção e comecei a assistir os treinos, mas era tudo muito amador, se eu pudesse usar essa palavra. Até foi uma saga minha viagem porque quase que eu não fui, fui para Brasília no mesmo dia que eu ia para Hong Kong, porque não queriam me liberar o passaporte, o visto. E eu fiquei muito confusa, não sabia o que fazer, como cobrir, naquela época não tinha nem Fax, e depois eu consegui um contato com um jornalista que tinha cobrido uma copa uma vez e me deu umas diretrizes, mas foi tudo muito amador. Mas era uma grande diferença de toda estrutura da CBF para o futebol masculino e as meninas treinavam na marina, mas eu fiquei muito aérea, como eu vou para China, porque naquela época era muito fechada. Eu estava no último ano da faculdade, eu perdi várias matérias, mas tive apoio da minha família, do jornal, mas normalmente o futebol feminino não tinha cobertura, era aquele colunão, sem foto nem nada. Era muito futebol feminino, vai fazer uma piada, faz qualquer coisinha aí, não era nada sério. Eu só fiz sonoras, eu entrava na rádio Jovem Pan de São Paulo que cobria muito futebol na época, porque as rádios do Rio nenhuma queria falar comigo, e tinha todas as rádios Globo, Tupi, todas e nada, para você ter ideia  do interesse, do tratamento que foi dado, vamos lá cumprir cota. Estou sendo realista, porque se não fosse essa última geração, uma pressão internacional, continuaria tudo assim, mas que bom que mudou, porque o futebol feminino era tratado como um deixa, vai deixa.  

Marco: Muito obrigada pela sua resposta Cláudia, porque já deixou uma brecha para uma porção de perguntas programadas e duplicadas, a gente também recebeu muitas mensagens hoje, com ideias e perguntas, vamos começar com uma muito especial da Leda, que é uma pesquisadora do Rio, e faz uma pergunta bem mais longa.

Leda: Olá Claudia, você é uma das heroínas do futebol brasileira, é um prazer estar aqui com vocês. Não sei se você sabe, mas tem uma sessão histórica do Jornal dos Sports muito interessante sobre o futebol feminino, em 1940 o jornal faz uma bela cobertura sobre campeonatos entre equipes femininas no subúrbio e o Jornal dos Sports chega a instituí-los o troféu, Mário Rodrigues Filho, e era uma homenagem ao Mário Filho. No começo dos anos 80 esse mesmo jornal faz uma boa cobertura sobre o futebol de areia feminino e faz uma boa discussão da necessidade de se discutir a importância de debater e se pensar o futebol feminino no Brasil. no torneio de 88 eu percebo que há um antes, um durante e um depois de uma cobertura que abarca essas temporalidades. O torneio começa em Julho e em maio você publicou uma matéria muito completa, falando que a copa do Mundo pode fortalecer o futebol feminino no Brasil, na matéria você entrevista Marcinha, Michael Jackson e Pelezinha , é uma página inteira. Em maio mesmo você fez uma longa matéria apresentando cada uma das jogadoras que queriam participar do torneio. Se tratando de futebol feminino é muito interessante como o Jornal Sports cobriu muito bem esse torneio, em comparação com jornais mais tradicionais como o Globo e Placar, pouquíssimo se menciona esse torneio. Então queria perguntar o que você acha que fez o Jornal dos Sports, ter mais interesse e ter você como mulher cobrindo esse torneio. Muita gratidão pelo seu pioneirismo, você é muito importante para o futebol feminino neste vasto mundo do futebol.

Cláudia: Eu gostaria de falar do Jornal dos Sports, ele sempre foi, a família né, o Mário filho sempre esteve empenhado com a construção do Maracanã e outras coisas, eles sempre foram muito abertos para tudo que era do Futebol. Quando eu cheguei em 76, já mudou bastante, já vendia menos, mas eu tive um excelente editor, o Macedo era zero preconceituoso, ele fazia o máximo para dar certo em comparação com os jornais mais grandes que você falou. Quando veio essa oportunidade o editor, ele me deu toda liberdade, porque eu sei que com a minha inexperiência e muito avoada, correndo e estudando, não tinha a dedicação plena, estudava de manhã e trabalhava a tarde. Então tudo que eu falava e dava ideia ele completava, quando eu pensei em entrevistar as jogadoras, mandaram fotógrafo. Porque quando você tem um editor que pensa no futebol de todos, como o futebol de areia, futebol de 5, o futsal, até o basquete. Então com essa boa edição eles aproveitaram muito meu trabalho. Talvez porque nos outros jornais não tinha mulheres, só na Placar que já tinha, mas estavam mais focadas no futebol amador, quando eu trabalhei no o Globo em 90 ainda não tinha essa cobertura por mulheres, podia ser mulheres na torcida, mas não como jornalistas. Mas eu pude ir porque era a repórter da delegação, toda a despesa da viagem, hospedagem, era dentro do pacote da CBF, porque estavam previstas, o Jornal cobriu todo o extra, que foi muito importante porque tivemos que ficar em Londres um tempo. Mas não tinha o mesmo espaço que o futebol masculino, o negócio era ter uma boa edição que o Jornal dos Sports tinha uma cobertura muito boa de todo o Esporte, de basquete, vôlei e isso era muito bonito, por isso o jornal tinha esse espaço. Um pouco era porque eu era mulher e faziam piadas, como eu vou colocar você para cobrir o vestiário masculino, como se a cobertura de futebol se resumisse a entrar no vestiário, como que cobrir futebol era ir no vestiário ver homem pelado, o que me obrigaram a fazer, um pouco por machismo e falta de noção, para provar que aquele não era meu lugar ou o lugar de mulher. Coisa que o Macedo não faria comigo, porque ele tinha muita visão, era um cara aberto e ele sabia de edição, e ele falava ah coloca a Cláudia ou qualquer outra mulher, e eu acho que isso começou quando algumas meninas começaram a fazer rádio, e os homens ficaram incomodados com isso e obrigavam as mulheres a cobrir vestiários e elas foram e quebraram isso porque tinha que fazer. Então, minha visão com 55 anos não era a mesma com 22, mas me incomodava muito. Hoje eu vejo muito do machismo em coisas que eu passei, mas eu ia sempre no Maracanã, ia quarta, sábado e  domingo sozinha para depois ir para minha casa no Jacarepaguá e acordar segunda de manhã para ir para faculdade, eu fazia isso porque gostava de futebol, tinha outras meninas que também faziam, e também cobriam, tinha a Marluce que também enfrentou várias coisas, nessa época a Marta Esteves era da Placar que também cobria  futebol, sabe o que passou e outras que surgiram. Mas a cobertura foi muito por uma visão jornalista da chefia, e da minha vontade de fazer, era minha vontade de fazer eu ficava na CBF tentando buscar coisas, eu estava me formando tinha a cabeça aberta. Eu fico muito feliz com tudo que progrediu, mas nunca foi fácil, até hoje não é fácil.  

Marco: Eu acho que a Olga tem uma pergunta em direção a isso, tenho que apresentar a Olga devidamente, ela é uma parceira do Ludopédio, ela trabalha no Museu ele vai lá passa sua pergunta.

Olga: Muito obrigada Marco, obrigada Grupo de estudos Mulheres no futebol, para mim é uma honra estar aqui, e eu fiquei muito chocada com a fala dela porque hoje a gente viu a mudança, mas quando eu comecei em 2014 eu ainda vivenciei coisas que você falou. Mas que bom que você esteve lá e abriu os caminhos para gente hoje, mas eu tenho duas perguntas, uma era a cobertura desses eventos grandes copa do Mundo, Olimpíadas, se tinha uma cobertura internacional, porque você falou que no Brasil não existia, mas e de outros países? E outra pergunta seria como você acredita que as suas reportagens chegavam para o público aqui, acredita que se interessaram? Obrigada

Cláudia: Olha, eu fui a única porque realmente eu fui a única a ir na comitiva, eu acho que ninguém naquela época se importou de mexer no orçamento para cobrir o primeiro torneio que era um experimento da FIFA, olha tinha jornalistas da Tailândia, mas mulheres muito poucas, tinha uma equipe grande da Noruega, que tinha uma jornalista mulher e dois homens, a maioria eram homens cobrindo, tinha a TV local, cobertura local chinesa, mas não tinha grande quantidade de jornalistas, a não ser Noruega e Austrália. Da Noruega eles deslocaram os correspondentes de Hong Kong porque nessa época não tinham muitos correspondentes de Pequim, a maioria não era repórter de esportes. Mas como a Noruega era a maior no futebol feminino e a Austrália estava crescendo, eu só fui por obrigatoriedade de ter pelo menos um jornalista, era uma determinação do Governo, como ter um jornalista como um agente externo, para fazer um relatório, o que pode melhorar ou dizer algo que aconteceu de errado ou algo bom, era uma norma, antes da CBF, quando era CBD, por isso que tinha esse lugar dentro da comissão, com a roupa, eu só não aparecia nas fotos porque não queria. Mas eu tinha que estar disponível para qualquer pergunta de como estava ou não estava, não tinham muito interesse, e foi ah essa coisinha de ah vamos cumprir o calendário João Havelange, como protocolo que o Brasil foi convidado, e o futebol brasileiro feminino era muito pequeno, no time não tinha ninguém jogando fora do país, depois foi como uma vitrine das jogadoras. Outra é a percepção do público, como eu acho que foi o primeiro existia uma curiosidade de saber, ah o Brasil vai bem ou vai mal, mas não existia, era muito parecido com a meio amador, ahh que legal, vai abrir para as meninas jogarem bola, que legal, não era uma visão que isso ia se transformar em algo profissional, não tinha. Poderia ter acontecido antes, mas não era a visão dos Noruegueses nem Australianos que eles levam isso a sério, as garotas a maioria estavam na Faculdade e tinham bolsa de dois 3 mil dólares para jogar bola, imagina isso em comparação para 88, imagina quanto uma menina ganhava para jogar futebol, era uma visão muito mais profissional e muito acadêmica, porque elas tinham bolsas em universidades, como os Estados Unidos, eram convidadas para completar times, na Noruega era assim mais sério, na Austrália também, mas aqui eu não senti muito. Na universidade quando eu voltei muitos amigos leram e falaram, pô que legal, que experiência boa, vocÊ nem se formou e teve essa oportunidade, mas para o público em geral eu acredito que não foi muita coisa, como você em 2014 e até 2020, o futebol feminino é meio para abrir o futebol masculino, nem veem o jogo e o povo está fazendo piadinhas ridículas que era assim, hoje pode até ter melhorado, mas não melhorou completamente, isso vai continuar sendo assim aqui né, não na Europa nem nos EUA. 

Olga: eu imagino que isso se dava porque havia poucos anos que havia caído a proibição, não teve uma criação de cultura de futebol feminino com se tem hoje. 

Cláudia: era como se fosse futebol vôlei de praia, era meio vamos jogar ali um futevôlei, era como se fosse uma coisa meio amadora que não se levava a sério, mesmo que naquela época tinha aquele O radar, uma tentativa aqui outras lá, mas demorou para fortalecer, eu acho que isso as jogadoras tiveram que ter muita garra para brigar, porque o negócio é forte, como o repórter que cobre futebol. Ter que ouvir gracinha de jogador de técnico, flores na redação e você ter que ficar séria responder quando tem que responder, engolir e seguir. Era outro momento que a única coisa que podia fazer era dar resposta seca ou engolir seco, porque se eu fizesse qualquer outro movimento iam tirar a gente, porque a mulher não, só arruma confusão então só deixa homem, hoje é diferente, mas tem que caminhar muito.

Marco: isso que você está falando tem muito a ver com o próximo depoimento, vou passar a bola para a professora Silvana, mas antes vou fazer esse link, que você fala de jogo de cintura e o Emicida fala de serenidade como estratégia, como driblar, vou mostrar uma dribladora que é parceira do Ludo, vou trazer o depoimento da Nina que é em duas partes.

Nina: oi pessoal, eu sou jornalista dibradoras, um veículo que existe desde 2015 que cobre a participação de mulheres nos esportes, e fomos criadas em ano de copa, que as meninas estavam no Canadá, mas a copa não teve quase nenhuma repercussão, não foi coberta da maneira como deveria, em meio daquilo a gente começou a caminhar  com uma promessa que daqui há 4 anos estaríamos em Loco para cobrir a copa das mulheres e foi isso que aconteceu, em 2019 fomos para França, éramos blogueiras do UOL e participamos de tudo, jogos, treinos, acompanhamos tudo, e mudou muita coisa. A TV transmitiu, teve mais apoio de patrocinadores, a camiseta foi feita para as mulheres também foi para o mercado, e foi muito bom ver esse cumprimento da promessa. Cláudia eu queria que você contasse  um pouco dos bastidores, da cobertura desse torneio experimental que viria a ser o torneio da Copa das Mulheres, porque quando fomos para França fomos respaldadas por vários protocolos, entrevistas pré e pós jogos, então queria saber como você lidou com a língua e como foi seu preparo para cobrir e os próprios dias de cobertura para fazer o seu relato.

Silvana: Cláudia que alegria te ter aqui de novo, de conversar contigo, sempre são muitas coisas para conversar, estar com todos aqui. primeira coisa que eu vi foi esse painel que você fez aí, com fotos do logomarcas e tudo, ela veio preparada para isso com imagens. Mas eu gostaria que você falasse um pouco dessa reconstrução da memória, a gente consegue buscar a memória a partir do presente, como foi buscar essas fotos, e sua memória foi ativada que muitas coisas pode ter esquecido, mas quando falamos da sua visão crítica sobre as condições da CBF, e todos os detalhes específicos da competição, queria que me respondesse se nesse momento você tinha essa visão crítica, porque foi muito nova, com 22 anos, e você foi todo suporte para as jogadoras, que não tinham nem medicação, como você para a sua carreira cobrir e ajudar todas as jogadoras. Passar 4 dias em Londres responsável por todas as meninas que não falam inglês, estou explorando algo que você já falou para a gente. Mas eu fico imaginando o significado disso, se você tem a noção dessa importância do que você fez lá, ou foi com a gente falando dessa importância que você entendeu, o que hoje te impacta falar desse evento que aconteceu a 33 anos atrás, que tem muita coisa a ser contada, mas se podemos falar e saber é porque você registrou, muito obrigada de novo por estar aqui, então emendo minha pergunta na da Nina.

Cláudia: Vou começar a falar da estrutura de trabalho, naquele momento não teve  nenhuma estrutura tradicional de cobrir uma competição da FIFA, também em 88 não tinham os mesmos moldes que tem hoje, que tem as credenciais, tem a zona mista, poder fazer entrevista, quem tem direito, quem não tem direito de imagem. Era mesmo uma competição menor, e os estádios não eram preparados, os estádios eram polivalentes, de treinamento, então tinha uma área que separavam para gente, mas no final a gente podia se juntar e conversar, nada a ver com hoje que tem parede com patrocínio. Eu sempre conversava com o jornalista daquele país que eu tentava muito falar, porque a Tailândia eu não podia falar nada, porque a tradutora falava do mandarim para tailandês, eu não podia fazer muito ai, diferente da china e outras que eu já podia ter mais acesso com o inglês ou traduzindo para português. Porque antes cada um fazia cobertura do seu próprio time, não tinha nada sobre treino que não pudesse ser visto, não sei como foi diferente na copa do mundo que teve depois. Depois eu fui a várias Copas do Mundo, Copa das Confederações, masculina né, eu trabalhei aqui na Copa América, coordenando a estrutura da imprensa. Então foi muito diferente de todos esses eventos tradicionais, porque não tinha patrocínio era tudo muito mais fácil. Mas algo que a Nina falou, olha como só em 2019 as meninas foram com uma camisa própria para elas, imagina naquela época, elas iam com o resto do resto, não existia essa preocupação do time feminino ter alguma coisa, naquela viagem teve nada, mas hoje a pressão do mercado e do patrocinador de pensar que o público quer consumir a camisa da Marta, da Cris, porque se coloca no mercado as mulheres querem consumir até homens também vão querer consumir. Mas é a estrutura que depois ela muda para padrão FIFA mesmo, aí você tem zona mista, sala de imprensa, coletiva 1 coletiva 2, quem pode gravar, o nome de quem vai ser entrevistado, o time, escalação total, aí o negócio ficou profissional, falando de jornalismo. Agora falando da questão crítica, sim eu tinha um pouco de visão crítica daquela época, porque eu ficava no comitê da imprensa, porque tinha todos os jornalistas um de cada órgão de imprensa e tinha muita gente boa crítica, e nessa época tinha muita gente que analisava esse clube dos 13, copa União, então era quando entrou o Nabi Abi Chedid e o Otávio Cândido e, então se tinha uma visão muito crítica de todas as confusões da CBF e toda estrutura do futebol. E o futebol feminino não tinha nada dessa estrutura, aquilo ali era uma casa para homem, não para mulher, a comitiva de imprensa era para homem, tanto que o sétimo andar da CBF que ficava a imprensa tinha um banheiro masculino, eu usava gentilmente o banheiro das funcionárias, então o banheiro era masculino, a casa era masculina, e isso em 1987, não estou falando de tanto tempo atrás, 30 anos, então não existia o espaço para a mulher, nem para a mulher jornalista nem para a jogadora. Eu era tratada muito bem como uma jovem, nunca tive nenhum problema, eram profissionais muito bananas, mas me tratavam como uma menina estagiária, só que eu tinha um pouco de vida, eu não estava ali de brincadeira, queria falar de futebol. Não estava para conseguir casamento que era o que se falava, e eu vivi uma época muito interessante de rebelião dos times pelas 87. Tanto que tivemos dois campeões, tanto que tem a briga até hoje para quem vai a copa, então todo mundo tinha jornalistas na CBF, eu era a única mulher, vez ou outra aparecia outra mulher, mas eu fiquei um ano trabalhando aí diariamente na CBF. Então quando surgiu a oportunidade de cobrir a seleção eu agarrei, como oportunidade de juntar mulher com mulher, porque naquela época a questão de ser mulher eu tratava de pensar o mínimo possível, porque qualquer ação que eu tivesse era motivo de esquecer a gente. Eu toda magrinha, certinha, bonitinha, eu evitava de vestir certas coisa, tomava minha cerveja no bar e ia embora, eu não estava de brincadeira, porque estava em um ambiente muito masculino e extremamente machista. é um mundo muito estranho, o mundo do futebol é ainda um mundo muito estranho, você ainda escuta muito problema com jogadores, assédio e tals, só que tem um espaço aí como as Dibradoras, ou umas alunas minhas que fizeram o Damas no esporte, e elas conseguiram credenciais para a Copa América, porque são meninas que se juntaram na pós graduação sobre futebol e elas conseguiram fazer um business, mas com muito esforço e muito rebolation, porque tem que ter muito rebolation, porque se você ficar achando que sempre vai brigar não vai funcionar, porque ainda é um mundo muito difícil. Eu consegui cobrir a seleção até nos Emirados árabes, que não tinha mulheres nem nos estádios, imaginava cobrir a copa, mas isso foi com 40 anos no começo dos anos 2000. Na França eu estava grávida e corria para todo lado fazendo cobertura. Mas é nos anos 2000 e na Europa era mais fácil, as pessoas sabem mais dos limites, mas os brasileiros não tinham, nas duas confederações que eu fui tinham pouquíssimas mulheres cobrindo a Copa, mas enfim o mundo evoluiu bastante, mas ainda a relação, o respeito quando você encontrar meninas que querem fazer e falar de futebol é muito bom. Porque quando eu fui cobrir a  Copa do Brasil e fui cobrir o Vasco, no dia tinha duas mulheres eu e outra no Globo, a gente teve momentos difíceis com problemas com torcida porque era um ambiente hostil, mas com os jogadores já era diferente, isso em 1994, o trato era diferente, o técnico também não tinha problema. Seleção com Parreira, mas enfim o mundo foi crescendo e a população brasileira foi aprendendo que tem que dar espaço, tem que deixar a mulher falar, mas eu ainda sinto uma resistência. Se você vai olhar uma redação de jornal e veja quantas mulheres têm cobrindo futebol, são poucas.            

Marco: com a direção da sua fala podemos direcionar para Olga, que tinha uma pergunta segundo meu roteiro.

Olga: você falou um pouco dos dirigentes e o radar era base da seleção daquela época, tinha a figura do Eurico Nico, quero que você fale do papel dele na direção se era ele quem mandava mesmo, e também se tinha outra pessoa na FIFA que tinha o desejo de fazer dar certo o futebol feminino. Qual era o papel do Havelange nessa história, conta como foi isso.

Cláudia: Vou falar um pouco algo que a Silvana falou também, não existia um departamento que cuidava do futebol feminino na CBF, não tinha uma estrutura e a base era o Time do Radar, e o Eurico era o chefe da delegação. Era uma figura muito polêmica, ele foi um cara que deu um impulso muito grande ao futebol feminino como um todo, ele cuidava do radar e das meninas. Mas falando com as meninas, ele quebrava um pouco a fronteira do profissional, mas como não era algo profissional mesmo ele achava que não precisava tratá-las profissionalmente. Eu não posso te dizer que o interesse dele era ficar rico, mas não sei qual era o interesse dele. Mas meu passaporte por exemplo, o bolo de passaportes que foi entregue e ele não cuidou, nas vésperas da viagem eu fiquei sabendo que meu passaporte não tinha sido enviado para Brasília. E por que meu passaporte não foi entregue, que tinha que ter o visto de Brasília do consulado. E a CBF não sabia de nada, porque só entregaram na mão dele e vai, então não foi muito profissional, eu só sabia na véspera que não sabia o que fazer sem meu passaporte. Por sorte que o comitê se mobilizou em Brasília, que se comunicaram com o embaixador, me levaram direto do aeroporto para a casa do embaixador que tinha acabado de acordar. Com isso pronto eu tive que correr para o aeroporto para pegar o voo, cheguei em cima do horário. E eu fui com meu pai correndo, e minha mãe foi buscar a roupa que só tinha ficado pronta no dia da viagem, então tudo muito informal. Compramos os dólares e me deu uns de presente meu pai, e foi uma coisa de levar o meu grupo que era basicamente o Radar, que tinha a Suzana que era de São Paulo, a Sissi que era de Salvador, e o resto era tudo do Radar. As minhas críticas para a CBF foram a falta de cuidado com as meninas, elas tinham dois uniformes da Topper, não tinha um traje de Gala, nada e elas foram para cerimônia de abertura com essa roupa, e todas estavam bem vestidas, menos elas porque não tinham. E se vai ver todas as fotos delas, usavam todas as roupas iguais, porque falaram que não precisavam, levaram poucas coisas coitadas. Foi em parte uma vitória da seleção de ter levado elas, mas ele tinha todo controle do que elas faziam, as hospedagens, só em Londres que a gente ficou mais livre porque eu fui e coloquei todo mundo debaixo do braço e fomos. Fomos visitar o Palácio de Buckingham, o Big Bang essas coisas, mas o que faltou da CBF foi carinho e respeito, elas não são profissionais, não foram para uma competição profissional, mas tinham que ter cuidado melhor. Teve hora que tu tive que ir para a cozinha ensinar a fazer ovo frito, eles serviam qualquer coisa no café da manhã e comemos biscoito água e sal com coca cola, claro que iam passar mal, por sorte tinha isso ainda. Era aquela coisa a China era fechada, eles nunca tinham recebido estrangeiros ocidentais, a comida era o que tinha deles, a Noruega levou nutricionista, Austrália levou um cozinheiro. Não era como hoje que sei o que é um Yakisoba, ou hoje que ah vou para o Japão comer comida brasileira. Eles não sabiam de nada, só na TV chinesa que passava a Escrava Isaura, que a gente morria de rir da atriz falando chinês. Então naquele momento e por muitos anos a CBF arrastou para lá e para cá a seleção feminina, como para ter o uniforme só em 2019, o primeiro uniforme feminino, isso é uma loucura. Se você via o time da Austrália, tinham tudo muito bem organizado, com um terno que combinava com a camisa, tinha a opção de calça e saia, para passear elas tinham roupa e a gente estava meio para cumprir tabela. Tipo vamos cumprir, essa novidade, essa entrada de ter mais mulheres cobrindo e qualificando para uma Copa do Mundo, isso é uma ideia muito nova.

Marco: Cláudia, sua fala é muito rica porque ela traz muito desses bastidores, porque você conviveu com as atletas, vou passar para a Ju que ela sabe bastante disso.

Juliana: Obrigada Marco, Cláudia, enquanto você vai falando a gente vai revelando também as entrevistas que fizemos, falamos com a Cebola que foi artilheira da competição e ela foi escolhida como uma das melhores desse torneio de 1988, e eu vou revivendo essas histórias, que elas falaram que teve que costurar as roupas masculinas e elas não queriam tudo tão largo. E também as jogadoras que chegaram muito magras no Brasil porque não comiam nada, os medicamentos que você falou mesmo que elas não tinham nada e a Noruega tinha um Kit individual para cada atleta. Era um descaso mesmo, e essa relação que tinham com o Eurico nos faz mergulhar mais profundamente com um olhar mais atento e um olhar que tenta ter várias visões para não ter só um lado da história. Mas Cláudia isso que você fala que estavam na casa dos homens, tanto para você quanto para elas também, a falta de acreditar nas mulheres, então vocês tinham muitas semelhanças, eu já participei de cobertura de olimpíadas e copas, e tudo do feminino é mais precário, é umas cinco ou seis pessoas que estavam para as entrevistas e não sabiam nem o nome das jogadoras. Com o passar do tempo foi modificando, mas eu queria saber em que momento vocês se encontram e vocês passam a ser esse lado crítico, que você passa um pouco a sentir o que elas viviam, mas você já sentiu na pele. Queria que você falasse dessa relação crítica que se estreita, porque eu sei quando eu fui jogadora o quanto é importante para gente também ter esse lado crítico.

Cláudia:  Desde o início eu tinha meu olhar muito para aquela situação de quem eram aquelas jogadoras, como elas estavam ali, eu sabia que tinha muita gente simples, que estavam buscando no futebol uma oportunidade, como acontece no masculino. Eu sabia que estava enfrentando muitos problemas para me tornar uma repórter esportiva e com o tempo eu até comecei a ver que o esporte não ia ser algo que eu ia viver todo o tempo, eu queria mais, tanto que depois eu saí um pouco do esporte, mas eu continuo com minha característica. Eu comecei a entender que aquele universo não ia ser muito saudável para mim, quando eu fui ver os treinos e eu fui fazer matéria com as meninas, eu já cheguei e elas eram um pouco arredias, mais tímidas, porque não era muito costume de ter gente o tempo inteiro, e eu cheguei falando que ia viajar com elas porque eu já sabia. Então eu tenho que criar um clima com elas, e elas se pareciam comigo, porque a maioria eram parecidas comigo, eram negras do subúrbio, de Jacarepaguá, tínhamos a mesma realidade, vivenciamos todos os problemas que mulher no mundo do futebol vivem e no dia-a-dia já sabíamos o que enfrentava no radar, porque às vezes tinham dinheiro no Radar as vezes não tinham. Já na viagem, eu embarquei muito na brincadeira, porque não tinha uma postura ah sou eu jornalista e vocês as jogadoras, de não poder ter amizades, eu nunca tive isso de ficar longe, eu brincava tanto com as meninas tanto com os homens, se eu desse nota ruim para os homens depois eles vinham, pô Cláudia porque falou ruim de mim e eu falei ah você sabe que jogou mal e era assim. Mas a gente já foi brincando um pouco e lá, quando você está em uma cobertura que você está na cobertura, você fica no mesmo hotel, no mesmo andar as vezes, vai no mesmo ônibus e não tem como não participar daquilo. Era um mundo tão novo que era melhor eu estar com elas, mesmo existindo um pouco essa barreira que era melhor impor um pouco de limites por causa do Eurico, mas eu zero confiança para ele, porque eu sabia que tinha sido ele que fez tudo para eu não viajar, eu não entendia porque ele não queria, até hoje não entendo porque ele queria esse controle total, eu tinha uma boa relação com a equipe técnica que eram três ou quatro pessoas. E o árbitro era o Romualdo Filho que foi junto também que foi um doce, cara que tinha apitado Copa do Mundo e estava com a gente se divertindo, não fazia tudo com a gente, mas em Londres foi muito simpático e solícito, foi muito legal. E eu brincava com elas, a gente dançava, a Sissi nos ensinava a dançar música baiana e a gente brincava, porque tinha que ter um pouco de relação principalmente para elas na China. Eu estava dividindo meu quarto com a menina da Comissão e eu levei muitos livros, ficava lendo no hotel, só ia na esquina para procurar um lugar para comprar frutas para dar para as meninas, porque ninguém pensou nisso. A questão dos remédios, eu levei os meus remédios porque sou asmática, mas quando chegou lá o preparador físico que foi ele e o massagista, eles não levaram muita coisa, começaram a ter enjoos, tinha cólica e falamos vamos na farmácia na China, que farmácia na China gente, era só manipulação, porque não tinha Novalgina, ou remédio para cólica porque né seleção de mulheres, mas não tinham e davam uns comprimidinhos de homeopatia que consegui com a tradutora, as pessoas estavam muito tensas e não comiam bem. Foi tudo muito difícil, se fosse outro momento de profissão eu teria feito relatos mais contundentes, mas que eu não fiz por inexperiência, eu podia ter feito muito mais coisa, não fiz sobre a cidade, nada, porque não tinha nem como pesquisar na internet, não tinha nada, como vou ler mandarim. E naquela região eles falavam cantonês e a tradutora também tinha muita dificuldade, porque era uma para todo mundo, e tinham as demandas do time, as demandas do Eurico, e tinha dia que ela chorava tadinha da chinesinha, compramos um presente para ela, porque tudo era muito amador, sem a estrutura da CBF, sem essa estrutura de verdade, era de passar vergonha. Na Noruega comparando era uma humilhação, mas a gente ficou muito amigo das meninas da Austrália de arrumar pelo menos um remédio para dor de cabeça, não foi fácil, foi tudo muito complicado. A gente demorou um pouco para entender e encontrar as pessoas, conseguir se libertar daquele esquema que estava capenga, muito capenga.  

Marco: Cláudia, você falou de amizade agora, e aqui a gente gosta muito de fazer amigos, andamos sempre muito bem acompanhados e vamos chamar uma amiga aqui, com vocês Lu Castro.

Lu Castro: grande trabalho do grupo de estudos mulheres no futebol, é descobrir a presença da Cláudia na cobertura do torneio experimental de 88, é fantástico, como jornalista que veio bem depois dela e teve muita dificuldade para falar do futebol de mulheres, pelo menos uns 20 anos depois é muito satisfatório, é uma alegria imensa saber que tinha uma mulher cobrindo essa competição. Então minha pergunta é, como foi essa experiência dentro do que foi essa experiência como mulher e negra, para acompanhar nossa primeira seleção de mulheres oficialmente convocada, como foi essa experiência e como foi lidar com a imprensa e o futebol de mulheres naquela época, estou muito feliz por ter encontrado.

Silvana: como essa pergunta já foi respondida, eu vou passar para outra convidada que também buscamos encontrar como encontramos você. Que é uma das jogadoras eu brincava que ela era uma fantasminha, porque tentamos contato com todas as jogadoras no Brasil e não tinham, mas encontramos ela na Itália, conseguimos descobrir nesse processo do grupo e da pesquisa. É uma pessoa muito especial e quando falamos que íamos te entrevistar ela te mandou 5 perguntas, não se preocupe em responder todas. Mas é uma super jogadora do Brasil, a primeira que foi jogar fora do país, ela foi para fora em 86 e foi jogar em 88, ela disse como essa experiência foi muito boa para ela, nossa convidada diretamente da Itália.

Lúcia Feitosa: Olá, eu sou Lúcia Feitosa, uma das pioneiras do futebol feminino, que participou do primeiro torneio experimental da FIFA na China e gostaria de perguntar para nossa jornalista como foi seu encontro com jornalistas chinesas. Qual a diferença entre o jornalismo de 1988 e do agora de 2021 sobre o futebol feminino, quais as dificuldades que você teve em fazer as matérias e poder mandar para o Brasil. Seus amigos jornalistas homens, fizeram algumas críticas por você ter ido para China sozinha, na primeira competição feminina de futebol? E por último, o que você viu durante a competição, os times se confirmaram em um nível alto nos anos sucessivos.

Cláudia: agora que eu lembrei que falei que ninguém jogava fora, mas era ela a única e olha ela continuou na Itália, que legal, ela tinha saído da Itália para a seleção. Vou começar respondendo pela cobertura da diferença, eu acho que hoje existe uma cobertura, antes era vai lá e faz, não existia cobertura efetiva como fazem com o time masculino. Hoje você acompanha a seleção, um time ou outro, na Europa isso é uma coisa muito mais forte, mais profissional, o tempo inteiro tem cobertura, aqui a coisa ainda é muito em cima da seleção, mas mudou bastante. Naquela época não existia uma pessoa que era responsável pela cobertura do futebol feminino, eu me interessei porque estava na CBF e queria fazer coisas diferentes, antes era ah vai ter um torneio lá do futebol feminino vai quem quer. Já lá na China, foi o melhor possível pela limitação da língua e com as outras seleções, mas já existiam pessoas que seguiam, o exemplo da Noruega e da Austrália também tinham uma boa cobertura, mas os outros eram também meio qualquer um que estava para fazer a cobertura. Sobre os colegas homens, eu recebi muitas elogias dos meus colegas que estudavam comigo, com jornalistas até da CBF que acompanharam a cobertura, que fizeram críticas, que foram muito positivos no jornal também falaram várias coisas que eu podia ter feito. Como era a dificuldade, principalmente a transmissão de material, o que acontecia eles abriam um Telex e a gente se falavam, eles abriam umas 4 da tarde o que era 2 da madrugada, que tinha uma menina de plantão que me chamava. eu escrevia em um papel para o telex, mas eu não via o que saia, não tinha como consertar, chegava aqui e eles arrumavam. Hoje eu olho de uma forma muito mais positiva que na época, que eu achava que não tinha ficado legal, acho que sim eu podia ter feito muito mais, mas tinha uma falta de suporte, tinha um limite de envios e minha falta de experiência. 

Sergio Du Bocage: o destino nos reserva muitas histórias interessantes, e uma delas é essa. A  Cláudia foi a primeira repórter brasileira a acompanhar a seleção brasileira de futebol feminino no exterior, a Cláudia, assim como o futebol feminino enfrentou muitas dificuldades, agradeço muito um beijo para você, mas quando você era uma garotinha você imaginava ver a seleção feminina ser patrocinada pela FIFA?

Cláudia: olha, sinceramente eu não pensei, eu sempre achei que teve um momento que eu falei, agora o futebol feminino vai, mas é sempre carregado de tanto preconceito e machismo no mundo do futebol, um machismo tão pesado, não tem nada de positivo no Machismo, de não querer dividir espaço que quando eu fui lá no primeiro torneio eu não achei que ia ter uma Copa do Mundo. Eu pensei que isso não vai vencer, isso não vai ser uma Copa, a FIFA vai desistir, deixar para lá e eu errei, a FIFA não deixou para lá. Mas não foi por bondade, foi por mercado, uma visão do mercado. É você olhar a possibilidade de um novo mercado, já que o futebol já estava quase saturado, e vamos abrir esse mercado, tem patrocínio, tem adversidade e uma agenda que precisa ser cumprida em um momento. Tem um lado que a sociedade está cobrando o espaço, eu acho que o mercado empurrou isso, porque não era uma questão só de diversidade, abrir espaço, também acho que chegou um momento que o gestor viu que não pode mais viver dentro de uma caixa machista, que o futebol é coisa de homens, abrindo essa caixa falam que meninas não podem jogar, ou que mulher não pode apitar e tals. Então eu não pensei que o mercado, ou que o mundo iam fazer essa pressão tão grande, ótima para que a gente possa falar de algo que aconteceu a 30 e poucos anos atrás, que dentro daquela perspectiva, não dava sinais que poderia ser tão grande. Eu via que poderia, eu acho que vão acabar criando uma coisa na Europa, uma coisa do mundo branco, não aqui no Brasil, no nosso terceiro mundo, porque não era um futebol para o nosso mundo, porque parecia que ia continuar o Maracanã só para homens. Falei com uma amiga sobre um sucessor da Suderj que não quis assistir um jogo das mulheres no Maracanã, porque dizia que era um absurdo que mulheres pisem no solo sagrado num jogo e não era só dessa pessoa que escutei, mas tinha essa ideia que o Maracanã era um solo sagrado, aquela grama não pertencia ao mundo feminino. Então para mim era muito difícil, dizendo para o Bocage, pensar numa cobertura de uma Copa do Mundo na França em que você tem cobertura na TV, as camisas da seleção. Estou em uma visão de Brasil né, eu acho que muito isso se deve a internet, ao mundo globalizado, a necessidade de se adequar a necessidade do mundo e do mercado, a diversidade. Você vê que as marcas não querem se envolver com jogadores machistas, racistas, ou que estão respondendo por assédio. Então o mercado não cabe mais dizer que o futebol feminino é ruim, porque ele pode ser cancelado, como a marca de macarrão da Itália que falou que gay não precisava comprar o macarrão dele e quase faliu, eu disse ah se gay não pode eu também não vou comprar, porque não precisa ser gay para combater a homofobia. E tudo isso se deva internet e globalização, eu sinto um pouco de tristeza que aquelas meninas lá atrás podiam ter uma carreira melhor, porque elas jogavam muito bem, como elas chegaram em terceiro lugar naquela competição sem nem comer direito, algumas tinham suporte, a Lúcia estava bem fisicamente, mas as outras estavam fora do peso, outras estavam trabalhando e foi jogar, meio Jamaica abaixo de zero, é mais ou menos isso Jamaica nas Olimpíadas de inverno, quando eu vi esse filme eu lembrei das meninas, porque as meninas não tinha nem remédio para dor de cabeça e tomava um monte de pílulas sozinhas porque não faziam efeito e ninguém nem pensou nisso. Eu como gestora de qualquer coisa, a minha sala de imprensa, quando eu coordenava o carnaval do Rio eu reservava uma caixinha de remédio, uma água, café. Quando você faz Olimpíada e Copa do Mundo nos dias do Ramadã, tem que ter comida quente para os muçulmanos poderem comer, eu estou falando de extremos, mas não é, é ter cuidado que você vive em mundo globalizado e a gente tá na China. Mas se fosse no Masculino ia ter um contêiner de remédios, cozinheiros e tudo. Mas com as meninas, não tiveram nem um cuidado, de levar umas comidas que sejam processadas, levar feijão, enlatados, porque passaram mais de vinte dias comendo só macarrão. Então, é muito bom ver esse momento, eu fico muito agradecida de vocês terem me chamado para tudo isso, eu sentei para fazer o mural aqui, porque eu não tenho o mesmo carinho da Copa do Mundo da África do Sul, que por essas meninas, estava nos Emirados Árabes cobrindo futebol, na Alemanha é legal, mas é essa daqui é uma história que só a gente tinha, ninguém mais tinha essa história, a gente que viveu tudo, dividindo pacote de bolacha de sal, eu ia comprar frutas, nos divertimos no quarto. E eu fico muito feliz que vocês revivem essa história, queria muito reencontrar essas meninas que elas estão bem, e eu fico feliz que as coisas estão fluindo melhor, é mais fácil de encontrar uma locutora mulher, ter mais mulheres comentando mesmo o futebol feminino, tem mais espaço para a cobertura do futebol feminino, não é mas só a nota de rodapé, a chamadinha engraçadinha da jogadora passando batom, aquelas coisas que sempre estereotipam o futebol feminino. Cada uma está resistindo a sua maneira, cada uma está crescendo, eu acompanho várias jogadoras na redes, eu gosto de ver todo mundo bem e caminhando, agora eu sou muito mais positiva que no passado, porque chegou em um momento que eu pensava que as coisas não iam caminhar.

Marco: Cláudia, agradecemos imensamente em nome do Ludopédio e toda equipe que pudemos te conhecer, ao grupo de Futebol de Mulheres, eu pude conhecer a Ceci, e hoje eu estou te conhecendo, você que acertou muito mesmo no futebol de mulheres.

Juliana: Cláudia, eu tive o imenso prazer de fazer parte da seleção Olímpica de Futebol que ganhou uma medalha Olímpica nos jogos de Atenas, e naquele momento foi algo muito decepcionante, porque foi uma medalha que não teve nenhuma importância parecida naquele momento. Foi um momento extremamente marcante na minha carreira, porque eu lembro de tudo, sair do campo, ir para o vestuário e voltar para o pódio. E até hoje eu não entendo o que é ser uma atleta olímpica, porque para o país não importa nada. Mas eu estou rodeada de pessoas que sim veem uma grande importância naquilo que eu fiz, e você é a nossa medalha de ouro, por isso disse que essa entrevista é final de Olimpíadas, e você diz que poderia ter feito muito mais, mas já foi um trabalho incrível, o que poderia ter acrescentado você já fez de forma maravilhosa. E eu que já sou da modalidade, e as entrevistas com as jogadoras têm voltado o meu amor pela modalidade, porque somos muito maltratadas, porque chega uma hora que não queremos mais sentir isso e afastamos o futebol na vida. E ouvindo os relatos daquela época, porque é uma coisa assustadora os relatos daquela época e vejo o quanto você foi parceira no momento que para elas foi muito importante. Porque elas só tinham um cara por elas, mas aí surge você resolvendo problema de alimentação e medicamento, problema da língua, e a história de Londres, você ajudou as meninas a conhecerem, porque eu nunca fui, só na Grécia que fizeram questão. Mas você é para as meninas algo extremamente importante, e para mim as meninas eram as melhores que já tivemos, eu espero que você tenha consciência do quanto você é importante, muito obrigada pelo acesso, por ter você para ter contado do que a gente vai procurar saber ainda mais. 

Cláudia: Gente, qualquer coisa que vocês precisem podem me falar, eu vou procurar mais coisas, tem um resto de coisas que em mexi minhas coisas e perdi, mas essas aí eu consegui guardar e tem mais, vamos nos falando sim. Eu também concordo com você elas sofreram muito, e mereciam mais reconhecimento, muito obrigada gente.

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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Silvana Goellner

Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Aposentada).  Ex-coordenadora do Centro de Memória do Esporte (CEME) e  Vice-Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Esporte Cultura e História (GRECCO). Pesquisadora e ativista do Futebol de Mulheres. Integrante do Grupo de Estudos Mulheres do Futebol (GEMF).

Juliana Cabral

Ex capitã da seleção brasileira de futebol, medalhista olímpica em Atenas 2004, graduada em Ed. Física e pós graduada em Treinamento Esportivo. Comentarista de futebol com passagem por: ESPN, Rádio Globo e Redetv. Professora no Colégio Franciscano Pio XII e integrante do Grupo de Estudos Mulheres do Futebol (GEMF).

Olga Bagatini

Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, atua na área esportiva desde 2014.

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