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Denilson (parte 2)

Marcel Diego Tonini, Bruna Gottardo 2 de outubro de 2015

A entrevista faz parte do projeto Memórias dos boleiros: histórias de vida de atletas e de integrantes de comissões técnicas brasileiras que atuaram no exterior. Esse projeto foi fruto de uma parceria entre LUDENS-USP, Museu do Futebol e o portal Ludopédio.

Esse projeto tem como proposta reunir as histórias de vida de jogadores de futebol e de integrantes das comissões técnicas que tenham atuado no exterior. Ao optarmos pela história de vida, teremos acesso a uma série de discursos até então pouco investigados. Isso pode ser verificado quando se recorre à história do futebol e se percebe que existe uma história que é considerada “oficial”. Essa pesquisa será uma forma de ampliar discussões sobre o futebol a partir da história de vida dos jogadores e integrantes das comissões técnicas. A história oral será o método adotado para a construção de um diálogo com o referencial teórico das Ciências Humanas, mais especificamente a produção da Antropologia, da História e da Sociologia. Por meio da história de vida, ainda será possível registrar memórias, histórias e experiências dos sujeitos mencionados, além da criação de um banco de vídeos com as entrevistas realizadas de modo a constituir um acervo para preservar a elaboração de tal memória, quer se refira de modo restrito à carreira dos mesmos, quer, de modo geral, ao futebol brasileiro.

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Denilson durante entrevista no CT do São Paulo. Foto: Projeto Boleiros.


Segunda parte

Quando você foi para a Inglaterra com 18 anos você já tinha visto onde que você ia morar? Tinha alguém te ajudando nisso?

Então, quando eu fui, eu assinei o contrato com o Arsenal. Eles me deixaram durante três meses em um hotel. Durante esses três meses eles que bancavam tudo. Só que durante esses três meses eu tinha que estar procurando uma casa, pra eu morar sozinho, pra eu me virar, as contas que viessem iriam sair tudo do meu bolso. Só que daí eu cumpri com esses três meses. Depois desses três meses eu peguei e aluguei uma casa. E fiquei mais seis meses nessa casa. Só que daí no mesmo bairro estavam construindo casas, só que num condomínio fechado, e eram cinco casas. Aí eu me interessei. Meu empresário, meu ex-empresário, pegou e me mostrou: “Denilson, acho que é interessante, talvez não pra hoje, mas sim pro teu futuro. Então, vamos investir nisso, porque no teu futuro você pode recuperar isso tudo”. “Beleza.”. Graças a Deus eu fui lá e comprei essa casa. Inclusive, vendi agora, porque não tenho mais nada o que fazer lá. E assim eu fiquei morando nessa casa, acho que três anos e pouco, quatro anos. Graças a Deus, Deus me deu ela. E daí em diante eu comecei a correr atrás, tipo: ia fazer compra, nunca tinha feito compra na minha vida [risos]. Tinha que ir ao supermercado, se bem que era bem mais organizado. Ia fazer compra e às vezes não tinha ninguém pra limpar a casa. Às vezes eu fazia uma coisa, lavava louça, fazia um negócio, só não conseguia lavar roupa, porque roupa até hoje eu não sei. Mas louça, essas coisas assim, varrer a casa, passar pano, arrumar cama, essas coisas. Eu até fazia no começo. Só que depois eu fui conhecendo pessoas e acabaram aparecendo algumas pessoas que foram trabalhar para mim. Então, depois acabou facilitando. Depois veio uma empregada que já tinha trabalhado na casa do Gilberto Silva, assim que o Gilberto Silva saiu: “Denilson, olha tem uma pessoa assim, ela é de confiança. Vai por mim. Ela vai te ajudar bastante. O nome dela é Renata. Aí eu peguei o contato, liguei para a Renata, ela estava desempregada também. Aí ficou comigo trabalhando na minha casa durante três anos. Faz tempo que eu não falo com ela, mas durante esses três anos foi muito bom, porque ela fazia feijoada, uma rabada, fazia tipo assim, coisas que eu achava que ia sentir falta. Lá tem várias mercearias brasileiras, então eu não sentia tanta falta de comida brasileira, porque lá também tem bastante.

E onde é o treinamento lá do Arsenal? Fica afastado do estádio?

Então, o estádio do Arsenal fica em Londres, só que o centro de treinamento fica em Saint Albans, fica exatamente na cidade onde eu morei. Até onde eu cheguei e fiquei foi em Saint Albans também. Então, não é uma cidade grande, mas é uma cidadezinha tranquila também, boa, tem de tudo. E pra mim também era mais fácil, porque ficava muito próximo do treino, 15 minutos, eu já estava no meu treino. O treino era 11h30, às vezes eu acordava 10h30, 10h50, acordava, fazia o que tinha pra fazer e ia para o treino. Então, é fácil. Totalmente diferente do Brasil. O treino fica lá na Zona Oeste, eu moro na Sul. Pô, até você chegar lá é complicado.

A Renata era brasileira

Brasileira, mineira. Trabalhou um tempão na casa do Gilberto. Ela trabalhou uns seis anos na casa do Gilberto…

A maioria dos jogadores do Arsenal também morava nessa cidade?

Não. O único jogador além de mim que morava lá era o Almunia. Aí depois eles foram tudo para Enfield. Enfield era uma cidade já mais movimentada, fica mais próxima de Londres. Então, o Gilberto Silva morava em Enfield, o Cesc Fàbregas morava em Enfield, o Felipe Senderos também. Muitos jogadores moravam lá. E outros em Londres mesmo, porque gostavam, o pessoal gosta, gosta de festa, de restaurante, aquela coisa agitada.

Mas dava para você se relacionar com eles, às vezes de marcar depois de um treino pra sair?

Sim, sim, sim, principalmente com o Vela, o Carlos Vera, que hoje está na Espanha, o Eduardo da Silva, que é o meu parceirão, até com o Gilberto, com o Fàbregas. A gente saía sim, principalmente antes de acabar a temporada lá, nós nos encontrávamos. Então, era uma coisa assim bem legal mesmo. Só que como eu era o único solteiro na situação, eu procurei ficar mais na minha. Ainda mais por ser introvertido, gostava de ficar mais na minha do que querer atrapalhar os outros, por achar que eu iria atrapalhar. Mas sempre fui assim tranquilo.

E com a comunidade local você chegava a ter algum contato? Por exemplo, você falou de fazer compras ali na região…

Às vezes, eu fazia um sambinha lá em casa lá. Todos os vizinhos mandavam até carta para o Wenger, falando que eu estava fazendo muito barulho. Era engraçado! Eles mandavam direto para o treinador a carta. Então, coisas assim que aqui no Brasil, por exemplo, não tem. Acho que é diferente. Por exemplo: se eu começar a fazer um samba aqui, se o vizinho for reclamar, vai reclamar comigo. Jamais vai querer levar mandar a carta: “Ô, Muricy, o cara está fazendo um samba aqui”.

E o Wenger, o que ele falava disso?

Ah, ele sempre soube que eu que eu gostava de um pagode, gostava de estar assim com as pessoas, curtir um pouco, porque eu vou te falar: a vida de jogador também é complicado, cara. Você viaja bastante, você concentra bastante, você se dedica muito. Às vezes você vive mais o teu trabalho do que com a tua própria família. Não acredito que seja só jogador de futebol, mas como o trabalho de vocês também é viajando, é carregando peso, é indo pra lá e pra cá. Então, cada um tem suas dificuldades. E a nossa, tipo, a gente não para, a gente concentra, principalmente aqui no Brasil você concentra bastante. Então, às vezes quando eu sei que amanhã eu vou estar de folga, eu gosto de chegar, às vezes curtir um pouquinho, pra dar uma relaxada porque só trabalho, guerreiro, não dá. Não dá!

Como funcionava o treinamento? Você falou que o treinamento é bem diferente. No que é diferente daqui?

Então, lá o treinamento começava onze e meia da manhã. Onze meia, meio-dia e quinze, meio-dia e meia o treinamento já acabava já. Então, você tira uma hora, nem uma hora de trabalho. Mas é um trabalho bom, é um trabalho intensivo, é um trabalho curto, mas é um trabalho intensivo. Por mais que frio que seja aquele país, pelo menos dá prazer de você poder acordar de manhã e ir para o trabalho. Sabe quando você se sente assim: “Hoje eu tô aliviado que foi um dia bem aproveitado”. Lá eu tinha isso. Não que aqui não tenha, aqui também tem, só que aqui às vezes é complicado, porque aqui você acaba tendo mais jogos, você não tem tanto descanso, aqui você concentra mais. Lá dificilmente você concentra. Lá quando é semana de seleção, às vezes você fica duas semanas na seleção, pra quem não é convocado, você acaba pegando três a quatro dias de folga pra você viajar pelo pela Europa toda, fazer o que você quiser. Então, é totalmente diferente, você acaba tendo mais descanso. Então eu acho que a Europa está muito a frente do que o Brasil, do que qualquer situação. Acho que isso aí não tem nem o que falar.

Mas concentra antes do jogo?

Concentra. Quando a gente, por exemplo, ia jogar lá em Liverpool. Se o jogo fosse fora, a gente viajava o treino o jogo no dia seguinte era às quatro da tarde, a gente ia viajar onze horas da noite do sábado. Aí dormia lá e depois ia para o jogo. Mas nada de loucura como aqui no Brasil. E outra: acho que o europeu em si é mais profissional do que o brasileiro. Acho que o brasileiro ele pega um pouquinho pesado, porque, se não tiver concentração aqui, ele vai chegar no jogo bêbado, chega, é verdade  (risos). O europeu tem mais é um comprometimento maior do que o brasileiro. O brasileiro não está nem aí, tanto faz como tanto fez.

Ninguém começa a chegar bêbado lá?

Não, isso aí, não. E até em questão também de trabalho, questão de horário. O treino começava onze e meia, que tinha cara que estava nove e meia, duas horas antes do treino lá no CT já fazendo trabalho já particular, só ele mesmo trabalhando para ele. Então, assim, eu tive uma felicidade imensa de poder trabalhar com muitos jogadores de alto nível.

E todos os outros brasileiros que você conheceu lá também entendiam essa cultura e como é que funcionava o futebol local lá?

Sim, entende. Eu acho muito legal isso, você poder respeitar, saber respeitar o horário dos seus trabalhos, treino, jogo, hora de dormir, hora de comer, tudo isso. Coisa que aqui no Brasil é um pouco bagunçado. Mas essa experiência que eu tive lá fora foi maravilhosa.

E você falou de às vezes pegar algumas folgas quando tinha essas convocações das seleções e você procurava viajar pela Europa?

Cara, eu vou te falar: eu sempre fui solteiro, então na época mal viajava, ficava em casa mesmo. Pô, vou fazer o que por aí?

Você ficava fazendo o quê na sua casa?

É, jogando videogame, na resenha, jogando Parcheesi [Ludo], que eu gosto muito. Era isso. O único país para o qual viajei foi porque em Lisboa tinha um amigo meu que jogava no Benfica, o Sidnei. Ele estava lá, fui viajar e fiquei dois ou três dias lá com ele. Só isso, mas fora isso nunca gostei de estar viajando. Nunca me interessei por essas coisas.

 E nem na Inglaterra quis conhecer outras cidades?

Pô, viajei uma vez para Glasgow. Inventei de ir de carro. Sete horas! Sete horas para ir para um país mais frio ainda. Falei: “Meu Deus do céu! É o fim do mundo mesmo”. Cara, é muita loucura aquela cidade. Aquela Escócia… o povo é muito maluco mesmo. Mas são coisas que vão passando, você vai voltando a lembrar de muitas coisas, você fala: porra, que saudade. Mas foi uma experiência maravilhosa, como eu já falei.

Falando um pouco dos ingleses, dos escoceses, como é que você enxergava eles, o que você achava de diferente dos brasileiros?

Ah, a educação. Eu acho que o inglês é muito educado. É muito educado, ele é trabalhador, ele é muito pontual. O pessoal chegava: “Ô, Denilson, eu tô chegando na tua casa oito e meia.” Oito e meia em ponto ele já estava em casa, e eu não estava nem pronto ainda pra sair, pra fazer certas entrevistas. “Pôôô, você tem que ser brasileiro mesmo!” e não sei o quê. Eu falei: “Porra, cara, desculpa e tal.”. Essa é a diferença do brasileiro para o inglês.

Mas eles eram fechados quando você estava na rua?

Tem alguns, sim, mas a maioria, quando você acaba pegando amizade, você vê que não são tão fechados assim. É que a forma de pensar é diferente. A forma de pensar do brasileiro, o brasileiro gosta de resenha: o brasileiro, por exemplo, está na concentração, ele gosta de resenha. Ele acha um quarto, tipo cinco jogadores, pra resenha ou jogar um videogame, aquela coisa e tal, e fala daqui fala dali. O inglês já não é assim. Então, cada um na sua né!?

Em termos de concentração era muito diferente do que é uma concentração brasileira?

É muito diferente! Até porque lá a concentração era individual. Você concentrava sozinho. Você não tinha ninguém, não tinha companheiro no quarto. Então, assim: cada um na sua e tchau. Mas depois quando saía pra comer ou jantar alguma coisa aí voltava. Mas era legal.

E tinha bastante estrangeiros lá no Arsenal quando você estava atuando lá?

Não muito.

Nas outras equipes, sempre tem pelo menos uns oito…

Ah, sim. Por exemplo, na época em que estive lá tinha bastante francês, até hoje tem alguns franceses lá no Arsenal. Espanhóis, pouco… Brasileiro, quando eu estive lá, quando eu estava, quando eu cheguei, ficou eu, o Júlio Baptista e o Gilberto. Aí depois o Júlio saiu porque ele tinha voltado de empréstimo para o Real Madrid, ficou eu e o Gilberto e o Eduardo [da Silva]. Aí depois saiu o Gilberto, aí ficou só eu e o Eduardo, de brasileiro.

E você percebia se existiam “panelas” entre cada um dos países ou não era assim?

Não é questão de panela. Você chega em um país onde você não conhece nada, às vezes, pô, se tem três brasileiros, se eu estou chegando agora, o pessoal vai querer me puxar, pra você se enturmar. Não que é “panela”, não que você não goste do espanhol ou do africano, mas é que você acaba pegando mais aquela intimidade, por ser brasileiro ou africano ou espanhol, sei lá… É assim. 

Mas é você chegou a perceber se tinha algum tipo de preconceito com os estrangeiros?

Não, de forma alguma. Nunca teve. Não, nunca teve preconceito. Nunca.

Nem de torcida também?

Nem de torcida, nem de nada. Eu nunca vi isso.

E com relação a racismo, você chegou a ver lá?

Também não, cara, é incrível, né?! Hoje está todo mundo falando desse negócio de racismo aí, mas nunca vi, nunca aconteceu.

 E no convívio cotidiano com você nunca aconteceu?

Muito menos, isso aí nunca. Todo mundo lá se respeitava, um grupo bom, um grupo fechado, todo mundo se gostava, não tinha pessoas más, todo mundo lutava pelo mesmo objetivo, mas nunca esse negócio de racismo, nunca teve.

 E como é que você vê esses casos que estão acontecendo lá no exterior e aqui no Brasil também?

Tsc! É triste, né?! Eu não sei o que passa na cabeça desses caras. É torcedor, cara, isso aí… Se, por exemplo, eu estiver jogando amanhã ou um dia, sei lá, sabe, numa Alemanha, e eu estou jogando, estiver tudo dando certo pra mim e o cara pega e joga uma banana, cara, eu vou fazer o quê? Eu não posso fazer nada, porque ali é coisa de torcedor. Quem tem que fazer alguma coisa são os responsáveis pelacompetição ou o país que tem que se responsabilizar por isso, mas eu não posso fazer nada, porque aquilo ali é meu trabalho. Às vezes eu acho que muitas pessoas ficam falando isso aí pra dar muito ibope também. Isso aí acaba dando muito ibope pra muitas coisas, muitas coisas pequenas.

Mas você fala da mídia ou dos jogadores, do quê?

Dos jogadores, da mídia. Acho que a pessoa que faz esse ato está querendo ibope. E se você der ibope para aquilo, você acaba levantando mais ainda as coisas. Então, eu acho que isso tem que acabar, mas vai acabar naturalmente, não forçando porque não adianta. Hoje está acontecendo muito esse negócio aqui no Brasil também…

E você acha que tem diferença, do que acontece aqui e do que acontece lá? Tanto no futebol quanto na sociedade como um todo, você acha que existe diferença de preconceito racial?

Ah, cara, eu vou te falar uma coisa: eu particularmente acho que o ser humano é preconceituoso, não só em questão de cor. Você vai naquele shopping Cidade Jardim, que é um puta de um shopping, chega uma pessoa, a pessoa pode ter dinheiro no bolso, se a pessoa chegar com uma roupa simplesinha, a pessoa já vai te olhar diferente, a pessoa não vai nem querer te atender. Já começa por aí. Isso é o quê? Isso pra mim é um preconceito. Então, o preconceito ele não só vem em questões de pele, se é branco, se é amarelo ou se é azul. Então, eu acho que o ser humano é preconceituoso sim. Eu acho. E é uma coisa que não poderia existir, cara… Todos nós somos iguais independente de qualquer coisa. Se a pessoa é “a”, se a pessoa é “b”, a gente tem que respeitar, de igualdade.

E com você isso já aconteceu aqui no Brasil?

Comigo, não. Acho que não, cara, acho que não.

Mas você já percebeu situações assim?

Ah, já percebi. Porra! Um dia eu estava com um colega, e o menino, pô, coitado!, o menino é muito feio, saca? Tipo assim [risos]: pô, a gente estava no shopping e uma menina olhou para a outra e falou assim: “Nossa, amiga, que menino feio!”. Então tipo assim: na cara dura, no shopping, e ele ficou todo sem graça. Eu falei: “Que nada! Pô, isso aí é nada!” [risos]. Você vê uma pessoa te chamar, a pessoa nem te conhece, e faz um negócio desse?! Então, você já vê por aí.

 E lá fora você nunca presenciou uma situação dessa ou parecida?

Não, lá não. Lá o pessoal te trata com respeito…

 Eles são mais reservados?

Mais reservados. A educação, até em questões de tirar foto, em questões de pedir pra te dar pra dar um autógrafo, tudo isso. Você pode estar em um restaurante, a pessoa ela espera você terminar de comer pra depois pedir: “Por favor, você poderia…”. O brasileiro, não, fala: “Ô, seu malandro, me dá me dá autógrafo aí!”… “Ô, fulano, ô, não sei o que, faz isso aí!”. Pra você ver a diferença de um para o outro. É essa.

E lá na Europa você acha que as medidas assim tomadas pelas federações são bem mais rígidas?

Ah, são bem mais rígidas. Imagina na Inglaterra, muito rígida. Na Alemanha, acredito que também seja. Então, não tem muito disso, não.

Eu queria que você falasse um pouco sobre a Seleção Brasileira. Você foi convocado em 2006?

Foi em 2006, contra a Suíça.

 E aí como é que foi essa experiência?

Foi uma experiência muito boa, porque no dia que eu recebi a ligação, de que eu estava convocado, eu estava jantando nesse restaurante no Sopwell, onde eu fiquei durante três meses. E o Gilberto Silva é quem tinha sido convocado, só que o Gilberto Silva teve um problema familiar, alguma coisa assim, teve que viajar para o Brasil, e como não tinha ninguém pegaram e me ligaram me convocando, “Denilson, você está convocado, tem que se apresentar amanhã.”. Porra, eu quase me tremi… Ele falou: “Sério, sério, sério.”. Peguei, fui. Não joguei, fiquei no banco. Mas só de eu estar, de ter feito parte do grupo pra mim foi muito bom. São sempre coisas que você leva para o resto de sua vida, é sempre uma experiência. Se é ruim ou ela é boa, eu acho que a pessoa tem que guardar, sempre almejando o melhor para a vida de cada um porque nem sempre vai ser de vitórias e nem sempre de derrotas. Mas o que vale é a experiência e você poder sempre andar com a cabeça erguida, porque a vida sempre vai ser assim, sempre vai ter altos e baixos, sempre vai ter que estar buscando e preparado. E assim: subi para o profissional com 17 anos, fui campeão do mundo com o São Paulo com 17 anos, no ano seguinte fui para o Arsenal, joguei cinco temporadas lá. Então pra mim, cara, é uma grande vitória pra mim. Eu me sinto uma pessoa realizada, não de tudo porque eu almejo algo bem maior do que qualquer coisa assim. Mas pra mim, cara, de ter passado, de ter vivido, ter passado momentos bons, pô, pra mim isso é uma grande vitória.

Mas em relação à Seleção, você acha que mudou o modo como os jogadores te olham depois que você é convocado?

Sim. Não precisa nem ser em questão só de Seleção. Se a pessoa não estiver jogando para algumas pessoas você não presta, mas se você estiver atuando sempre você já vale muito, e se você chegar a uma Seleção Brasileira aí que você é o melhor do mundo pras pessoas. No futebol tem muita tem muita trairagem. Porque, não só no futebol, mas na vida, eu acho que na vida você vale o que você tem. Se tiver um real, você vai valer um real; se você não tiver nada, você não vai valer nada. Talvez não seja assim para as pessoas que gostam realmente de você. Esse pessoal que só te veem dessa forma se você estiver bem no teu trabalho, se você estiver evoluindo, as pessoas ficam tristes pela sua evolução. Então, assim, eu acredito muito nisso. E em questões de Seleção, é a mesma coisa. Se você estiver na Seleção Brasileira, as pessoas só faltam beijar o teu pé, achando que você é Deus e eu acho que ela tem que ser a mesma. Ela não pode nunca mudar do ser humano, porque a única pessoa que a gente pode exaltar aqui, cara, é a Deus. E sempre agradecer, porque é ele quem nos dá a oportunidade de sempre estar melhorando, mais uma oportunidade de vida. É isso que eu creio, em Deus.

Mas e a sua visão dos outros jogadores que são convocados, você acha que eles se sentem mais privilegiados em relação aos outros jogadores?

Não. Eu não sei, porque eu acho que é assim: eu acho que cada pessoa ela tem uma forma de pensar. Eu acho que tem alguns jogadores que se sentem lá em cima por ter sido convocado para a Copa, por estar na Seleção, e outras não, tem outros jogadores que sentem a mesma pessoa, de quando estava jogando num time de várzea quando era mais novo ou estava jogando em um time aqui do Brasil. Então, assim, cada pensamento tem suas coisas. Então, eu não posso falar que todos os jogadores pensam dessa forma.

Mas e o fato de ser brasileiro, isso já conta muito? É pelo menos é isso que a gente tem ouvido. Você sentia isso quando você chegou no Arsenal, ou mesmo depois, ao longo dos anos? Porque sempre cria uma expectativa muito grande em torno dos brasileiros…

É uma responsabilidade muito grande, porque apareceram muitos aí: Garrincha, Pelé, Rivelino, Zico. Então, quando você sai daqui do Brasil para ir pra fora, todo mundo vai achar que você é o novo Pelé: “Se é brasileiro, é o novo Pelé.”. E às vezes nem sempre você acaba mostrando o que as pessoas estão esperando. Mas é normal, cara, é normal, o futebol brasileiro é muito bonito, o brasileiro em si ele tem várias qualidades, principalmente técnicas, habilidade como se vê por aí. É aquela coisa: o futebol brasileiro é a alegria. Então, sempre vai sofrer pressão por ser brasileiro, mas nem sempre é do jeito que as pessoas pensam também.

E você se inspirou em algum jogador? Ao longo da sua carreira teve algumas referências?

Eu sempre me inspirei no meu pai. Mas o meu pai ele sempre mostrou o DVD – o DVD não – o videocassete na época do volante que jogava, que foi treinador do Inter?

Falcão?

Falcão! Mostrava muito vídeo, pela posição, por ser volante e tudo. Achava muito bonito ele jogar pela classe. Pela classe e elegância de jogar. Ele, Redondo, que é argentino, assistia muito. Fantástico! Mas assim um jogador que não tem nada a ver com ele, um jogador que eu vi jogar e que é excepcional foi o Zidane, Zinedine Zidane. Esse pra mim não tem nem comentários. Então, esses caras eu vi jogar muito pelo videocassete, DVD…

E você teve oportunidade de conhecer pessoalmente?

Zinedine Zidane, não… Mas joguei com o melhor do mundo que eu acho que é o melhor do mundo ainda: Messi.

Como é que foi jogar lá? Você jogou Champions League…

Joguei cinco Champions

 Jogou Premier League… Enfim como é que era jogar?

Jogava com o Cristiano. Normal. Não tinha nada assim de “uau, o cara”, não. Ali é onze contra onze e você respeita o que o cara ele faz dentro de campo, você tem o respeito e a admiração pelo que ele é, por tudo o que o jogador já conquistou. Mas ali dentro de campo é onze contra onze, você não vê diferença do branco pro preto, nem do preto pro branco.

E como é que é em termos de torcida, de jogar em estádios conhecidos no mundo inteiro, em Manchester, em Liverpool, Barcelona, Camp Nou, como é que é isso?

Cara, eu vou te falar: eu sinto muita saudade dessas coisas. É outra coisa, o torcedor apoia até o final. Às vezes o time perde, como a gente já perdeu de 3 a 1 para o Manchester dentro de casa, pela Champions, valia a semifinal, acabou o jogo e a torcida aplaudindo a gente. Se for aqui no Brasil, porra, a torcida manda você para aquele lugar, cara, já há muito tempo. A diferença é muito grande, não tem educação, o povo aplaude, tem prazer em saber de você estar jogando no time deles, é uma coisa diferente, só você vivenciando pra saber o que é aquilo.

Lá os estádios são sempre cheios, independente do jogo?

Ah, mais de 60 mil, 65 mil pessoas todo jogo. É outro mundo, cara, a Europa pra mim é outro mundo.

 Mas você tem vontade de voltar?

Tenho. A minha prioridade é voltar para a Europa novamente. Não sei se vai ser Europa, se vai ser uma Ásia, pode ser Dubai, não sei. Mas a minha vontade é poder ir pra fora, ficar um tempo lá e depois voltar novamente.

Talvez para o São Paulo?

Pro São Paulo. Claro, sem dúvida alguma [risos].

E, olhando assim como um todo, quais foram as melhores e as piores experiências que você teve lá fora, tanto dentro quanto fora de campo?

De fora? Fora de campo? Ah, a polícia parar toda hora. Excesso de velocidade, e tudo. Essas coisas deixam triste, mas também depois passou, mas eu vou te falar: coisa triste mesmo foi mais a solidão. Mais a solidão. Passar Natal e ano novo sozinho, concentrado ou no seu quarto ali sem ninguém, aquele vazio. Você sozinho assim na casa, você sozinho, e o ano novo rolando aqui no Brasil. Pra mim foi a coisa mais triste que eu passei. Isso foi a solidão. Mas de felicidade pra mim durante esses cinco anos foi o aprendizado que eu tive e tudo isso pra mim valeu mais do que essas coisas tristes que eu passei.

E dentro de campo?

Dentro de campo? Tristeza não, se eu tiver uma tristeza foi um jogo que nós perdemos para o Chelsea por 2 a 1, pronto pra gente ser campeão, primeiro título meu pelo Arsenal, e perdemos de 2 a 1. Pra mim ali fiquei triste, fiquei triste pra caramba. E a alegria foram os gols que eu fiz pelo Arsenal, as comemorações, que eu fazia muitas comemorações.

Você gostava de sambar?

Sambar, aquela coisa toda do brasileiro. Então, assim são essas coisas que me deixavam bastante felizes dentro de campo.

E quando você retornou quais foram as motivações para sair de lá? Foi mesmo a solidão, para estar um pouco mais perto da família?

Foi mais solidão e a questão, quer dizer, o fator da minha filha foi maior. Sofri bastante porque minha filha tinha acabado de nascer e tudo o que queria estar próximo dela. Foi mais pela minha filha do que por outra coisa.

E aí não tinha como ela ir para lá?

Não tinha como, porque a mãe dela mora lá no Campo Limpo, então longe. Então é o jeito, você tem que voltar. Mas não me arrependo, não me arrependo do que eu fiz. Como eu falei, o mais importante foi tudo isso que eu passei e vivendo assim nós vamos.

E falando um pouco lá do Jardim Ângela, você mantém ainda contato com a comunidade?

Eu vou de vez em quando. Eu ia bastante lá, mas vou de vez em quando.

Ainda hoje você vai de vez em quando pra lá?

Vou, vou. De vez em quando eu dou uma passada, cumprimento lá o pessoal e só. Depois volto pra casa novamente.

E como é que você olha pra trás e vê essa transformação da sua vida? Em termos econômicos…

É grande, viu! A diferença é muito grande e você vê muitas pessoas lá, ainda não ter conquistado… É difícil. Mas cada pessoa, cada ser acho que tem o seu objetivo. Tem as suas escolhas. E eu escolhi isso aqui pra mim, cara: ser jogador, em busca dos meus sonhos, dos meus objetivos, e estou aí até hoje e graças a Deus vou mais longe ainda, com fé em Deus e vamos que vamos que a cangada não para, não!

Você várias vezes demonstrou ser uma pessoa religiosa. Como é que foi manter isso lá na Inglaterra?

Não, eu sou católico. Mas hoje eu frequento muita igreja evangélica. Mas na realidade eu vou em busca de Deus, não vou em busca de religião. Entende? Eu sou católico, mas se for pra me chamar ali na igreja evangélica, eu vou sim, vou agradecer ao Papai do Céu, porque é o mais importante de tudo, independente de religião, independente de qualquer coisa eu vou em busca de Deus.

Mas lá fora você procurava ir a cultos?

Ia, ia. E tem muita igreja católica em Londres. Tem umas igrejas bonitas. Eu ia também. Aí depois parei, fazia um tempo que eu não ia. Aí depois eu tive que voltar de novo  porque é sempre bom você também estar, se fortalecendo e fortalecendo o seu lado espiritual. A gente às vezes muitas vezes esquece o lado principal da vida. A gente se preocupa muito com cabelo. O jogador em si, acho que a pessoa é muito vaidosa, na academia a pessoa malha pra ficar forte, vai no cabeleireiro deixar o cabelo igual ao do Neymar, pra ficar bonito, pra sair na noite, mas esquece da parte principal que é Deus… É isso que eu acho.

E olhando para trás, qual balanço que você faz da sua trajetória, de sair lá do Jardim Ângela, virar um jogador de futebol no São Paulo, foi para a Inglaterra, voltou de novo para o São Paulo? Como é que você vê tudo isso?

Ah, eu vejo como uma vitória. Eu não vejo como uma derrota. Eu procuro sempre pensar no lado positivo. Claro que o lado negativo ele vem, mas a mente tem que ser forte. Você tem que ser forte, a sua mente tem que ser forte sempre, porque se não for, se não for, já era. Então, eu procuro sempre pensar que fui vitorioso, em tudo o que eu fiz eu não me arrependo. E assim é a vida, cara. Acho que a vida ela é feita de obstáculos e você tem que ir em busca sempre, fazer de tudo pra que dê certo sempre. Mas nem sempre infelizmente vai dar. Mas você não pode desistir independente de qualquer coisa.

Você pensa no que fazer depois, quando você se aposentar, trabalhar ainda com futebol ou você nem quer trabalhar com futebol, quer fazer outra coisa?

Então, na realidade eu não sei fazer outra coisa se não for futebol. Eu acho que vou trabalhar com esporte, não como treinador, como preparador físico, não sei se como empresário, como scout, não sei, mas eu quero trabalhar no meio do futebol porque eu nasci assim, gosto, amo o que eu faço, sempre mexendo com futebol, se Deus permitir, é claro.

Quem sabe teremos um técnico aí?

Não um técnico, acho que eu não. Técnico não, deixa para outras pessoas. Pra mim, não [risos].

Rotina de jogador cansa muito?

Olha, cansa. Nós temos um dia, a gente treina uma hora e meia no máximo. Se você olhar é muito pouco. Mas as coisas que nós passamos é muito complicado, é muito puxado. Pré-temporada a gente ficava um mês a um mês e meio fora, da longe da família. É viagem, é concentração, você não para, você viaja pro sul, você vai pro nordeste, pra vários lugares. Às vezes você passa mais tempo com o time, com o grupo, com o São Paulo, do que com a tua esposa. Às vezes eu não tenho nem tempo. Quando eu chego de viagem de madrugada ela já está dormindo. Então, imagina daqui a pouco quando eu tiver filho com ela, vai ser mais complicado. Mas é assim, cada escolha tem seu peso. Então, mas é isso que eu escolhi e não também…

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Marcel Diego Tonini

É doutor (2016) e mestre (2010) em História Social pela Universidade de São Paulo, sendo também bacharel (2006) e licenciado (2005) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP - Campus de Araraquara). Integra o Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO-USP) e o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas (LUDENS-USP). Tem experiência nas áreas de Ciências Sociais e História, com ênfase em Sociologia do Esporte, Relações Étnico-raciais, História Oral e História Sociocultural do Futebol, trabalhando principalmente com os seguintes temas: futebol, racismo, xenofobia, migração, memória e identidade.

Bruna Gottardo

Cientista Social pela PUCSP, pós-graduada em Bens Culturais pela FGV/SP, mestranda em Ciências Sociais pela PUCSP. Tem experiência nas áreas de antropologia, cultura, audiovisual e futebol, como pesquisadora, produtora e realizadora.

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