18.8

Emily Lima (parte 2)

Equipe Ludopédio, Museu do Futebol 15 de março de 2018

É com grande satisfação que o Ludopédio publica a entrevista realizada em parceria com o Museu do Futebol com Emily Lima, ex-técnica da Seleção Brasileira de Futebol Feminino. No mês de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, nada mais simbólico do que a narrativa da história de vida dessa notável profissional e sua luta em defesa da representatividade feminina no campo esportivo. Acompanhe conosco a entrevista realizada na casa dela no final do ano passado.

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Emily Lima conta sobre a sua trajetória no futebol. Foto: Max Rocha.

Teve a experiência do Palestra. De alguma forma, você estava em um grupo que já se conhecia, que jogava bem e que começa a procurar outros espaços. O que aconteceu depois disso?

Então, foi mais ou menos isso. Depois do São Bernardo, algumas atletas foram para um clube, outras foram para outro, e para outro, e eu fui para o Barra de Teresópolis em 2001. Aí fomos eu, a Grazi, a Tânia Maranhão, a Elaine… Daquele grupo, acho que são essas. Aí a gente foi disputar o Campeonato Carioca, no qual o time a ser batido, o foco nosso, era o Vasco, que tinha Sissi, Cidinha, Suzana, Juliana Cabral. A Marta estava chegando ao Rio de Janeiro, ao Vasco da Gama. E nós fizemos esse “catadão”, de algumas meninas que estavam no São Paulo e de outras que já eram do Rio de Janeiro muito boas jogadoras e que não eram aproveitadas em outros clubes. O presidente do Barra, que era o prefeito da cidade de Teresópolis, fez esse time, deu toda a estrutura, até que pagou um salário bom para a gente. Ele bancou todos os meses que prometeu, mas a gente sabia que era algo de momento, e que em 2002 a gente teria que ir para outro lugar, pois 2001 seria isso e acabou. E nós acabamos sendo campeãs! Foi muito bacana.

Os anos de 1999 e 2001 foram dois anos que me marcaram muito porque eu joguei realmente, quando os treinadores me fizeram jogar. Antes a gente assistia muito a Formiga jogar, a Sissi jogar, porque a gente era muito nova. A gente assistiu muito elas jogarem, mas esses treinadores fizeram com que mesmo nova a gente ia jogar ao lado dessas craques, vamos dizer assim. Em 1999, eu joguei quase todo o Campeonato Paulista. Tem um episódio na final do campeonato contra a Portuguesa, no Morumbi. A gente estava fazendo preliminar de São Paulo e Corinthians. Imagina como estava o Morumbi! Eu treinei de titular a semana toda. Algumas pessoas da CBF estariam no jogo, e meu treinador disse que precisava colocar uma jogadora, porque eles precisavam observá-la e era no meu lugar. Aí eu fiquei pê da vida, muito pê da vida! E falei para ele: “A hora que você precisar eu vou estar lá!”. Eu sabia que as coisas não iam acontecer como ele esperava, porque eu sempre acreditei no trabalho certo. Se você faz o certo, você vai colher ali na frente o certo. E deu dez minutos de jogo ele me chamou. Dez minutos de jogo! E eu já sabia para que era.

Então, eu tive também que ter a cabeça boa, porque senão ia falar: “Agora vou ferrar com tudo mesmo!”. Mas não. Como a gente tinha muito prazer em jogar e eu não sabia se ia entrar de novo no Morumbi, com aquele estádio cheio, em uma final paulista, se eu ia ter outra oportunidade como essa. Aí eu entrei e joguei muito bem. Depois, quando acabou o jogo, ele veio conversar comigo. Foi um jogo que me marcou muito porque eu joguei demais. Foi um dos jogos que me marcaram por causa disso. Porque eu estava treinando muito bem, sobretudo naquela semana da final, e tomei um baque na véspera. E foi na preleção! Não foi um dia antes. Ele veio conversar comigo e eu falei “ok”. Foi uma preleção também diferente. Eles pegaram filmagens de todos os pais, dando seu depoimento à filha: “Boa sorte! Você é isso, isso e aquilo. Você viveu para isso a vida toda…”. Eu conversava com meu pai e meu irmão todos os dias, e falava: “Vou jogar, vou jogar, vou jogar. Estou no time titular.”. No depoimento, meu pai falou: “Que você tenha um bom jogo e tal.”. Mas eu já sabia que não ia jogar… Então, isso foi uma coisa que me marcou.

Em 2001, eu fiz um Campeonato Carioca excelente, joguei muito bem, fiz alguns gols e acabei me lesionando. Tive que fazer uma cirurgia no joelho e acabei não disputando a final. Joguei a semifinal contra o Fluminense, ganhamos de 2 a 1. O segundo gol foi meu, em um chutão louco da goleira após um apertão. Eu jogava de volante, estava bem de volante. A Grazi jogava de ponta e era muito rápida. Hoje ela joga de volante no Corinthians. Ela era muito rápida pela beirada, e o chutão veio para ela. Eu olhei para um lado e para o outro e não tinha ninguém. E minha direção foi para o gol. Ela pôs a bola para dentro, a gente acabou ganhando e indo para a final. Ganhamos do Fluminense de 2 a 1.

E eu acabei me machucando nesse jogo. Parecia que estava encapetada nesse jogo! O jogo estava acabando, nos acréscimos já, e eu não ia deixar a bola sair na lateral. Só que era um daqueles campos que tem a “valinha”. Nessa “valinha”, eu fui salvar a bola e virei o joelho. Já estava acabando o jogo. Eu caí no chão e o juiz apitou para acabar o jogo. São momentos que marcam a gente, que a gente acaba não esquecendo. Então, 1999 e 2001 foram anos muito legais.

Você ainda vai fazer uma mudança para o Sul…

Em 2002… Aí fui para Veranópolis em 2002, também meio “catadão”. Para lá foram Daniela Alves, Maycon… Putz, tinha a Maurine, que na época não tinha vindo ainda para São Paulo. A nossa ida fez com que a gente conseguisse abrir portas para ela aqui. Porque eu não conhecia a Maurine aqui. Aí a gente jogou juntas lá. Franzininha de tudo! Diferente do que ela é hoje. Jogava demais, joga demais, mas naquela época era novinha. Jogava demais e acabou chamando a atenção nossa. “Vamos trazer essa menina de São Paulo porque ela tem muito o que fazer lá.”. Não me lembro mais de quem… Ah, a Simone Jatobá. Ela estava lá também. Foi um clube muito ruim para se trabalhar. Nós passamos um perrengue danado! Às vezes sem comida, a gente se reunia para fazer um rateio nosso. Pagamento, também, existiu até o terceiro mês, depois não existiu, mas aí a gente já estava na competição, classificamos para a final. Você vai no negócio que ama, porque, se você não gostasse, iria largar e fazer outra coisa. “Vamos, vamos!”, e chegamos à final contra o Inter. Acabou que a gente perdeu, nem me lembro do placar, mas foi coisa justa…

Foi um ano que me marcou por coisas negativas. Então, nem me lembro muito dos jogos, nada. Mas foi um ano profissional, assim, de jogar. Foi um ano bom também, eu joguei bastante, era a capitã da equipe. Na verdade, eu fui capitã de algumas equipes, porque eu gostava dessa liderança. Eu gostava de incentivar a galera para treinar. Muitas vezes elas falavam:

— Ah, não vai dar.

Eu ia lá e falava:

— Vai dar, sim!

Eu sempre tive esse espírito de querer que as coisas dessem certo e mostrar que as coisas juntas iriam dar certo. Então, foi um ano interessante dentro do campo, mas fora do campo foi muito ruim. Aí em novembro ou dezembro de 2002, teve essa transição para a Espanha e mudou tudo.

Como aconteceu isso?

Então, foi assim: tinha algumas brasileiras lá fora. Como eu sabia da situação do Brasil, as meninas iam indicando e indicando, como quando eu estive lá e eu indiquei muitas atletas para ir para lá também, para a França, enfim. Aí venderam meu nome lá: “Muito bom. Ela joga assim, assim, assim.”. Entraram em contato comigo, e a gente acabou acertando tudo para ir para lá. Num primeiro momento, foi mais por experiência mesmo, porque financeiramente não era atrativo, mas eu estava indo para a Espanha… A gente sabia que lá tem um futebol feminino mais organizado. A liga, também, não é o que é hoje, estava no início de uma superliga bastante organizada. Eu tinha a intenção de ir e tirar a minha dupla cidadania. Então, lá eu estaria muito mais próximo de Portugal e muito mais fácil para que viabilizasse toda a documentação, com muito mais agilidade. E foi tudo isso que aconteceu.

Em 2003, eu já joguei em uma equipe. Depois, para a temporada 2004-2005, uma outra equipe já me convidou. A primeira equipe foi o Estudiantes de Huelva, depois o Puebla de la Calzada, o Prainsa de Zaragoza, o L’Estartit e aí eu fui para a Itália. Então, esse tempo que fiquei na Espanha foi muito bom, foram anos muito interessantes, tanto profissional quanto pessoalmente, porque eu ficava o dia inteiro sem fazer nada e procurei algo para fazer. E fui trabalhar, porque eu tinha o objetivo de comprar minha casa. Minha casa é aqui perto da casa da minha mãe. Como tinha esse objetivo, queria juntar dinheiro, juntar dinheiro… Pouco saía, porque qualquer saidinha lá custa 100 euros. E eu pensava: “Cem euros (na época) é 340 reais em uma noite! Não, não posso.”. Durante uns seis anos mais ou menos, eu pouco saía, pouco comprava as coisas para mim, e utilizava as passagens que eu tinha de direito para vir ao Brasil no fim do ano que o clube dava. Então, eu fui economizando e pouco gastei mesmo que eu tinha o objetivo de comprar minha casa. Não sou uma pessoa consumista, o que ajudou muita coisa.

Trabalhei de tratorista de final de semana. Eu ganhava bem, sei lá 120 euros por hora. Então, valia a pena. Trabalhei em uma fábrica de madeira em Zaragoza e em uma de persianas em L’Estartit. Esta fábrica de persianas foi a que fez mesmo eu dar um boom para que eu pudesse comprar a minha casa. Eu ganhava quase 4 mil euros nessa fábrica. Só que eles têm décimo terceiro lá no meio do ano, no fim do ano, têm prêmio… Assim, você só não ganha dinheiro se não quiser. Mas eu também trabalhava muito, das sete às sete, porque eu fazia todo dia hora extra. Aí chegava em casa, jantava, às nove tinha que estar no treino, às onze acabava o treino, e no outro dia a mesma coisa.

Tratorista é alguém que dirige um…

Trator, trator, trator… Não eram esses tratores modernos, não, que é tudo hidráulico! Eu saía com dor muscular do trator, porque tinha embreagem dura, o volante não era hidráulico. Era um treino pra mim! Eu só trabalhava de tratorista de fim de semana quando eu tinha jogo em casa, porque, quando viajava, a gente viajava na sexta-feira e só voltava no domingo depois do jogo. Porque tinha concentração e tudo mais. Quando jogava em casa, ficava sexta-feira quando acabava o último treino. No sábado, eu ficava sem fazer nada. No Domingo, a rodada era sempre às dez. Do meio-dia em diante, até escurecer, eu ficava lá no trator, ficava lá direto. Aí segunda-feira iniciava de novo. Sete da manhã, trabalho, uma hora de almoço e papapá… Foi assim durante um ano e pouquinho.

O pessoal que trabalhava com você ia te ver jogar, te conhecia, como que era?

Ia, ia, ia. Ia porque o presidente do clube era muito amigo do dono dessa empresa. Então, não tinha só eu trabalhando nessa empresa, tinha outras atletas também. Eles iam, acompanhavam. Tinha um brasileiro nessa fábrica, o Paulinho. Depois a gente ficou amigo, a gente saía lá… Então, eles iam assistir, acompanhavam tudo. Eu passei um final de ano lá na casa do dono da empresa, do meu patrão. Porque eles sabiam que eu estava ali sozinha, o pessoal ia cada um passar as festas com a família. E eu passei com eles um ano. Só que era na Catalunha, e eles são muito individualistas, né?! Eles não querem saber se eu sei ou não catalão. Eu sei espanhol e falo meu português. E eles não querem saber e aí você tem que aprender. Mas eu não fazia questão de aprender porque eu achava isso muito errado na Espanha, eu achava um absurdo. Quando eu usava a minha meia que tinha uma bandeirinha da Espanha, eles começavam:

— Que que você está usando?

— Ó, eu sou brasileira, estou aqui de turismo e aqui pra mim é Espanha.

Eles ficavam putos da vida! Nossa, mas muito putos.

O fato de você ser brasileira, de vir de um país que vende essa ideia de ser o “país do futebol”, isso influenciava na escolha de ter uma estrangeira compondo essas equipes espanholas?

Quando eu fui, isso chamava muito atenção. Mas depois virou algo natural para a Espanha contratar estrangeira, não só brasileira. Hoje muito mais. Hoje lá tem holandesa, francesa… Hoje virou um mercado como o mercado americano, o mercado alemão. Hoje a liga lá é profissional. Mas quando fui, sim. “Pô, é brasileira, deve ser diferenciada.”. Não era, não! Eu sempre fui uma atleta muito normal. Era uma atleta que não aparecia tanto no jogo, mas fazia o fundamental para a equipe andar. Então, isso chamava a atenção deles. Pouco perdia a bola, pouco errava passe. A minha qualidade era esta: passe, domínio, lançamento. Eu podia dar dez no mesmo lugar que eu não errava, mas era muito lenta, nunca tive um corpo forte, como elas têm lá hoje. Então, meu biotipo era para fazer aquilo ali. Se passasse daquilo, eu errava. Então, isso chamava a atenção deles e isso foi o que fez com que eu ficasse na Espanha por algum tempo.

Qual foi o momento mais complicado no período que passou na Espanha?

Na Espanha? Eu não tive momento difícil na Espanha. Acho que foi da minha cidadania, de correr atrás disso, mas nada com o futebol. Porque eu tinha que viajar sempre para Portugal, passar dias lá, em um país onde não conhecia nada. Aí eu tinha que ir de boca em boca. Contratei um advogado para fazer toda a papelada. Tive que confiar no cara, porque eu deixei tudo na mão dele. E foi um cara que me ajudou demais. Essa foi minha dificuldade, porque eu tinha o trabalho, o treino, o jogo e tinha que arrumar um espacinho para resolver isso. Porque eu não ia ocupar um espaço de uma estrangeira dentro do clube. Cada equipe tinha direito a três estrangeiras. E eu não utilizava. Eles podiam ter eu e mais três estrangeiras, entendeu? Isso facilitou. E eu queria muito isso! Para que, em nenhum momento, ter as craques, vamos dizer assim, as atacantes, que sempre se destacam muito. “Não, eu prefiro contratar uma atacante do que você.”. Então, isso foi um ponto em falei: “Eu preciso porque sempre vou estar jogando em algum clube.”. Acho que esta foi minha maior dificuldade: arranjar um tempo para que eu pudesse fazer minha documentação. Mas no futebol em si eu não me lembro de ter passado nenhuma dificuldade.

Você já tinha passado por equipes com um trabalho bacana e algumas mais complicadas aqui no Brasil. Aí você vai para a Europa, tem todo um deslumbre e vai ter quatro experiências de clubes nesses lugares. Tem, de fato, diferença na organização das equipes, na condição do trabalho? Você, que é técnica, sentiu se é melhor, igual, pior?

Não, tem. Falando da parte técnica, acho que alguns treinadores do Brasil estão à frente dos treinadores de lá. Isso na minha época, hoje mudou muita coisa lá… Eu achava que os treinamentos aqui eram melhores do que os de lá. Da parte de clube em si, de estrutura, sem comentários. Lá a gente ganhava premiação por jogo… Viajava todo fim de semana ou de ônibus ou de trem rápido. Enfim, a gente tinha essa estrutura muito boa. E, financeiramente, não tem o que se discutir, era melhor do que no Brasil. Então, tem alguns pontos positivos e alguns pontos negativos.

Seu pai era português e ele já era falecido nessa época. E você teve esse convite de defender a seleção portuguesa?

Sim, isso foi em 2006. Eu estava finalizando minha documentação. Tinha até me esquecido de Portugal. Isso também fez com que eu acelerasse esse processo. Porque eu queria servir à seleção, porque em 2004 eu fui cortada pelo professor Renê Simões da Olimpíada de Atenas. Não estava bem mesmo, estava mal. E outra: disputar posição com Daniela Alves, Formiga… é complicado. Eu tinha consciência da atleta que eu era, do nível que a seleção estava, enfim… E aí eu falei: “Ah, vou tentar outros ares. Vamos ver.”.

Eu sempre tive, até antes de 2006, um contato com uma supervisora de futebol, a Ana Caetano, dentro da Federação Portuguesa de Futebol. Então, a gente sempre tinha contato por e-mail. Na época, era tudo por e-mail, não tinha essas redes sociais. Eu entrei no site da federação e vi algumas coisas lá do futebol feminino. Curiosidade mesmo! Fui buscar aonde eu podia chegar, o que eu podia fazer. Aí eu peguei o contato dela e comecei a conversar. E ela me disse:

— Ó, a gente está procurando estrangeira com nacionalidade. Queremos fortalecer nossa seleção. Estamos nesse processo de transição de vocês, estrangeiras, agregarem ao nosso trabalho.

— Eu estou terminando minha documentação. Se eu tiver uma oportunidade, seria um prazer.

Aí contei toda a história do meu pai, que ele veio para o Brasil com 9 anos. Contei toda essa história para elas, falei de onde meu pai era. Falei que estava na Espanha jogando. Ela achava que estava no Brasil. Foram assistir eu jogar, enfim, aí teve o envolvimento deles para saber. E foi onde teve a convocação em 2007. Em 2007, 08 e 09, eu tive o prazer de servir à seleção portuguesa. Acho que disputei os três Algarve Cup nesses três anos. Eu acho, não tenho certeza. Tem tantas datas na minha cabeça. Ou são dois, ou três.

Algarve já era o melhor campeonato depois da Copa do Mundo. Já tinha tido algumas edições anteriores dessas que eu participei, mas tinha as melhores seleções ranqueadas. A disputa era entre o ranking. Então, os Estados Unidos nunca jogavam com Portugal, porque Portugal era a última, vamos dizer assim. Então, eles tinham o ranking dos menos pontuados e dos melhores ranqueados. A disputa era diferente. Hoje mudou um pouco esse formato. Até 2009, quando eu parei de jogar em dezembro daquele ano, eu acabei chamando o presidente lá da Itália. Em 2008 eu estava no L’Estartit e em 2009 fui para a Itália. Aí eu falei para ele que eu estava 50% daquilo que eu podia render na equipe, pedi que fosse embora em dezembro e acabei encerrando minha carreira em 2009.

Como que foi esse momento delicado de assumir para si mesma que talvez fosse a hora de parar?

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Emily: “Eu sentia muita dor, eu quase não dormia à noite por causa da dor. Eu quase não treinava e não conseguia dormir”. Foto: Max Rocha.

Então, nunca é fácil. Sempre que eu pensava em parar, eu tentava fazer algo para que meu joelho aguentasse um pouco mais. Mas eu via que eu fazia e fazia, mas os resultados já não eram iguais a antigamente. Aí eu, para mim mesma, assumi: “Eu não consigo mais praticar esporte de alto rendimento. Para que eu fique aqui disputando da maneira que eu estou, jogando da maneira que estou, eu prefiro parar.”. Eu sentia muita dor, eu quase não dormia à noite por causa da dor. Eu quase não treinava e não conseguia dormir. Jogava e não conseguia dormir. Como a gente treinava todo dia, então pouco dormia. Os anos de 2007, 08 e 09 foram bastante difíceis, porque foram à base de remédio, de gelo, de fortalecimento. Já estava tudo destruído. Eu não queria operar de novo e todo aquele processo com 29 anos de idade. Como eu tinha ideia também de passar para a gestão do futebol, eu falei: “Ah, encerro minha carreira e em 2010 já vou entrar com minha cabeça nisso.”. Então, pra mim neste momento foi fácil, mas quando eu pensava em parar era bastante difícil.

Quando eu cheguei em 2009 aqui no Brasil, entrei em 2010, apresentei os projetos e deu certo, falei: “Agora…”. Foi tudo muito rápido, também. Eu, como atleta, fui fazer uma avaliação e vivi disso muito rápido. E eu, como gestora, treinadora, apresentei um projeto e até hoje estou aí no mercado. Então, pra mim foi tudo muito rápido, as duas coisas. Eu falo que eu tive muita sorte de sempre ter as pessoas certas, o lugar certo. Porque o Prisco Palumbo, treinador da Portuguesa ainda, foi a pessoa certa para que eu pudesse fazer essa transição de atleta para gestora. Ele me ensinou muita coisa. É um senhor muito mais experiente que eu. Então, me dava muitos toques, falava muitas outras coisas. Ele me deu um empurrão e falou: “Ó, vamos lá agora. Segue sozinha aí.”.

Lá em Portugal, você conheceu a Mónica Jorge, que é uma figura interessante. Ela é técnica, diretora do Departamento de Futebol Feminino no país. De alguma forma, a gente ouve no Brasil que faltam essas referências de lideranças e mulheres do futebol. Elas fizeram diferença nesse percurso tanto aqui no Brasil quanto essas mulheres que você conheceu fora. Conte-nos um pouquinho. Existem personagens mulheres que estão compondo essa história de liderança no futebol?

Então, a Mónica Jorge foi também uma pessoa muito importante para mim. Ela era minha treinadora. Ela não estava na parte de diretora ainda, era treinadora somente, mas era a cabeça da federação juntamente com a Ana Caetano. É, no Brasil nós temos algumas ex-atletas que poderiam estar mais envolvidas na modalidade, mas existem muitas barreiras masculinas que não deixam entrar. Existem muitos diretores, cartolas que têm um amigo, que preferem colocar um amigo do que uma pessoa que viveu isso. E que foi o que eu não vi na seleção portuguesa. Na federação portuguesa, eu vi uma pessoa que veio do levantamento de peso. Sabia disso? A Mónica fazia levantamento de peso, e acreditou no futebol, e entrou na federação com as suas ideias, e os caras abraçaram as ideias dela e da Ana Caetano. Então, ela que coordena tudo hoje, não só as seleções, mas a liga portuguesa, que também já levou muitas brasileiras para lá. Eu estava vendo ontem uma matéria que teve a primeira convocação sub-15 da seleção portuguesa. Então, hoje eles têm sub-15, 16, 19 e adulta. É um trabalho que ela já iniciou há algum tempo, mas com conhecimento, com a experiência que ela tem.

Aqui no Brasil, nós, em 2014, criamos a seleção sub-15 e de repente desapareceu. Não tem o porquê desapareceu a seleção sub-15, que é a que prepara a sub-17. Se a gente fala de Brasil, não tem campeonato sub-14, sub-15, sub-16. Teve em 2017 o sub-17 Paulista. Então, como esses treinadores vão descobrir as atletas? Como que eles vão convocar as atletas para a seleção sub-17 e disputar a sul-americana e mundial? Então, eles têm que classificar as equipes lá para disputar um mundial, que é muito mais difícil. Nós aqui temos essa facilidade de classificação, porque os países sul-americanos são países que são fáceis de jogar. Era, né?! Não é mais, porque eles também estão se desenvolvendo dentro do futebol feminino. Nós temos: Chile, Colômbia, Venezuela. E a gente não dá o mínimo de apoio, o mínimo de atenção.

Criar uma seleção sub-15 não deve dar tanto gasto assim para a seleção brasileira. Você faz três, quatro convocações no ano e já tem uma base para a seleção sub-17. E essa seleção sub-17 dará suporte para a seleção sub-20, que vai dar suporte para a adulta. Essa é a ideia de todas as outras seleções se você parar para conversar com eles. Mas a nossa é de imediatismo. “A sub-17 montou e, poxa, não foi campeã do mundo?!”. Não tem milagre que faça acontecer! Ou a sub-20, também. Pode ter o melhor trabalho possível, mas não vai conseguir ganhar. Aí fica naquela esperança de ganhar, de ganhar: “Porra, vamos ganhar e fazer diferente!”. Mas e aí? E o país, em si, como é que está? Então, essa é a diferença do pensamento deles lá fora e do nosso.

Mas nós temos a Sissi que está fora do país, a Taffarel que está fora do país, mas que estão fora porque aqui é muito complicado trabalhar no que elas gostam. Nós temos a Duda, que eu já citei, do Inter, que poderia, sim, estar à frente de uma coordenação dentro da CBF, nas categorias de base, não sei. A Dilma Mendes, que foi atleta de futebol e jogou na seleção, hoje está na Bahia fazendo um excelente trabalho com futebol masculino. A Aline Pellegrino está fazendo a gestão na Federação Paulista. Enfim, nós temos alguns nomes que poderiam estar contribuindo muito mais do que estão. Não porque elas não querem, mas porque elas não têm essa oportunidade.

Confira a terceira parte da entrevista no dia 22 de março!

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