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Evair (parte 2)

A entrevista faz parte do projeto Memórias dos boleiros: histórias de vida de atletas e de integrantes de comissões técnicas brasileiras que atuaram no exterior. Esse projeto foi fruto de uma parceria entre LUDENS-USP, Museu do Futebol e o portal Ludopédio.

Esse projeto tem como proposta reunir as histórias de vida de jogadores de futebol e de integrantes das comissões técnicas que tenham atuado no exterior. Ao optarmos pela história de vida, teremos acesso a uma série de discursos até então pouco investigados. Isso pode ser verificado quando se recorre à história do futebol e se percebe que existe uma história que é considerada “oficial”. Essa pesquisa será uma forma de ampliar discussões sobre o futebol a partir da história de vida dos jogadores e integrantes das comissões técnicas. A história oral será o método adotado para a construção de um diálogo com o referencial teórico das Ciências Humanas, mais especificamente a produção da Antropologia, da História e da Sociologia. Por meio da história de vida, ainda será possível registrar memórias, histórias e experiências dos sujeitos mencionados, além da criação de um banco de vídeos com as entrevistas realizadas de modo a constituir um acervo para preservar a elaboração de tal memória, quer se refira de modo restrito à carreira dos mesmos, quer, de modo geral, ao futebol brasileiro.

 

Evair e os entrevistadores. Foto Projeto Memórias de Boleiros
Evair e os entrevistadores. Foto: Museu do Futebol.

 

 

Segunda parte

Como foi esse encontro Atalanta e Palmeiras para o seu retorno ao Brasil?

Eu pedi pra voltar, e o Atalanta se interessou pelo Careca Bianchesi. Então seria centroavante por centroavante, ele é um atacante mais velocista. Mas, a princípio, o Atalanta teve que devolver um dinheiro, alguma coisa, porque a necessidade era do Atalanta, porque eu que quis voltar, e se prontificaram a fazer a negociação, foi feita, correu tudo bem, eu voltei ao Palmeiras e o Careca foi pro Atalanta.

Mas tinha uma relação com a Parmalat ou não?

Não, não tinha essa relação, até então a Parmalat não estava presente no futebol brasileiro, chegou depois em, no meio de 92, eu cheguei no meio de 91, de volta depois de três anos.

E como foi voltar?

Foi um susto, porque a primeira coisa, quando eu cheguei, e eu dei a primeira entrevista, a manchete do outro dia era: “O Palmeiras contratou um jogador bichado”, porque eu saí do Brasil com hérnia de disco, me diziam que eu tinha hérnia de disco, e, dali pra frente parece que os três anos foram três horas, e eu joguei os três anos no Atalanta, não senti dor nenhuma, mas, mesmo assim, parecia que essa relação, essa polêmica toda, também pelo Palmeiras há quinze anos sem ganhar título, então isso trazia uma dúvida. “Ah, não vai ser aprovado no exame médico”. Fizeram vários exames para constatar, e realmente tinha uma protusão, quase todos jogadores tinham desde a minha época até hoje, então, criou-se essa polêmica, mas, depois, quando foram feitos os exames, aí sim fui aprovado pra vir pro Palmeiras.

Você sentiu diferença logo de cara em relação à estrutura, ao próprio futebol jogado no Brasil, já que você veio com outro aprendizado, outro conhecimento tático?

Sim, a adaptação já foi bastante dolorida. Estava acostumado a treinar um período só. Chegar ao Brasil, treinar dois períodos, então a parte física muito desgastante pra mim, e eu senti nos primeiros dias, e continuava sentindo depois de alguns dias, mas quando começaram os jogos, eu entrava em campo cansado ainda, porque parecia que os treinos eram tão fortes ou mais fortes que os jogos, e aquilo incomodava bastante. Mas, logo em seguida, aconteceu que, depois de uma derrota, nós acabamos sendo afastados, e um dos grandes motivos é justamente isso, essa adaptação, esse choque de cultura, de repente três anos de uma maneira taticamente diferente de trabalhar, daí você vem pra um lugar que você tem que se adaptar, calor sempre e treino dois períodos, e isso atrapalhou bastante.

Em algum momento você pensou assim: “Ih, não foi uma boa eu ter voltado!”?

Não, quem disse isso foi meu tio. Meu tio que, quando eu voltei pro Palmeiras, me disse: “Olha, você podia ter voltado pra tantos times, vai voltar logo pro Palmeiras? O Palmeiras enterra seus atacantes, todos centroavantes do Palmeiras acabam a carreira lá dentro”. Então, aquilo ficou marcado porque foi um baque muito grande, mas eu tinha consciência do que eu podia fazer, aonde que eu queria chegar.

Você falou das diferenças do futebol, mas estava acontecendo muita coisa no Brasil e no mundo também, nessa época. Você, passados esses três anos distante do Brasil, percebeu mudanças na sociedade, na maneira como a população lidava com os políticos, por exemplo?

Eu me lembro que era uma época de eleições diretas, era nossa primeira eleição direta, eu não tive a oportunidade de votar, eu estava lá, mas foi uma época que chamava muita atenção, principalmente se tratando de câmbio, o dólar valia quatro reais. Eu não me lembro nem qual era a moeda da época, mas era quatro por um, três por um, três e meio por um. Então, ir pra Itália pra ganhar dez mil dólares era um excelente negócio. Então existia essa relação, acompanhando de longe, parecia muito desgastante, de repente o povo brasileiro resolveu ir pras ruas e parecia ter tomado uma decisão totalmente diferente daquilo que nós estamos acostumados, nós geralmente somos um povo pacato, de repente a gente via, de longe, aquele monte de gente nas ruas protestando, aquilo me chamou um pouquinho da atenção, mas, quando eu voltei pro Brasil, vi que era uma situação bastante comum, e que o Brasil estava tentando também se adaptar a determinadas situações.

E como foi que você foi se estabelecendo nesse retorno?

Olha, meio difícil porque, logo em seguida houve aquela situação que o Collor criou, quando eu voltei já começava a ser liberado o dinheiro, de repente você tinha juntado um dinheiro no banco, de repente você só tinha cinquenta reais, ou alguma coisa assim, e eu estando lá ouvia aqui a minha irmã falando, meu irmão falando: “Só temos isso pra pagar”, “Puxa, como é que faz?”. “Não sei, avisa aí os pedreiros que a situação é essa, nós temos isso pra pagar, nós temos aquilo”. Então ficou uma situação meio delicada, eu não sabia como reagir, porque, pra mim lá tava tudo normal, de repente aqui, aquilo que a gente acompanhava de longe parecia ser um negócio, e quando eu voltei parece que já tinha tudo liberado, já estava tudo normalizado, houve uma estabilidade. A inflação continuava existindo, mas parece que o Brasil mais ou menos tinha começava a tentar se acalmar, e isso trazia uma certa tranquilidade, mas, por outro lado, você ficava na expectativa “ah, o que que vai acontecer agora?”, mas eram situações bastante diferentes pra nós.

E no retorno pro Palmeiras, sua condição física foi contestada logo no início…

Sim. Depois houve a adaptação, eu fui afastado do Palmeiras, voltei depois de seis meses, aí a minha carreira começou de novo a decolar, nós tivemos a oportunidade de voltar ao Palmeiras, e recomeçar a nossa caminhada e, graças a Deus, correu tudo bem. Morando na rua Cayowaá, aonde a vizinha soltava rojão lá no meu prédio, mas foi tudo normal.

E foram muitos gols e títulos nessa passagem…

Graças a Deus. Tivemos uma situação muito difícil no início, de adaptação, todas as circunstâncias contrárias, mas também foram muitos títulos. Graças a Deus tivemos a oportunidade de ajudar o Palmeiras a quebrar o jejum de dezesseis anos, depois de vinte e dois anos sem brasileiro, depois veio o bi paulista, o bi brasileiro, depois veio a Libertadores. Não foram só coisas ruins não, foram muitas coisas boas dentro do Palmeiras, dentro de São Paulo, e eu tenho muito orgulho de ter vestido aquela camisa.

O primeiro título foi do Paulista, em 1993. Como é que foi aquele campeonato, como é que foi a final?

Foi a época da Parmalat, a época em que o Brasil começava a sair de uma recessão. E politicamente parecia ser um país que começava a buscar uma democracia, presidente sendo colocado pra fora, teve novas eleições, teve muita coisa acontecendo; e teve o Palmeiras com a Parmalat. Foi aí que a Parmalat chegou, depois de um vice-campeonato de 92, de repente o Palmeiras monta um time, o super time de 93, se dizia que tinha que tinha obrigação de vencer, e, realmente, era um time considerado acima da média pelos padrões da época, salários altíssimos, e que buscava quebrar um tabu de muitos anos. E tive a oportunidade de fazer parte desse grupo, não foi fácil, nós começamos muito bem a competição, de repente, ali no meio, houve uma troca de treinador, uma quebra de caminho, de repente vem um outro treinador, com outra mentalidade, com outra filosofia, e nós tivemos que seguir em frente. Mas era um grupo muito preparado, era um grupo que sabia o que queria, e seguiu no rumo certo.

Mas, já que você tá falando do grupo, como que era esse grupo? Unido, com objetivos em comum?

A relação dentro do grupo às vezes era meia defeituosa, mas na a maioria das vezes era muito alegre. Por mais que a imprensa procurasse intrigas ali dentro, polêmicas, mas a gente se divertia muito, e, às vezes, até mesmo com o que falavam aqui fora, então, toda semana tinha uma briga dentro do Palmeiras, de repente, às vezes a gente se reunia pra falar sobre: “Ó, essa semana você brigou comigo, hein?”. Então aquilo também trazia um certo relaxamento, um certo conforto, porque a gente olhava pro lado e via que o companheiro não tinha brigado comigo, eu não tinha brigado com ele, e aquilo ali unia mais o grupo, então havia sim uma busca por um objetivo muito forte, e nós não abrimos mão de entrar pra história.

E em relação à Parmalat ter entrado no Palmeiras, você sentiu alguma mudança dentro do clube, de gestão, participação no vestiário de alguém que não frequentava muito?

Não diretamente dentro do vestiário. Existia sim uma gestão mais profissional, com pessoas de um melhor diálogo, que procuravam olhar nos olhos dos jogadores, não deixavam pra resolver nada depois. Um pessoal que sabia que precisava administrar egos, e administrar jogador de futebol não é fácil, e pessoas preparadas pro momento, dispostas a colocar dinheiro em contratações boas. Soube buscar cada um dentro de uma função, e, praticamente, só eu não era da Parmalat, só eu era do Palmeiras. Então, mais um motivo pra que o palmeirense, até hoje, tenha orgulho de dizer “Muito obrigado”, e eu sinto o maior orgulho de encontrar os palmeirenses e poder dizer “Olha, valeu a pena, não foi fácil, mas valeu a pena tudo aquilo”.

Quais são as dificuldades “Administrar carreira de jogador de futebol não é fácil”?

Quando você contrata jogadores de um alto nível, de alto salário, e a imprensa começa a colocar que existe uma certa vaidade, um certo desânimo, ou um certa animosidade dentro da situação, dentro de um relacionamento, aí é preciso ter pessoas justamente pra isso, saber administrar essa circunstância. Então o Palmeiras trouxe pessoas com boa visão disso, um treinador preparado na época, Vanderlei Luxemburgo, muito preparado pra situação. Existia sim uma grande determinação e que o principal objetivo era ser campeão. Não existia ninguém, além de nós, não existia nada mais importante que um título pro Palmeiras, então a busca daquilo era, era mais importante e precisava de alguém pra dizer “Não, então é por aqui”, e esse caminho era traçado e, graças a Deus, foi seguido e foi bem feito.

O primeiro título que você conquistou foi o Paulista de 93?

Não, eu conquistei um título pela Seleção Brasileira antes. Nos Jogos Pan-americanos de 87. O Brasil foi campeão e eu fiz um dos gols do título, então, já tinha um título antes, mas esse de 93, com certeza, foi o título mais importante.

Então vamos falar um pouco dessa sua passagem pela Seleção. Como que você chegou lá? Como que foi essa experiência pra você?

Essa seleção era considerada uma seleção de novos. Dentro do grupo tinha Pita, Taffarel, Raí, Valdo, Dunga. Então, era uma seleção muito forte, mas era considerada uma seleção de novos. E o Brasil foi disputar o Pan-americano em Indianápolis, e foi campeão, foi medalha de ouro, e eu tive a oportunidade de fazer o gol do título, que até hoje o Brasil não tem mais esse título, fazem vinte e cinco anos desse título, e, até hoje, o Brasil não conseguiu ganhar de novo. E tem uma passagem que foi um momento marcante na minha vida, eu era muito novo, em que eu pude acompanhar de perto a Seleção Brasileira de Basquete ser campeão em cima dos Estados Unidos. E eu vi aqueles grandalhões saindo da Vila Olímpica pra ir jogar esse jogo. E nós sabíamos, todo mundo sabia, que era bem provável que fosse perder. Então eles saíram confiantes, mas cabisbaixos, sabiam que era uma tarefa árdua, muito difícil de ser conquistada. E eu vi aquilo, eu não podia sair pra ir assistir o jogo, porque eu estava concentrado, eu tinha uma final no outro dia, mas aquilo ficou tão marcado, porque na hora em que eles voltaram, eu tive o maior prazer de ser brasileiro, porque eles voltaram com um sorriso no rosto, com uma medalha no peito, e gritando: “Brasil campeão”. Aquele, pra mim, acho que foi o momento marcante da minha vida como brasileiro, eu senti orgulho de ser brasileiro, deu um ânimo a mais pra decisão do outro dia, porque ver aquela gente bater os Estados Unidos, dentro da casa deles, jogando da maneira que jogaram, naquelas circunstâncias, totalmente inferior, e, de repente, eles vão e ganham uma medalha de ouro. Aquilo pra mim foi um momento marcante na minha vida, foi naquele momento que eu falei “Não, eu tenho que ter prazer de vestir essa camisa. Amanhã é minha vez”. E realmente aconteceu. No outro dia o Brasil foi campeão também, e eu tive o prazer de fazer o gol do título, então foi marcante.

E como foram suas passagens pela Seleção?

Eu voltei pro Brasil, voltei pro Palmeiras, e fui convocado de novo pra seleção. Disputei quase todas as partidas das Eliminatórias de 94, e não fui pro Mundial (risos). Acabaram não me levando pro Mundial, então talvez seja uma das grandes mágoas da minha vida, de não ter disputado um Mundial;

Por que você acha que não foi convocado, qual seria justificativa?

Não tenho justificativa, porque meu time era campeão brasileiro, campeão paulista, melhor defesa, melhor ataque, eu era artilheiro do paulista meses antes de sair a convocação final, então não tenho justificativa pra isso. Depois não tive mais nenhuma convocação.

Bom, mas com o Palmeiras a vida continuou…

Continuou, continuou sendo maravilhosa dali pra frente.

Que outras passagens lhe marcaram?

No Palmeiras, o título do Brasileiro, foi quando nós quebramos um tabu, aonde nós batemos o Vitória , 1 x 0 lá, na Bahia, e ganhamos de 2 x 0 aqui dentro do Morumbi e eu fiz um dos gols. Então, são momentos, assim, que marcaram a minha vida.

E como que é, estar no estádio lotado, fazer o gol, o que passa na tua cabeça?

Olha, não tenho palavras, não tem jeito, a emoção é tão grande. Cem mil pessoas dentro dum estádio, você chegar ao ápice da alegria, do momento mais importante pra alguns, triste pra outros, mas é aquele momento do auge, onde a sua adrenalina bate lá em cima, então não tem explicação, não tem como dizer pra você o que eu sinto quando é que se faz um gol, não tenho como te dizer.

Depois dessa passagem pelo Palmeiras você foi pro Japão. Como a proposta chegou até você? Você estava pensando em ir para o exterior?

Não, eu não tinha nenhum pensamento a esse respeito, de querer sair. Eu já tinha tido proposta pra ir pra Espanha, não tinha aceitado, e tive a proposta pra ir pro Japão. Quando terminou o Brasileiro, na partida final do Brasileiro, naquela semana, nós estávamos concentrados numa fazenda-hotel, eu fui chamado no quarto pelo treinador, e ele me comunicou que era pra mim, pra nós, três jogadores, eu, Sampaio e o Zinho, irmos até determinado hotel ali perto, porque existia ali uma proposta de um clube japonês. Nós fomos até lá, ouvimos a proposta, e, dali pra frente, nós sabíamos que existia, que nós já iríamos sair. Foi mais ou menos assim que aconteceu, dali pra frente nós fomos campeões, ganhamos o título, mas, na segunda-feira seguinte, a gente já sabia que tinha que arrumar as malas e mudar de país de novo.

E como que você faz pra lidar com essa informação, Evair? Estava ali, prestes a acontecer uma final, e você soube que tem uma sondagem, de um time do exterior, que aquilo se confirma. Como que fica pra administrar tudo? O que você fez pra administrar tudo isso na sua cabeça?

Mas a cabeça do jogador de futebol é sempre muito atribulada, é sempre muito cheio de coisas pra fazer, então você acaba se adaptando, não é fácil conviver com informações assim. De repente, você tem uma rotina de vida, você sai do treino, do treino você vai pra sua casa, você sabe tudo que você tem que fazer, onde você almoça, onde você janta, de repente, no outro dia, “não, agora acabou, você vai pegar sua mala e vai pro aeroporto, lá você vai começar tudo de novo”. É diferente, mas até você se desligar disso, você sabe que você tem uma responsabilidade não só com, com você, com a sua situação, com a sua maneira de entender, mas também com o grupo que você trabalha, então isso faz com que você pense no coletivo também, “eu preciso estar aqui, a minha cabeça tem que estar aqui, amanhã eu resolvo isso”. Então é dessa maneira que a gente tem que tentar entender ou fazer com que as coisas caminhem.

O que seria mais difícil para um jogador: ir para um clube de uma cultura muito diferente ou, de repente, jogar num arquirrival. Essa mudança de clube seria mais difícil paro jogador fora daqui ou se reconfigurar aqui com um outro time?

Eu acho que seria mais difícil aqui, porque eu tive a proposta do Corinthians antes de ir pro Japão e eu não pensei duas vezes pra dizer não. Por que eu sabia que iria descontentar, um descontentamento por todos os lados, tanto pra palmeirense, como pra mim, como pra família, pra todo mundo. E eu já tinha um contrato assinado, eu já tinha apalavrado com eles, e eu não queria voltar atrás de jeito nenhum, nem pensei duas vezes, pelo menos na minha cabeça, eu tinha que ter seguido aquilo que tinha combinado, honrar minha palavra, porque, senão, eu acho que seria uma situação muito desagradável pra todos, e conviver com isso no dia a dia, por mais que financeiramente fosse bom. Como eu tive o arrependimento de ter saído do Palmeiras e ido pro São Paulo, porque não fui bem recebido justamente por isso, pela convivência, e eu não sabia, pra mim o São Paulo não era tão rival assim, então, por isso, eu aceitei a proposta, mas, pro Corinthians, eu já achava que não poderia ir, justamente por causa da rivalidade, então isso pesou bastante.

Voltando para sua trajetória no Japão. Você assinou contrato por quanto tempo?

Dois anos. E aí houve uma proposta deles pra renovar o contrato, já que eu fiz um monte de gols lá, queria renovar o contrato, mas eu já tinha decidido que eu ia voltar.

Antes de ir, você tinha algum conhecimento sobre o futebol japonês, alguma relação?

Não, nada. Eu sabia que tinha começado a J-League, se eu não me engano, um ano antes, só, não havia sido um campeonato organizado pela J-League até então, eu não sei se aquele ano, aquele ano ali foi o primeiro, eu lembro que foi num ano muito difícil, porque foi no ano daquele terremoto muito grande, os meus familiares não entendiam muito bem: “mas, pra que você vai sair do Brasil pra ir pra um lugar com tanto terremoto, tanta gente morrendo por desastres que você não pode evitar, muitas vezes você não consegue evitar?”. Então, são situações que acontecem, que me chamaram muita atenção, mas a gente já tinha um pré-contrato assinado, a palavra dada, então não tinha como voltar atrás.

E como foi quando chegou lá? Você não entendia nada?

Nada (risos). A gente vivia de intérprete pra ir até pro restaurante comer, o primeiro dia no mercado, o dinheiro deles, o iene, as máquinas, o tráfego, dirigir, ter que tirar carteira de novo lá no Japão, dirigir do outro lado, adaptação com a comida, costume, cultura, tudo isso a gente teve que aprender de novo, no dia a dia. Mudar de país não é fácil, mas é um grande desafio.

Como que você foi recebido lá?

Muito bem recebido. Eles trataram a gente com um carinho muito grande, uma maneira toda particular de nos receber. O brasileiro é bem visto em qualquer lugar, aonde ele vai ele abre portas, então fomos muito bem recebidos, muito bem tratados, tivemos dificuldades com a comida, com a cultura deles, mas tudo adaptável. Nós chegamos lá criticando o arroz grudento deles, no final nós já estávamos comendo o arroz grudento, a gente já não abria mão de comer, então, são situações que a gente aprende no dia a dia, e valeu à pena.

A Liga Japonesa estava num momento de se estabelecer quando você chegou por lá?

É, e existia uma preocupação em acrescentar ao futebol deles uma competitividade e um nível maior, porque, depois de alguns anos ia ter o Mundial, e eles queriam fazer com que o futebol crescesse, então vários jogadores brasileiros foram contratados, e nós tivemos, ali, uma grande corrida atrás disso, porque nós, de qualquer maneira, precisávamos fazer com que existisse, também, uma rivalidade entre nós, e os brasileiros sabem fazer isso muito bem.

Você percebia que havia uma expectativa em relação a você, por ser brasileiro?

Sim, sim. Sempre esperavam um algo a mais da gente dentro de campo, uma jogada diferente, um passe, um campeonato conquistado, uma maneira diferente de agir, então são situações que o brasileiro chama a atenção.

E dentro de campo, como era?

Tanto a língua como o futebol eram muito diferentes. Ao contrário do da Itália, que eu poderia aprender, aprendi muita coisa com eles. Lá nós fomos mais pra ensinar, havia algumas coisas por parte do japonês que a gente precisava saber se adaptar, saber entender a maneira de raciocínio deles, então fomos mais pra ensinar do que pra aprender

E eles são abertos para aprender?

Muito abertos, são pessoas que querem saber, que procuram entender, procuram ir em frente, tentar entender o que você quer dizer pra poder tirar proveito.

Você ficou dois anos e voltou. Teve mais um processo de readaptação aqui?

Teve outro processo de readaptação. Fui pro Atlético Mineiro, mas não deu certo. Fui pro Vasco, fomos campeões no mesmo ano. Então, um contraste muito grande do retorno, são situações que a gente sabia que ia passar, mas as dificuldades, às vezes, vão aumentando, às vezes você não está preparado, não tá pronto, mas você está no Brasil, você fala a mesma língua, e as coisas vão acontecendo.

Você passou pelo Atlético Mineiro, Vasco, Portuguesa, até voltar para o Palmeiras em 1999…

Sim, voltei para ser campeão da Libertadores.

E como que é foi essa volta para o Palmeiras?

Foi meio que de surpresa pra mim também, porque o Corinthians estava interessado de novo, já tinha feito uma proposta, eu estava no Vasco, fui campeão brasileiro pelo Vasco em 1997, passei um ano na Portuguesa, tinha  tudo pra ser campeão na Portuguesa, de repente fomos prejudicados ali pelo Castrilli, não deu pra ser campeão, e eu fui sair de férias. No que eu saí de férias veio a proposta do Corinthians e algumas pessoas dizendo: “Ah, vai pra tal lugar, vai ter que sair do Brasil de novo”. De repente, chegou uma proposta da Palmeiras, salário muito compatível ao dos outros, e não tive dúvidas que era o momento de voltar. Então veio essa passagem em 1999 pelo Palmeiras, quando o time foi campeão da Libertadores, de novo, voltou a ser campeão, um título muito importante, título que tinha perdido pro Vasco, e eu estava no Vasco. Dali pra frente o Palmeiras, em 98, foi ser campeão da Copa do Brasil, mas em 1999 foi ser campeão da Libertadores.

Quando que você começou a pensar no momento de parar, de encerrar sua carreira?

Quando as dores, quando as contusões começaram a acontecer mais, eram mais frequentes. No Coritiba eu me machucava muito, e eu queria ajudar os companheiros, mas jogava duas, três partidas, e tinha uma lesão, e aí ficava duas, três fora. Isso incomodava, e incomodava principalmente a mim, pois a imprensa começava a dizer “ah, não agüenta mais jogar, tá muito no DM”. Isso incomoda, e você quer dar a resposta, mas dava a resposta por duas ou três partidas, e aí não era o suficiente pra mim. E aí chegou a época do Figueirense e resolvi encerrar a carreira.

A carreira de atleta encerrou-se, mas aí começou outra…

É, começou outra como treinador. Eu resolvi morar em Goiânia, em 2004. No início de 2004, quando cheguei em Goiânia, duas semanas depois, eu fui convidado pelo Vila Nova pra ser treinador. Logo em seguida, passei de uma função pra outra, mas uma função que a gente está totalmente acostumado também, foram 22 anos de carreira, então, fácil de se adaptar.

Mas você se preparou?

Eu me preparei, eu tive que ir atrás de estágios, estar tudo normalizado pra fazer esse trabalho, atrás de CREF, atrás de cursos, atrás de especialidade em determinadas situações. Às vezes você imagina que sabe tudo, mas aí tem um detalhezinho que, quando você comanda, você precisa estar atento, e são trinta pessoas pra você comandar, não é fácil, então, no dia a dia, você tem que, realmente, estar melhor preparado.

E tem algum técnico que te inspira mais?

Ah, vários: Luxemburgo, Luiz Felipe Scolari. Eu tive Mondonico, na Itália, que era psicologicamente muito bom. Taticamente nem tanto, mas psicologicamente sabia tirar tudo dos seus jogadores, instigava, cobrava, fazia com que todos se motivassem. Então, quem dera eu pegasse 5% de cada um deles.

Você não pensa em atuar na área de gestão, ou como diretor de futebol?

Não, eu não penso nisso. Eu penso em seguir a carreira como treinador. Lógico, às vezes a gente tem uma proposta como comentarista, é algo também que eu gosto, exerceria uma função bem mais leve do que ser treinador, muito mais gostoso, talvez fosse mais light, mas tem poucos desafios. Estamos acostumados com alguns desafios maiores, não sei se eu me adaptaria.

E agora você está escrevendo, junto com o Mauro Betting, o livro sobre a conquista de 93. Como foi escrever esse livro?

Então, foi aquela parada. Paramos pra contar uma história, reviver tudo aquilo de novo, tirar da memória tudo aquilo que aconteceu, trazer e colocar dentro de um livro, então é uma situação diferente pra mim. Mas foi emocionante, as histórias, a maneira com que essas pessoas pegaram as palavras e colocaram dentro da história, fez a gente ver uma outra maneira de encarar aquilo. O contexto já é pra mim é emocionante, sair de Crisólia, afastado no Palmeiras, volta no Palmeiras, toda uma história, tem tudo um contexto de filme, de livro. Mas não é uma história, é a vida, eu vivi aquilo, então, pra mim contar aquilo, talvez eu não conseguisse, mas essas pessoas contando, realmente, ficou muito bom, ficou emocionante, e eu espero que o palmeirense goste.

E quanto tempo você levou pra escrever esse livro?

Há dois anos que estou fazendo a minha biografia. Já este livro foi mais rápido, porque eram várias pessoas em cada canto fazendo a sua parte, eu tive que tirar de dentro aquela emoção de fazer aquele gol, dentro de uma situação, com pessoas e com o título. Então demorou pra gente escrever isso. E nós estamos prestes a lançar esse livro. Eu não sei como é que o palmeirense vai receber esse livro, mas eu tenho um carinho especial, então fico procurando as palavras, eu demorei pra decidir o título do livro, eu escolhi as palavras pra falar com o Mauro, eu não sei como vai ser recebido, porque eu gostaria que fosse especial pro palmeirense como foi pra mim. O palmeirense que me encontra na rua e diz “Ô, Evair, obrigado, volta a jogar lá no Palmeiras”.  Então, pra mim é especial e eu espero que o palmeirense tenha isso como especial também.

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Paulo Nascimento

Professor de História.

Bruna Gottardo

Cientista Social pela PUCSP, pós-graduada em Bens Culturais pela FGV/SP, mestranda em Ciências Sociais pela PUCSP. Tem experiência nas áreas de antropologia, cultura, audiovisual e futebol, como pesquisadora, produtora e realizadora.

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