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Gabriel Uchida (parte 2)

Equipe Ludopédio 24 de julho de 2013

O fotógrafo Gabriel Uchida vem observando e registrando a paixão, angústia, alegria e desespero das torcidas de futebol desde 2009. O material fotográfico produzido é publicado no site FotoTorcida.

 

Nesta entrevista, Gabriel relata sua trajetória, narra alguns causos de arquibancada e experiências que transcendem o próprio universo do futebol.

Boa leitura!

 

Gabriel Uchida. Foto: Max Rocha.

 

 

Segunda parte

 

Gabriel, você falou do código de conduta dessas torcidas, esse código de princípios. Uma das coisas que você apontou foi essa necessidade de estar policiando em todo lugar o que está sendo dito, e, como você mesmo disse, o seu papel, a sua posição é quase uma corda bamba nesse processo. Além dessa questão da confiança, você consegue ver alguma outra área ou algum outro espaço no qual você precisa ter um cuidado extremo ao transitar, além da questão da confiança em si? Porque você falou de se policiar, mas na hora de poder veicular um comentário na internet. Onde mais que você consideraria uma área perigosa de ser mexida e que de alguma forma isso influenciaria na receptividade dessas torcidas organizadas em relação a você?

É um tema que eu não trato geralmente, esse tema da violência, das brigas de torcida. Eu não gosto até porque não tem tanto hoje em dia. Esse é um tema que a reclamação maior é: “a gente faz um milhão de coisas, a gente tem um milhão de projetos sociais, a gente apanha todo jogo da polícia, a gente sofre com desorganização, a gente sofre com preconceito, a gente sofre com um milhão de coisas, mas só se fala quando a gente briga”. Tem essa reclamação. E seria um caso, seria um ponto, que eu teria que me policiar, mas é um ponto que eu não trato porque eu não vejo. Não existe mais briga entre torcida dentro do estádio, falando em São Paulo, no Brasil no geral. E quando acontece é uma coisa muito longe do estádio, cinco horas antes. Coisa que não vejo. Não acontece nem coisa quando é deslocamento de torcida para o estádio. No deslocamento de torcida ao estádio geralmente sempre tem acompanhamento da polícia. Seria um tema que eu teria que ter muito cuidado, mais cuidado ainda do que eu tenho hoje, porque é muito difícil. A torcida no geral, eles veem como “ah, a imprensa só quer vender sangue, só quer criminalizar, marginalizar a gente”. Obviamente eu converso com eles sobre as brigas, eles confiam em mim hoje a ponto de me contar. Depois do caso desse menino, da morte lá dos palmeirenses na zona norte, na Inajá, eu preferi não saber mais de muita história, muitas vezes eu falei, “ah, não, eu não quero saber, não me conta…”, porque aquele dia eu fiquei muito chocado. Pô, é um cara que eu conhecia, é um cara que dias antes eu encontrei com ele na porta do estádio para comprar ingresso, um cara conhecido, que eu tinha contato com os irmãos. Tenho até hoje. E eu fiquei muito chocado com isso. Mas depois eu já tentei me distanciar um pouco dessas histórias. Mas a gente tinha uma relação tão próxima, de tanta convivência, que eles me contam. Muitas vezes, histórias que não são nem contadas, não saem na mídia. Nem toda briga de torcida a mídia fica sabendo e a polícia entra ali, intervém. Coisas recentes até. Mas eles chegam e me contam.

Um tempo atrás teve um menino que falou assim: “ó, a gente brigou hoje lá, não sei aonde”, pegou o celular e me mostrou um vídeo da briga. Já falei: “porra, toma cuidado com isso aí, cara. Se acontecer alguma coisa, a polícia te pegar, eles vão pegar seu celular, você está ferrado. Toma cuidado. Não fica mostrando por aí também, vai complicar você. Não é um troféu. Se você quer brigar, briga, mas toma cuidado”. É um tema muito, muito delicado. Eles me aceitam, me respeitam, mas também porque sabem que eu não tenho essa característica que eles mais abominam, que é essa sensacionalista, das brigas. Eu falo que briga de torcida existe e sempre vai existir. Acho que só um jornalista falou sobre isso até hoje no Brasil – que eu lembro de ter visto -, que é uma questão de adrenalina, é o Clube da Luta. É adrenalina. Eu tenho total confiança e consciência de que é isso, até por esse tempo que eu estou, pelas minhas conversas, por ter presenciado algumas coisas. É isso. É diversão, é uma droga. Do mesmo jeito que a cocaína é uma droga, a adrenalina também é. E adrenalina é uma droga muito gostosa, e que para eles faz muito sentido dentro do contexto de clube, de torcida, de grupo. Você pode pensar nisso a partir de uma série de aspectos diferentes. Mesmo como gangue, de tribo urbana, de aceitação do grupo. Faz muito sentido para eles. Mas é essa questão da adrenalina. É um ponto que eu não trato, porque eu não vejo nos estádios. A maior parte dos estádios dificilmente tem briga. E também não falo muito porque eu não estou lá para ver. Criticam a imprensa porque sempre que acontece alguma briga, eles saem falando um milhão de coisas. De onde eles pegaram essas informações? Às vezes, quando eu fico sabendo alguma coisa de briga, é mais para curiosidade de saber quais são os erros dos jornalistas do que para saber o que aconteceu. Eu sempre vejo: “aconteceu tal hora da manhã, no lugar tal, eram 500 pessoas”. Eu sempre ligo para alguém ou procuro saber. Eles contam coisas muito diferentes, sabe? Às vezes eu procuro saber mais para falar, “putz, estão escrevendo qualquer besteira, qualquer coisa”. Sempre tem aquela história também: “teria sido planejado e organizado por redes sociais”, que é uma grande besteira. Mas eu procuro saber mais para falar: “esse jornalista é um babaca, é mais babaca ainda porque está escrevendo coisa que nunca existiu”. Mas, enfim, de qualquer forma, a violência é um tema muito, muito delicado. Inclusive, uma coisa engraçada. Já me convidaram, falaram assim: “você quer ver um dia uma briga? Você quer ir tirar foto ou ver, pelo menos?”, “ah, não, não quero”. Não quero porque provavelmente hoje vou conhecer gente dos dois lados, vou me sentir mal por não estar ajudando e provavelmente vou ter amigos dos dois lados. Vou me sentir mal por não estar ajudando o amigo. E se acontecer alguma coisa vou me sentir pior ainda. E também não me interessa.

Eu tenho um interesse de fazer ensaios fotográficos diferentes. Pensei uma vez em fazer alguma coisa ligada mais à briga, mas só fora do Brasil. Tive contato com uns poloneses que chegaram a vir para cá, que eu levei em jogos, inclusive. Um dos caras era o líder dos hooligans lá da cidade. Eu tenho essa ideia de qualquer dia fazer um ensaio fotográfico pós-briga. Mas é uma coisa muito mais artística, mostrando detalhes, do que rosto, do que jornalístico em si. Mas aqui jamais faria isso. Até porque não quero me envolver com polícia. Já sei que tem muito polícia de olho no meu trabalho, por conta dessa coisa que criaram de que eu sou parte da torcida, ou estou defendendo a torcida. Eu entro ali no meio do hall dos que devem ser investigados ou que devem ser olhados. Mas eu não quero nenhum envolvimento com polícia. E já tive muito problema com polícia, não quero ter nada.

Gabriel Uchida. Foto: Max Rocha.

Como é a sua relação com a imprensa e com os dirigentes?

Com os dirigentes é zero. Não existe, nunca existiu contato, nunca existiu conversa. Com a Ponte Preta existe algum contato maior. Não sei se ele é dirigente, diretor. Inclusive, recentemente, no jogo Ponte Preta e Palmeiras, lá no Moisés Lucarelli, eles fizeram uma homenagem, no intervalo do jogo. O locutor foi ao meio do gramado, me chamou, me deram uma camisa com meu nome, falaram, “Gabriel Uchida, jornalista, acompanha sempre…”, e isso partiu de um diretor da Ponte Preta. Mas foi um caso único. Eu não tenho nenhum contato com os clubes. Já tentei até contato. Por exemplo, recentemente, quando eu fui para Etiópia, um dos meus projetos lá era fazer uma coisa com umas crianças que jogam futebol numa área pobre da Etiópia. A Etiópia já é um dos lugares mais pobres do mundo, eu estou numa área pobre da Etiópia, imagine como que é isso. E a ideia, em termos gerais, era um grupo de meninos de uma área pobre da Etiópia, da capital, que se reuniam no fim de semana e tinha um cara que ia lá, falava, “vou ajudar esses meninos, vou treinar, vou ensinar futebol para esses meninos”.

Só que, meu, imagina, hoje é o 15º país mais pobre do mundo, imagina a situação desses caras. Eles não tinham bola. Eu lembro que no primeiro dia que eu estava lá, eu fui passear pela cidade, eu via gente jogando futebol em tudo quanto era lugar, mas era difícil achar uma bola. As pessoas jogavam futebol com trapo, coisa amarrada, com meia. Tão pobres que eles eram que eles mal tinham bola. Então, o projeto que eu fiz foi: criar um projeto de imagem de um clube. Eu escrevi um projetinho junto com a ajuda de amigo de publicidade. A ideia era levar um jogo de camisas de um time brasileiro para esses meninos e fazer uns videozinhos, um ensaio fotográfico, criar uma historinha. E a partir disso, é lógico, tinha mais coisas em volta, dar uma bola, uma coisa assim. Nem era uma coisa tanto assistencialista, mas era mais uma coisa de criar um projetinho, de contar uma historinha ali. E eu entrei em contato com dois clubes grandes de São Paulo, mandei projeto, esperava, “ah, não, a gente está vendo; ah, não, vamos ver…”. Passaram-se dias, dias, dias, não tinha resposta, até que desisti. Então, meu contato com os clubes é zero. É até difícil, por conta dessa coisa de credenciamento. Agora o Corinthians está inventando um credenciamento específico do time. Eu já tive problemas na final da Libertadores do ano passado. Recentemente, tive um problema em um jogo do Corinthians na Libertadores. Ou seja, não tenho nenhum contato.

Já com a imprensa, como eu também sou jornalista, tenho muitos amigos jornalistas, tenho algum contato. Mas eu sempre busquei distância da imprensa. Sempre. Porque eu mesmo tenho muita crítica da imprensa, apesar de ser jornalista, acho que as minhas críticas à imprensa foram um motivo importante para eu ter criado esse projeto. Sabe, foi uma razão para eu ter criado esse projeto. Eu sempre busquei distanciamento para manter o projeto independente, para ser uma coisa bem diferente mesmo, ter outra cara, ir por outra linha. Mas é óbvio que eu tenho muitos amigos, às vezes vendo foto para jornal, para revista. Agora eu vou começar a vender mais, porque como eu já estou com um fluxo de trabalho do projeto muito grande, eu não estou dando conta de negociar pessoalmente as minhas fotos. Então, eu já coloquei uma agência de foto para cuidar disso para mim. Então, tomo mundo vai ter acesso, quem quiser comprar, vai comprar. Eu não vou poder falar “não”. Muitas vezes, já veio gente até mim, querendo comprar foto, e eu falei, “não, não quero”. Podia ser um dinheiro legal, mas eu não quis. Mas agora é óbvio que para essa agência eu não vou disponibilizar todo o meu material, vai ser uma coisa bem específica. Muitos caras de editoria de esportes já vieram falar comigo, de jornal “y”, “x”, “z”. Mas é uma coisa mais de conversa de bastidor, nunca tive uma relação muito de trocar figurinha. Tem um cara que eu converso bastante, que eu troco figurinha, que eu passo informação, que é o Mauro Cezar Pereira, da ESPN Brasil. É um cara que eu gosto, que eu confio. Ele sim, temos uma ligação. Às vezes acontece alguma coisa, dele me ligar, ele me perguntar de pauta, de fonte. Ele é um cara que eu confio, que eu tenho uma relação mais próxima. Mas do resto não. Com o resto às vezes troco ali uma ou outra conversa, mas ainda é meio distante, porque eu não estou naquele meio, naquele grupo que está ali na sala de imprensa, na coletiva, sabe? Eu tenho muitos amigos, conheço muita gente, mas estou distante. De certa forma, estou separado deles.

Uma questão que a gente falou no início é que uma das suas preocupações é fotografar a torcida por uma condição de ser marginalizada. Como é que você avalia essa marginalização? Uma marginalização mais social, ela é econômica, é como grupo e a prática do futebol? Como você pensa isso? E a segunda questão: como é o seu trânsito pelo estádio? Por exemplo, no Pacaembu, você vai ao setor laranja, vai ao tobogã, vai à arquibancada verde? Além das organizadas, te interessa essas outras práticas torcedoras populares que não estejam vinculadas a esses movimentos? Isso é alvo da sua fotografia, é alvo do seu trabalho?

Então, vamos por partes. O marginalizado é um pouco marginalizado socialmente. Hoje em dia nem tanto, mas no geral, a condição desses integrantes das torcidas, desses grupos, é gente de classe mais baixa, mas é mais marginalizado enquanto torcedor de futebol. Quando ele entra na figura do torcedor de futebol naquele domingo ele é marginalizado. E também marginalizado dentro do estádio. O torcedor organizado mais ainda, porque ele veste a figura do torcedor de futebol. Ele é marginalizado para viajar, para parar para comer, tem a coisa da polícia. Se o cara coloca uma camisa de jogo no dia do jogo, ele vai ter um monte de problema com a polícia no trajeto dele. Se ele não estivesse com essa camisa, seria tranquilo. Então, marginalizado dentro do contexto de torcedor de futebol; ele é marginalizado da sociedade, no dia do jogo, mas também como a pessoa. E está sendo mais ainda. Mais uma questão, hoje em dia mais econômica, a coisa de aumento do preço dos ingressos. Eu até falo para eles: “não, a violência hoje é uma violência econômica”, que é o preço do ônibus e do metrô subindo, o preço do ingresso subindo, o preço da comida subindo, não tendo mais barraquinhas ali para vender comida em volta do estádio, só pode comer basicamente dentro do estádio, que é caro. Tem essa violência, por isso que eu falo que essa violência econômica que eles sofrem é muito maior do que outra violência.

E a outra pergunta. Reconheço que talvez eu dedique o meu tempo muito menos a outros setores do estádio, mas eu fico mais próximo às torcidas porque são aonde visualmente tem mais coisas, tem mais bandeira, tem mais bexiga, bandeirão. Então, visualmente é mais interessante. Mas é lógico que eu também procuro. Eu estou procurando uma foto, uma imagem, uma historinha, uma história ou uma imagem interessante. Então, às vezes, eu consigo essa história na cadeira, sentado, com um velho, com uma criança, alguma coisa diferente. Mas, no geral, eu dedico menos tempo, porque geralmente no setor das torcidas tem mais gente, pelo menos uma agrupação maior, e é onde estão as pessoas mais exaltadas, tem um movimento maior, com muito mais elementos para a fotografia, isso é mais interessante. Mas isso não deixa de lado as outras áreas do estádio. Obviamente que se eu imaginar, se eu vir uma foto interessante na cadeira, eu vou lá e vou fazer. Mas, a maior parte do meu tempo, eu estou ali meio que perto das torcidas por conta desse fluxo maior de informação, de coisas acontecendo. Mas eu não desprezo, eu não foco num grupo específico dentro do estádio. Para mim, é o torcedor dentro do estádio ou ali nos arredores. Se está na arquibancada ou em qualquer setor que seja, é passível de uma foto. Assim eu vejo que nas torcidas, eu estou mais próximo das torcidas porque também eles me dão uma certa segurança, uma certa legitimidade. Eu acho que vejo mais opções.

Gabriel Uchida. Foto: Max Rocha.

Recentemente, você esteve na Etiópia para uma exposição de fotos. Como foi esse projeto? 

Foi uma história muito louca. A princípio, eu nem sabia, porque eu fui convidado pelo Itamaraty, pelo governo brasileiro, para fazer uma exposição lá. Recebi um e-mail do secretário de cultura, da embaixada do Brasil em Adis Abeba. “Que história maluca é essa? Como que esse cara apareceu?”. Fui perguntar, ele falou: “a gente estava pensando em fazer alguma coisa ligada a futebol aqui”. Ele estava organizando um mês de cultura brasileira na Etiópia e, obviamente, falando de Brasil, eles já pensaram em futebol. E como é uma coisa de cultura, eles pensaram em foto, alguma coisa do tipo. E daí ele disse que procurando, navegando pela internet, ele achou o meu trabalho, gostou. Ele me pediu um projeto para apresentar essa exposição. E eu fui para a Etiópia para fazer a exposição, mas a ideia não era só fazer a exposição. Eu fiz também um workshop de fotografia para os estudantes lá. Tinha outros projetinhos incluídos nesse projeto maior que era o da exposição. O Itamaraty aprovou, o governo lá, que também é meio complicado, deu aval para eu poder ir. Tem toda uma questão com o governo lá que é bem rígido, bem restrito em algumas coisas. A princípio, eu fui bancado pelo governo, pelo Ministério de Relações Exteriores, pela embaixada. Mas eu também fiz alguns ensaios lá, algumas fotos para mim, para fora também. Por exemplo, para um jornalista inglês, eu fiz um ensaio lá, num lugar bem interessante, inclusive, um campo onde antigamente era usado para corridas de cavalo, gigantesco, na frente tem um palacete. Uma figura bem importante na história da África ficava nesse palacete assistindo as corridas de cavalo. Esse local também é importante porque foi onde pousou o primeiro avião na Etiópia. E hoje em dia como não tem mais essa coisa muito de cavalo, caro, de corrida, eles usam esse campo gigantesco para jogar futebol. Você vai lá de fim de semana cedo e têm uns 20 campinhos de futebol. É um espaço bem interessante. Mas foi isso. Eu fui a convite do Itamaraty, que depois me convidou para levar esse projeto para outros países. Porque a embaixada do Brasil na Etiópia tem muito contato com alguns países próximos, como Sudão, Congo. Rolou um convite para levar esse projeto para esses outros países, que foi bacana, teve uma aceitação legal, mas minha agenda já estava comprometida. Eu devo voltar para a África, para a Etiópia, em janeiro. Eu já estou vendo isso, já estou trabalhando em cima disso, devo voltar em janeiro de 2014. Para fazer talvez algum outro projeto ligado obviamente à futebol e fotografia. Mas não mais pelo governo.

O que você levou para essa exposição? Qual material?

Foram 36 fotos desse meu projeto FotoTorcida. A exposição aconteceu no hall de um hotel, um espaço bem grande, com 36 fotos de torcedores de futebol. No geral, eram fotos um pouco mais artísticas, porque eu não me prendo muito a essa coisa de ser fotojornalismo ou ter uma visão mais artística. Na verdade, eu prefiro ter mais artística do que jornalística. Foi isso. E também tinha um vídeo que o Museu do Futebol aqui de São Paulo cedeu, que tratava de futebol, como mais uma coisa mais popular, um clipezinho. E para a exposição eu criei uma trilha sonora; eu fiz uma pesquisa de áudios, de músicas, áudios de estádio no geral. Mixei tudo, fiz uma trilha de 1 hora e pouco, que ficava rodando na exposição. Então era assim: você entrava no espaço, tinha o barulho de torcida, não era muito alto, mas você ouvia a todo o momento, em todo lugar que você ia ao hall você estava ouvindo aquela coisa, aquele barulho. Às vezes era mais de bateria de torcida, às vezes era um grito de gol. A exposição foi basicamente isso. Nesse mesmo espaço, nesse mesmo hotel, a gente fez um workshop para estudantes, pessoas que estavam interessadas em fotografia, que foi bem legal. Foi bem difícil, mas foi bem legal também. O projeto da Etiópia foi esse.

Você capta em vídeos também?

Não. Uma vez eu comecei a querer fazer videozinho. Porque eu também edito vídeo. Eu trabalho com TV, é mais edição de vídeo. Só que vídeo dá muito trabalho, cara. De edição e tempo. E eu já tenho muita coisa para fazer. Então, não dá tempo. Eu penso que talvez pós-Copa do Mundo possa fazer alguma coisa ligada mais para vídeo do que foto.

Gabriel Uchida. Foto: Max Rocha.

Você pretende cobrir a Copa?

Eu pretendo fazer alguma coisa na Copa, mas ainda não sei exatamente o quê. Vai ser diferente desse FotoTorcida. Já tem um projeto rolando, que é o filme que eu estou trabalhando com essa equipe da Alemanha. Na verdade, é um projeto bem grande. Esse projeto com esses alemães é o seguinte: eles querem fazer uma exposição lá, mas para fazer uma exposição na Alemanha eles precisam de um patrocinador. E para apresentar projeto para o patrocinador eles deveriam criar um trailerzinho de como eu trabalho aqui. Gravaram aqui, ficaram uns dias comigo. Só que quando eles apresentaram, quando rolou, falaram: “meu, isso dá um filme”. Mas aí tanto o patrocinador se interessou como uma TV se interessou. Então, já está crescendo.

A TV se interessa por um filme, por um longa mesmo, que seja alguma coisa tratando do futebol no Brasil, para ser lançado na próxima Copa do Mundo, e o patrocinador também se interessa para fazer alguma coisa, tipo uma história diferente de futebol. Isso deve rolar bastante para a Copa do Mundo. Mas eu especificamente, além disso, não sei o que eu vou fazer na Copa do Mundo. Eu, obviamente, vou fazer alguma coisa. Talvez eu siga só com esse filme, que já dá muito trabalho. Mas não sei se eu vou ter algum projeto específico de foto. Quero fazer alguma coisa de foto. Por conta da Copa, eu estou fazendo vários ensaios fotográficos, pensando nessa coisa de que a imprensa mundial vai estar interessada em ver, ou em disposições. Por exemplo, agora eu estava escrevendo um projeto, que é fazer três ensaios fotográficos aqui em São Paulo, meio que ao mesmo tempo. A história é: um menino que mora em São Paulo, que mora na metrópole, mas está excluído da metrópole. Então, é um menino que mora numa ocupação no Centro, um menino que mora numa comunidadezinha ali indígena na Zona Norte, e um menino que mora numa favela bem isolada. E como eles brincam de futebol no dia a dia, como que eles lidam com o futebol. Então, eu estou criando alguns ensaios de fotografia, que eu tenho publicado fora. O lado financeiro também é mais interessante. Tenho criado isso para a Copa do Mundo, por conta desse interesse que tem vindo mais gente. Mas durante a Copa mesmo eu não ainda não sei o que eu vou fazer de foto. Devo fazer alguma coisa, mas não sei ainda.

Você deseja trabalhar com as torcidas dos outros países que vão vir? Como você falou que fez…

É, eu tenho bastante contato fora. Eu nunca fui para a Europa, mas tenho bastante contato de gente que me escreve da Europa, convites também para ir para lá. Mas não sei. Porque é difícil. Tem um filme que eu assisti e gostei bastante, foi da Copa da Alemanha, que chama “Hooligans untold story”, “A história não contada”, que é um cara que ficou ali, meio com câmera escondida, mostrando tudo que acontecia na rua, nos estádios, nas casas, meio que bastidores de conflitos, de confrontos… Achei interessante. Talvez algo nesse sentido, de bastidores, sempre tendendo para esse lado mais underground da coisa. Mas eu não sei. Eu tenho bons contatos fora, rola uma aceitação, uma confiança também para eu poder fazer isso. Mas eu não sei o que eu faria na Copa, ainda não defini.

Como é que você a realização desses megaeventos no Brasil? De forma geral…

Como cidadão brasileiro eu odeio a Copa do Mundo que está por vir. Odeio em todos os sentidos. Por uma série de fatores… De construção de estádios, elefante branco no meio da Amazônia, de verba indo para estádio, de modernizar estádio, que não me interessa, muito pelo contrário, me incomoda. De deslocamento de comunidade carente para construir estádio. Tem muita gente que defende o ponto de vista: “ah, vai ter mais visibilidade no Brasil, vai vir mais verba para construção de estrutura, estrutura que vai ser um legado pós-megaevento”. Mas no geral me incomoda muito, eu sou muito crítico em relação à Copa e esses megaeventos porque tem uma série de coisas erradas.

Por exemplo: está construindo um estádio ali na Amazônia, que lá tem um campeonatozinho com uma média de público de 900 pessoas, e vai ter um estádio que custou milhões para 30, 40 mil pessoas. Isso é ridículo. Fora essas outras questões. Mais questões sociais, de estar desalojando comunidade para construir estádio. É lógico que para mim deve ser bom um megaevento, no sentido de mais fluxo de trabalho, mais gente interessada no que está acontecendo aqui. Mas me incomoda muito, eu não gosto da Copa. Eu preferia que a Copa fosse feita em outro lugar. Esses dias eu estava conversando com um argentino e ele falou: “que bacana uma Copa no Brasil. Pô, não vejo a hora de ter uma Copa na Argentina”. Falei, “meu, se eu fosse você, pensava bem, eu não iria querer, se eu pudesse escolher, eu não iria querer uma Copa nesses moldes, com tudo que está acontecendo no meu país. E olha que eu nem sou patriota, mas eu não ia gostar de ter isso tudo no lugar onde vivo”.

Gabriel Uchida. Foto: Max Rocha.

Para finalizar, qual foi o jogo da sua vida? Um jogo memorável para você, um jogo que te marcou, assim, “pô, aquele dia…”.

Um dia que me marcou bastante foi o Grêmio-Inter, despedida do Estádio Olímpico, foi o último jogo da rodada do Brasileiro de 2012. Marcou-me muito por vários sentidos. Primeiro que eu já tinha muitos contatos, muito amigos lá no Sul, e eu não ia para o Sul há muito tempo. Há anos que eu não ia para lá, e também tinha muita gente que eu já conhecia só por internet e acabei conhecendo lá. Eu cheguei lá, tive uma puta recepção incrível, o assessor do Grêmio já veio falar comigo, eu fui bem tratado desde a assessoria, desde a federação, desde a sessão de fotografia. Eu não estou acostumado a esse tratamento. Foi o único jogo também que eu entrei no gramado. Apesar de estar ali nos arredores antes do jogo, quando começou o jogo eu só fiquei no gramado. Até porque o estádio estava muito cheio, não tinha como andar. Foi a única vez que eu fiquei no gramado. E foi também uma coisa interessante por conta de ser a despedida do Olímpico. O Olímpico era um estádio que eu gostava bastante, já tinha assistido jogo lá, fazia parte da minha lembrança. E foi uma coisa muito emocionante, mesmo não sendo gremista. Pô, acabou o jogo, eu via a comoção daquelas pessoas, sabe? Eu vi jornalista, fotógrafo, abaixando a câmera e chorando, falando: “porra, é o último jogo do Olímpico, é o último Gre-Nal que a gente vai ter aqui…”. Para mim, foi comovente, eu compartilhei um pouco desse sentimento, mesmo não sendo gremista, mesmo não sendo gaúcho. E foi um jogo que eu gostei, porque o resultado, as fotos que eu consegui foram bem boas, eu conheci muita gente interessante, muita gente bacana, tive um tratamento que eu não estou acostumado a ter em São Paulo, tanto de imprensa quanto do clube. Enfim, para mim, foi um jogo bem interessante, também foi histórico, foi o último Gre-Nal no Olímpico. Tudo bem que voltaram a usar o Olímpico esse ano, vão continuar usando o Olímpico, provavelmente, mas é um jogo histórico, o último Gre-Nal no Olímpico. Uma coisa que virou filme.

E foi bem interessante. Acabou o jogo, o pessoal continuou no estádio por muito tempo, cantando. Eu já não sabia nem o que fazer, se eu assistia, se eu… Foi uma coisa, eu fiquei, de verdade, emocionado, sabe? De verdade, emocionado, com a comoção daquelas pessoas chorando, falando, “porra, a vida inteira a gente assistiu jogo do Grêmio aqui, agora não vai ter mais isso”. Eu, de certa forma, me identificava, me colocava no lugar dessas pessoas, falava, “porra, se algum dia fecharem a Vila Belmiro e tentarem construir um novo estádio e implodir a Vila Belmiro, nossa, eu ia perder o chão por alguns momentos”. Eu me identifiquei com aquilo também. Eu fiquei impressionado. Porque é um estádio grande, lotado. Eu tive uma recepção muito boa das pessoas lá, das torcidas. Eu nunca tinha fotografado no Rio Grande do Sul, eu estava chegando ao estádio, eu via gente, “ô, você é o Uchida, não é?”, “ah, Gabriel Uchida…”. Fui muito bem recebido, coisa que eu não imaginava. Ficou na minha memória, só tenho lembranças positivas desse jogo.

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