Visões do Tri

Depoimentos de jogadores da Seleção no Mundial de 1970

 

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 8 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1970, no México, a nona edição do torneio organizado pela FIFA. São eles: Félix, Carlos Alberto Torres, Marco Antônio, Gérson, Piazza, Edu, Roberto Miranda, Tostão. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil.

Local da Entrevista: Estúdios da Rede Bandeirantes de Televisão, Rio de Janeiro; Entrevistadores: Carlos Eduardo Sarmento e Daniela do Amaral Alfonsi; Datas das Entrevistas: 16 e 27 de setembro de 2011; Transcrição: Fernanda de Souza Antunes; Edição: Alexandre Massi; Supervisão de Edição: Marcos Aarão Reis.

Gérson na Copa de 1970
Gérson na Copa de 1970. Foto: Youtube/Reprodução.

Gérson de Oliveira Nunes. Nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, no dia 11 de janeiro de 1941. Principiou a carreira no Flamengo, em 1959. Marcou um total de 86 gols, em 153 partidas disputadas pelo clube. Em 1963, transferiu-se para o Botafogo, onde permaneceu até 1969. Conquistou o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, de 1964 e 1966, a Taça Brasil de 1968 e o bicampeonato carioca de 1967 e 1968. Jogou também pelo São Paulo, no início da década de 1970. Encerrou a carreira no Fluminense, em 1974. Na Seleção, atuou em 83 partidas oficiais e marcou 23 gols. Participou na conquista da Copa Roca, disputada contra os argentinos, em 1963 e 1971. Foi titular e peça fundamental do time tricampeão da Copa do Mundo de 1970. Há anos é comentarista esportivo de rádio e televisão. Coordena uma escolinha de futebol em sua cidade natal, onde reside até hoje.

 

Gérson
Gérson, o canhotinha de ouro. Foto: Museu do Futebol.

 

Gerson, dando início ao depoimento, gostaríamos que falasse da sua infância.

Sou filho de parteira. Nasci em casa, na cidade de Niterói. Morava em Icaraí, um bairro de classe média. Meu pai e irmão jogavam futebol. O primeiro no América-RJ, o segundo no Fluminense. E transmitiram o DNA. Ainda menino, defendi o futsal do Canto do Rio[1]. Depois, passei para o campo.

Ter um pai atleta trouxe facilidade em termos de contato?

Não. Ele dizia: “Se você tiver qualidade, os treinadores vão perceber”. O que ele fazia era me levar a tudo que é canto para bater bola comigo. Como sempre quis seguir a profissão, existia o incentivo. O ensinamento, não. E a bem da verdade é que não se aprende a jogar futebol, apenas se aperfeiçoa. Ou nasce sabendo e buscar evoluir ou tenta outra coisa da vida. Naquela época, as coisas ainda funcionavam de outra maneira. Não havia as regalias de hoje. Nem “Maria Chuteira”. Eu e, sobretudo, meu pai fizemos parte de gerações que enxergavam os boleiros como desclassificados.

O que ele fazia além do futebol?

Foi fiscal da prefeitura, mas não ganhava o suficiente. Quando se aposentou do futebol, também virou funcionário do Cassino Icaraí. Até havia um time de funcionários. A vida melhorou um pouco no novo emprego. Só que fecharam os cassinos depois… Graças a este trabalho que estudei na infância. Aos 13, comecei a levar o futebol mais a sério e, aos 17, virei profissional.

Como isto ocorreu?

Frequentemente, o Canto do Rio enfrentava os grandes clubes. Num treinamento do juvenil, encaramos o Flamengo. Perdemos de 5 x 2 e fiz os dois da minha equipe. Acabei sendo convidado pelo Bria[2], técnico da base rubro-negra.

A transferência alterou a rotina?

Passei a receber um salário e ajudar em casa. Assinei um contrato de gaveta, pois ainda não tinha 18 anos. Porém, tal artifício permitia que eu já atuasse entre os profissionais. Tanto é que a fiz parte da lista da Seleção Brasileira no Pan-americano de 1959, em Chicago. E demorei um pouco mais a alterar meu vínculo porque em 1960 ainda tinha os Jogos Olímpicos de Roma, que só permitia amadores.

Neste momento, o senhor continuou em Niterói ou passou a morar na concentração do Flamengo?

Segui na minha cidade e, antigamente, ainda não existia a ponte. Então, atravessava a Baía de Guanabara numa lancha e pegava uma nova condução no Rio.

Pelo que podemos ver, as coisas aconteceram muito rápido na sua carreira. Logo trocou o Canto do Rio pelo Flamengo, em seguida teve os Jogos Pan-americanos… 

Chegar à Seleção Brasileira era a meta de qualquer garoto. No meu caso, um passo enorme e curto ao mesmo tempo. Em 1958, me dividi entre juvenis e profissionais. Acabei convocado no ano seguinte. Ou seja, nem a transição definitiva entre as categorias havia ocorrido.

Quais as principais dificuldades encontradas na passagem ao time profissional?

No juvenil, concentrávamos no andar de cima. E só podíamos fazer a refeição depois que eles concluíssem. Os chamávamos de senhores, e mesmo assim eles puxavam a orelha dos mais novos. Isso me marcou nos treinos e partidas. Apesar de já ter voz ativa na época, só levava bronca: “Moleque, sem chutão. Se fizer isso, vai voltar de onde veio. Aqui é bola no chão. Você é bom lá com os seus garotos, aqui é diferente!” Então, aprendi o caminho aos poucos. Na base, havia mais papo. Treinadores bem ao estilo “paizão”.

E o senhor se lembra da participação no Pan-americano de 1959?

Viajei pela primeira vez na carreira. Recebi mil recomendações, da família e dos responsáveis pela Seleção. Alertavam que se tratava de uma terra estranha, pediam que andássemos juntos e colocavam sempre alguém da comissão técnica do nosso lado. Ficamos concentrados na Universidade de Chicago e conquistamos a medalha de prata.

Após os Jogos Olímpicos, chega a informação de que o Bologna queria te contratar. Houve a sondagem?

Isso veio depois. Antes, Milan e Boca Juniors. Os italianos me ofereceram um baita dinheiro. Dava para pegar Niterói e transformá-la no quintal de casa. Não aceitei por várias razões. A primeira é que teria de levar a família, algo difícil. Depois, a vida estava bem melhor do que no início. Tinha carro, casa e tudo estruturado. Se não me faltava nada aqui, por que me meter lá? O Flamengo ainda insistiu, mas recusei. Na negociação com o Boca, houve uma complicação na Gávea e não pude ir. Aí veio o Bologna, que ofereceu bem mais que os argentinos, e também fiquei. Eu namorava, vivia outro momento pessoalmente… Acabou que melhoraram o meu contrato no Brasil e colocaram várias cláusulas.

E a ascensão meteórica tem sequência com a convocação para a seleção principal em 1961. Qual a sensação de atuar ao lado de tantos craques?

Disputamos dois torneios: Taça Oswaldo Cruz e Troféu O’Higgins. Atuei no último, contra o Chile, e fiz gol[3]. O Pelé se machucou, e entrei na ponta de lança. Não sei por que me colocaram lá. O importante é que comecei a me ambientar e conhecia todos.

No ano seguinte, bicampeonato mundial no Chile. Passava pela sua cabeça defender o país já na Copa de 1962?

Cheguei a me apresentar nos treinamentos, mas estourei o menisco e precisei ser operado. O doutor Heitor Góes logo constatou a minha lesão. Não garanto que estaria na lista final. Todavia, brigaria muito pela segunda vaga na posição. A primeira era do mestre Didi. Tive outros dois mentores: o Zizinho e o Jair Rosa Pinto. Eles me ensinaram tudo dentro e fora de campo: “Bola dividida é terra de ninguém. Se chegar atrasado, não vai. Eles arrebentam a sua perna.” Também diziam: “Quem tem que correr é a bola, não você.” Pode ver que os moleques de hoje não sabem disso, pois não tiveram aula com os meus professores.

Em 1963, o senhor deixa o Flamengo. O que aconteceu?

Houve um atrito. O Dida[4], titular da ponta de lança, teve um problema na renovação de contrato e pediu que eu atuasse em seu lugar. Concordei em treinar na posição, não jogar. Resultado: não entrei em campo no clássico contra o Botafogo e me compliquei, enquanto ele prorrogou o vínculo e ajudou o Flamengo a ganhar. Na reapresentação, o presidente me chamou. Disse que fiz o que achei correto. Falei que não ligava de estar em situação ruim, como ele afirmou. Nunca fui jogador de presidente ou diretoria. O ambiente piorou muito.

Em seguida, novo problema contratual na equipe. Eu não atuaria na partida seguinte, pela mesma questão do Dida, e o Flávio Costa queria contar comigo. Ele insistiu para que eu, ao menos, treinasse. Enfrentei dois garotos. Fui sem compromisso, meio por obrigação. Sei que a atividade começou a ficar mais violenta e levei uma pancada de um desses jovens zagueiros, o Mauro. Cobrei dele, que respondeu: “Não quero saber, aqui é esporte de homem.” Saí de campo, peguei minha caneleira e voltei ao coletivo. Na primeira dividida, quebrei a perna dele.

Ficou um clima péssimo, veio o remorso, acompanhei o menino no hospital, a contusão ainda se complicou e ele não pode retomar a carreira. Ainda vesti a camisa do clube mais uma vez, mas precisei falar com o presidente Fadel Fadel. Os dois se enervaram e ambos falaram vários desaforos. Assim que ele deu um soco na mesa, o chamei para resolver as coisas lá fora. Aí fui proibido de entrar na Gávea e me prometeram ser liberado assim que chegasse uma oferta.

E chegaram propostas?

Saí das dependências do Flamengo, atravessei a rua para pegar a lotação e voltar a Niterói. Neste percurso, encontrei o Quarentinha. Perguntou o que tinha acontecido, expliquei tudo e ele falou: “Deixe-me consertar o carro e vamos ao Botafogo.” Concordei, já que não estava fazendo nada mesmo. Ao chegarmos, falei que seria chato entrar no clube sem ter rescindido o vínculo. Esperei numa praça, nos fundos da sede, até ele voltar com o Renato Estelita, então diretor. No dia seguinte, depositaram o dinheiro da rescisão e apareci para treinar no novo time. Estádio lotado e imprensa em peso.

Outro episódio polêmico foi a preparação para o Mundial de 1966, certo?

Uma série de equívocos. Quatro seleções simultâneas e, no fim, não formamos uma sequer. O Servílio[5] atuou nas quatro seleções e acabou cortado antes de irmos à Inglaterra. Entrou o Amarildo em seu lugar. Só por isso já dá para ter uma ideia das complicações. Se juntássemos os quatro times e formássemos um, talvez ganhássemos. O pessoal não soube renovar o time. Acontece que de 1958 para 1962 não foi necessário trocar muita gente, o time ainda contava com muitos jovens.

Comenta-se também que houve problemas fora de campo…

Em 1966, a política vinha em primeiro lugar. Antes, a prioridade eram os jogos e a própria Seleção. A ordem das coisas mudou neste Mundial. E aí não tem jeito. Quando essas coisas vêm antes, dá tudo errado. Além disso, já sentíamos o início do período militar.

O senhor considera a eliminação traumática?

Não nos preocupávamos com Portugal, Itália, França ou qualquer outra equipe. O nosso foco era a Seleção Brasileira. Garanto que se formássemos um elenco de 22 atletas desde o início, disputaríamos o título tranquilamente.

O senhor é um cara que entende a dinâmica do jogo e também o que está em volta do campo. Sendo assim, o que mudou em 1970? 

Tudo. Passamos a borracha no que ficou para trás. O pessoal elaborou um planejamento e viu o que não funcionou antes. Eles se dedicaram ao preparo físico, analisaram quem correria mais. Eu, por exemplo, como é que acompanharia o ritmo do Brito e do Jairzinho? Meu negócio era resistência. Enfim, dividiram tudo. Em dois anos, as coisas foram treinadas, adaptadas e conversadas.

Vocês estudavam os adversários?

Também. Conversávamos primeiro e depois íamos a campo. Durante o treino, rolavam discussões e trocas de ideias com o Zagallo. Juntando tudo isso, sabíamos o modo dos rivais atuariam. Naquela época, a comissão técnica tirava foto do posicionamento dos outros times. Tanto ataque quanto defesa. Aí nos passavam os slides. Até porque ninguém muda tudo durante o torneio. Contra o Uruguai, por exemplo, os escutava dizendo para me pegar. Aí gritei com o Clodoaldo, invertemos de posição e ele ficou mais liberado. Tanto é que fez o gol de empate. Isso confundia a cabeça deles. Diante da Itália, a mesma coisa. Rivelino e Jairzinho se movimentaram, Tostão passou a armar, Jairzinho entrava… Enfim, uma mudança constante que abria buracos nas defesas.

Essa sua explicação é muito importante, pois se fala muito da qualidade individual do time em 1970 e não se ressalta a consciência tática da equipe.

Exatamente. A qualidade sempre existiu. Agora, na Seleção Brasileira é preciso chegar ao ápice. Tem de imprimir um bom condicionamento, fazer um trabalho sério e aí a tendência é disputar o título. Foi o que aconteceu. Sem estardalhaço, nos concentramos na altitude, descemos para Guadalajara e ganhamos.

A troca do João Saldanha pelo Zagallo não abalou o grupo?

Não. O Saldanha era amigo, gente da melhor qualidade. Honesto, falava tudo olho no olho. O problema dele estava ligado à política, várias coisas que não nos interessavam. Tratava-se de um cara tarimbado, inteligentíssimo e valente toda vida. Enfrentava qualquer coisa sem susto. Aí o pessoal o pressionava para colocar o Darío no time. Ele respondia: “Tudo bem, desde que o presidente me deixe escalar os ministros.” Que paulada! Esquentava o governo. Quando saiu, veio falar conosco: “Muito obrigado por tudo. Podem falar mal do grupo, mas torcerei por vocês.” Aí entrou o Zagallo. Outro perfil. Diálogo fácil, esquema próprio, toda uma estrutura por trás. Ganhamos fácil. 

Falando sobre as partidas em si, o senhor tem uma estreia memorável e é um dos destaques contra a Tchecoslováquia. Porém, se contunde e fica fora do restante da primeira fase. Explique o que aconteceu.

Senti uma fisgada antes de começar a Copa, ainda nos treinos na altitude. Então, viemos a Guadalajara, fiz o tratamento e atuei contra os tchecos. No segundo jogo, diante dos ingleses, fiquei fora. Aí o Zagallo me avisou: “Se vencermos, dou descanso a você novamente e aí pega toda a fase final.” Sinceramente, acho que a minha saída não alterou nada. Essa Seleção não foi montada em cima de um atleta, mas de um conjunto.

O assunto nos dias que antecederam a partida contra o Uruguai foi o possível clima de revanche. Vocês sentiram isso?

A imprensa que criou isso tudo. Muita gente não tinha nem nascido em 1950. E o Uruguai era uma seleção fraca em todos os sentidos. Se os enfrentássemos cinquenta vezes, venceríamos todas. As coisas só foram um pouco complicadas no início, já que eles fizeram um gol que ninguém entendeu. Aí o Zagallo deu uma chamada no vestiário e ganhamos com certa tranquilidade. 

A decisão contra a Itália também foi controlada, não é?

A diferença é que sabíamos o modo deles atuarem e o esquema tático. Atuavam com apenas dois no meio de campo. Tomamos um gol de bobeira. Após a Copa, inclusive, sentamos novamente e vimos que não fomos vazados uma vez sequer em lance trabalhado dos rivais.

Conquistado o Mundial, vocês se sentiram usados e com a imagem manipulada por causa do momento político do país? 

Não houve nada disso. Se tivesse algo, não entraríamos em campo. Fizemos o que foi traçado, sem interferência alguma. Fomos a Brasília e desfilamos de carro aberto como todas as outras seleções brasileiras. Conversamos com o presidente sobre o problema do atleta profissional e aposentadoria. Nada diferente do que se vê hoje.

Em 1972, após a disputa do torneio Sesquicentenário da Independência do Brasil, o senhor disputa seu último torneio pela Seleção… 

Cheguei a cogitar entrar no time de 1974. Estava no Fluminense, mas comecei a ter um desgaste muito grande. Não tínhamos férias, engatávamos uma coisa na outra. E sofri um estiramento forte. Aí convocaram a Seleção enquanto fiquei um mês parado. O Coutinho e o Zagallo me procuraram, mas disse que não daria. Com idade avançada e precisando de mais tempo para me recuperar, não conseguiria chegar ao nível dos outros. Não adiantava ocupar o lugar de um cara que podia fazer muito mais.

Por que o senhor opta por trocar o São Paulo, onde havia conquistado o bicampeonato paulista em 1973, pelo Fluminense? 

Encerraria a carreira no São Paulo, como disse ao presidente Henri Aidar. Mas tive um problema familiar. A minha filha menor faleceu por conta do clima. Vira e mexe a minha mulher precisava levá-la ao Rio, onde havia menor variação de temperatura. A menina ia muito ao hospital. Sabendo disso, o clube me liberou. E deixaram as portas abertas caso eu mudasse de ideia. Se não fosse isso, teria permanecido.

Havia algum tipo de conversa com o Fluminense?

Não. Tanto é que o Botafogo apareceu antes e os clubes não se acertaram. Depois é que veio o Flu. E falei que se não fechasse logo, encerraria a carreira. Precisava voltar logo ao Rio, com ou sem time. 

O senhor chega às Laranjeiras no momento em que a equipe está se estruturando.

Vim um pouco antes e lembro que falei ao pessoal: “Por que vocês me querem aqui? Já estou parando, não tenho mais do que dois anos de carreira.” Existem jovens excepcionais na minha posição. Aí eles responderam: “Exatamente por isso. Precisamos de alguém que dê um gás e oriente a galera.” Aí conquistamos o Campeonato Carioca de 1973 e depois é que vem o Francisco Horta para montar “A Máquina”. Trouxe o Rivelino, o Paulo César Caju, o Mário Sérgio, o Doval[6]… Foi quando o presidente me chamou e perguntou se eu queria jogar. Falei que não dava mais. Então, ele propôs que eu virasse técnico. Argumentei que faria isso de olhos fechados – ainda mais com aquele timaço –, exceto por um motivo: como é que tiraria da equipe os meus companheiros e colocaria outros em seus lugares? Pela amizade, não aceitei.

Então o senhor não chegou a atuar com o Rivelino?

Não. Saí dali e fiquei só aplaudindo. Ganharam tudo. Mas não foi o melhor time de todos os tempos, nem o Riva o melhor jogador da história. Sou contra isso. Podemos dizer que é um dos melhores.

Não gosta dessas discussões de Pelé ou Maradona?

Cada um teve seu tempo. Aí você pega o Friedenreich e fez mais gols que o Rei. Meu pai, por exemplo, disse ao Pelé dentro do vestiário que o Leônidas da Silva tinha sido melhor. Aí falei: “Porra, pai, qual é?” Ele respondeu: “Sabia que o Dondinho falava a mesma coisa?”. Nem sei se é verdade, mas ele quis ser delicado depois da grosseria. Enfim, tudo tem sua época.

Encerrada a carreira, o senhor decide continuar próximo ao futebol. Não conseguiu se afastar?

Sempre pensei em ser comentarista e radialista. Tive a chance graças ao Doalcei[7] e o Carlos Marcondes[8] na Tupi, que me chamaram para um papo. Perguntei se levaria jeito: “É claro! Você já fazia um comentário sobre as partidas quando saía de campo.” Era chamado de papagaio (risos). Fiz um teste no estúdio, tive alguns problemas e depois deu certo. O Ruy Porto[9], o “papa da comunicação”, também me ajudou bastante. Entrei no ritmo, passei pela televisão e rádio Globo, depois na Tamoio, Bandeirantes e Jovem Pan. Peguei um pouquinho de cada mestre. E digo que até hoje estou aprendendo.


[1] O Canto do Rio Football Club é uma agremiação niteroiense fundada em 14 de novembro de 1913, voltada às categorias de base. Em 1941, tornou-se o primeiro clube carioca a se profissionalizar.

[2] O paraguaio Modesto Bria iniciou sua carreira no Nacional. Em 1943, o meio-campista acertou com o Flamengo. Atuou por uma década no clube e ajudou a equipe a conquistar o primeiro tricampeonato estadual (1942 a 1944). Depois, teve cinco passagens como técnico do rubro-negro.

[3] 11/05/1961: Brasil 1 x 0 Chile. Gérson faz o único gol da partida no estádio Nacional, em Santiago.

[4] Edvaldo Alves Santa Rosa, o Dida, é o segundo maior artilheiro do Flamengo, com 264 gols, atrás apenas de Zico. Iniciou a carreira no CSA, de Alagoas, até ser contratado pelo rubro-negro carioca em 1954. Ficou até 1963, passando também por Portuguesa e Atlético Júnior, da Colômbia.

[5] Servílio de Jesus Filho era atacante. Atuou com destaque na Portuguesa e no Palmeiras. Ainda passou pelo Corinthians no final da década de 1960, clube defendido por seu pai, homônimo, de 1939 a 1949.

[6] Narciso Horacio Doval é um argentino naturalizado brasileiro. Iniciou a carreira no San Lorenzo, em 1962. No final da década, se muda para o Brasil e passa a defender as cores do Flamengo. Em 1976, chega ao Fluminense após uma troca entre os clubes.

[7] Doalcei Benedito Bueno de Camargo foi narrador da rádio Tupi entre 1965 e 2009.

[8] Além da Tupi, Carlos Marcondes passou pela rádio Continental.

[9] Ruy Porto foi comentarista da rádio e da TV Tupi.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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