A entrevista faz parte do projeto Memórias dos boleiros: histórias de vida de atletas e de integrantes de comissões técnicas brasileiras que atuaram no exterior. Esse projeto foi fruto de uma parceria entre LUDENS-USP, Museu do Futebol e o portal Ludopédio.

Esse projeto tem como proposta reunir as histórias de vida de jogadores de futebol e de integrantes das comissões técnicas que tenham atuado no exterior. Ao optarmos pela história de vida, teremos acesso a uma série de discursos até então pouco investigados. Isso pode ser verificado quando se recorre à história do futebol e se percebe que existe uma história que é considerada “oficial”. Essa pesquisa será uma forma de ampliar discussões sobre o futebol a partir da história de vida dos jogadores e integrantes das comissões técnicas. A história oral será o método adotado para a construção de um diálogo com o referencial teórico das Ciências Humanas, mais especificamente a produção da Antropologia, da História e da Sociologia. Por meio da história de vida, ainda será possível registrar memórias, histórias e experiências dos sujeitos mencionados, além da criação de um banco de vídeos com as entrevistas realizadas de modo a constituir um acervo para preservar a elaboração de tal memória, quer se refira de modo restrito à carreira dos mesmos, quer, de modo geral, ao futebol brasileiro.

 

Lima. Foto: Museu do Futebol.
Lima. Foto: Museu do Futebol.

 

Primeira parte

Lima, gostaríamos que você contasse a sua história de vida, e sinta-se à vontade pra começar por onde quiser…

Bom, em primeiro lugar, eu nasci na Bahia, Serra Dourada, meus pais vieram em 1950. Viemos da Bahia pra cá. Eu nasci em 1944. Aí chegamos a São Paulo, foi uma odisseia vir da Bahia pra cá na época. Pegamos aquele antigo Pau de Arara (risos), depois pegamos vapor, pegamos rio São Francisco, paramos em Minas e depois pegamos o trem e viemos pra São Paulo. Chegamos na Estação do Brás. Eu tinha sete anos, meu pai tinha uma família, uns parentes dele aqui, em Engenheiro Goulart, depois da Penha. E eu, aos seis anos, lá na Bahia, já amarrava a meia com bola, já ficava brincando, parecia que era um dom, jogava descalço, então o dedão é que sofria. Aí, na época, comecei a estudar na Penha, e daí eu brincava de futebol lá perto de casa. Aí, aos doze anos, viemos aqui pra Vila Maria. Na Vila Maria tinha uma equipe de mirim, aí jogávamos já com uniforme, e sempre alguém falava “Puxa, vai fazer um teste no Corinthians…”. Até que um primo falou “Vamos lá”. Aí fomos lá, fizemos um teste, já tinha treze anos, era o senhor José Castelli Rato.

Na primeira vez não passei, infelizmente. Depois de um mês e meio, voltei e passei no teste, o senhor José Castelli Rato pegou eu, Nei de Oliveira, mais uns três ou quatro jogadores e levou pro departamento amador. Foi uma emoção muito grande, porque, nessa época, o Otávio Muniz, eu não sei se vocês lembram, foi um radialista, ele era da Rádio Bandeirantes, rádio Pan-americana. E tinha aquele programa de esportes, e cada clube tinha seu momento, e eu cheguei em casa e falei “passei”, fui todo alegre, até hoje me arrepio, me emociono com isso. Aí o Otávio Muniz falou de basquete, tinha o Almir, Valmir, Rosa Branca, a turma do basquete, depois vinha remo, que antigamente no Rio Tietê tinha o remo, falava de esporte amador, e falou do futebol amador, e falou do juvenil e infantil. E o Otávio Muniz falou “Hoje nós temos a grata satisfação que está na equipe do infantil do Corinthians o garoto Eduardo Teixeira Lima”. Até hoje me emociono. Aí segui minha carreira de infantil, joguei um ano infantil, depois joguei um ano no juvenil, e, aos dezessete anos, comecei no profissional. Joguei umas três partida, aí o clube do Corinthians me pôs pra trabalhar como office-boy, até hoje eu lembro que meu pai falava: “pelo amor de Deus, respeita esse ofício, office-boy é um emprego muito importante” (risos), pelo nome, né? Só que eu levava os contratos dos jogadores pra Federação, que o Renê de Toledo pegava os contratos dos jogadores profissionais e falava “caramba, quando será que vão levar o meu contrato?”. E até que não demorou muito. Depois de dois anos e meio, três anos, já passei pro profissional, aos dezessete anos e meio, já fui profissional, e aí comecei minha carreira.

Como que foi essa transição, do juvenil, do infantil, pro profissional?

Era o seguinte: eu sobressaí no infantil, aí já passei pro juvenil, do juvenil eu sobressaí também, tinha os aspirantes na época, e esses aspirantes era reserva dos profissionais, e eu já, no juvenil eu já jogava nos aspirantes, que era preliminar dos profissionais. E nesses aspirantes jogava eu, Rivelino, Manoelzinho, o Sérgio Echigo, vários jogadores que não jogavam no time de cima jogavam em baixo, então fui indo, e dos dezessete anos e meio, dos aspirantes já passei pro profissional, aí fiz contrato profissional e minha carreira no Corinthians começou assim.

Nesse contrato que você assinou com o profissional você tinha dezessete anos?

Dezessete anos e meio. Foi em 1961. E aí, no profissional, fui, joguei, titular. Infelizmente, na época, tinha o ditado: “O time não tá legal, tira o ponta-esquerda”. E aí o sacrificado era eu. Entrava, saia, entrava, saia, até que me firmei, e aí me firmei como titular e segui a carreira até 64. Em 64, mais ou menos, eu fui emprestado pro Millonarios de Bogotá. No Millonarios joguei com Oreco, Bauer foi nosso treinador, fiz duas temporadas muito boas, aí voltei pro Corinthians…

Como foi sair do país? Você já tinha viajado? Você já tinha morado em um lugar tão distante?

Morar não, mas excursão nós fazíamos muito na época, só que não era televisionado, e todo ano o clube fazia uma excursão, de um mês, ou ia pra América do Sul, ou ia pra Europa, ou ia pra América Central. A única experiência que eu tive era essa. Aí eu fui pro Millonarios, fui eu, o Oreco e o Bauer, lá no Millonarios de Bogotá tinha o Romero, que era brasileiro, que jogou no Palmeiras. E eu sem saber falar o espanhol, mas fui enroscando, como a gente era novo e metido, em um ano aprendemos a falar.

Já era casado nessa época?

Ah, agora você perguntou algo que eu estava esquecendo. O Brandão foi meu treinador na época, e como eu, moreno, e eu morava aqui na Vila Maria, namorava a filha de um português, era aquela briga antigamente que, negro com branco, os pais dela não queriam, meus pais também não queriam porque era enroscado. E nós namorando, o meu pai discutiu comigo, eu falei “Ah, vou embora, vou morar na concentração”. Na época era assim, a gente podia morar lá, aí eu peguei, passei em frente ao bar do pai dela, falei “Ó, vou embora, só vamos se encontrar uma vez por semana, quando terminar o jogo, aí a gente vai ver como consegue”. Aí então ela falou “Vou embora com você”, falei “Não, não dá”, ela falou “Vou, vou, vou”, ela foi lá, entrou, pegou uma roupa, tudo, e como o pai dela tinha bar, ela tinha guardado um pouquinho de dinheiro, falou “Não, vamos embora, vamos embora” eu falei “Então vamos”, chegamos lá no Parque Dom Pedro, pegamos o ônibus, sentei lá no banco do Parque Dom Pedro, aí fiquei pensando “Caramba, que que eu faço agora? Fiz uma burrada, peguei ela, é menor, e agora?”. Lembrei que eu tinha uma família que morava em São Caetano. Fui pra lá pra São Caetano, falei com a família “Vou deixa-la e vou ir pra concentração, porque vai que dizem que eu raptei, que fiz isso, fiz aquilo”. Quando eu cheguei no Parque São José estava meu pai, pai dela, a polícia, tava tudo falando “Ah, você sequestrou minha filha, você é tarado, você é isso, é aquilo”. Os diretores do Corinthians me chamaram de lado, falei “Não, não aconteceu nada disso, ela tá na casa de um familiar, se vocês quiserem vão lá buscar”. Dei endereço, eles foram, não toquei na moça, aí a mãe dela fez corpo de delito, não aconteceu nada, mas mesmo assim eu fiquei morando na concentração. E aquela intriga começou, até que não aguentamos, e ela engravidou. Aí, quando ela engravidou, falei pro Brandão “Brandão, tá acontecendo isso e isso”. Ele falou: “Faz o seguinte: você vai casar e vai embora pra Colômbia”. Eu falei “Tá certo”, ele falou “Você vai emprestado, fica lá um ano, um ano e meio, dois anos, quando voltar o neto todo mundo vai querer, e você já manda ela escrever, já ir preparando”. E foi o que aconteceu, quando voltamos aceitaram a união, aí já aluguei casa. O Wadih Helu, na época, também falou “Compre uma casa que nós vamos pagar”, aí compramos uma casa.

A história da Colômbia é uma coincidência ou vocês “fugiram” pra Colômbia pra resolver esse problema?

Pra resolver o problema. Eu poderia ir pra outro clube, mas como o Oreco ia, e o Bauer era treinador, falaram “Aproveita e vai”. E eu, graças a Deus, na Colômbia fui feliz.

E seu filho nasceu na Colômbia?

É, menina. Elaine Cássia de Lima, nasceu lá. Aí eu voltei, fiquei mais um ano aqui, um ano e meio. Aí o Corinthians contratou Aladin, aí eu falei “Ah, não, não vou ficar aqui, vou embora”. Aí me emprestaram pro Boca Juniors fiquei um ano lá.

Como foi essa experiência de ir pra Argentina?

Horrível. Porque o time do Boca Juniors tinha Rattin, Marsolini, Roma, Pianetti, vários jogadores de nome, e tinha contratado eu do Brasil, tinha o Milton Vieira do Uruguai, Melendez do Peru, então o Boca estava renovando, e aquela fuzuê, que argentino é arrogante, e ficou insuportável, um ano insuportável, aí eu falei “Não fico mais, vou embora”.

Você chegou a ser titular?

Cheguei, fui titular, mas não aguentei. Cheguei e falei pro presidente: “Ó, não aguento, eu vou embora”, falou “Não, você não pode ir embora não, você tem que cumprir o contrato”. Eu falei “Como eu vou cumprir meu contrato? Não ganhei nada…”, “Não senhor, vamos lá no escritório ver”. Aí ele mostrou 10 mil dólares, “Olha aqui o quanto você ganhou”, falei “Como? Só ganhei mil e quinhentos aqui, meu filho”, ele falou “Não, você ganhou 10 mil dólares”, eu falei “Ah, não acredito, e os outros mil, oito mil e quinhentos?”. Brandão e os outros levaram oito mil e quinhentos dólares. Aí eu falei “Me deram um rabo-de-arraia…”. Não podia falar nada, né?

Dali eu fui pra Colômbia. O Junior de Barranquilla foi lá em em Buenos Aires e falou “Lima, quer ficar três meses na Colômbia?”, eu falei “Pelo amor de Deus, eu vou rapidinho daqui”, aí eu fui pro Junior de Barranquilla, que falou “Você vai, vou contratar o Garrincha e vocês ficam três meses lá”. Aí o Garrincha ficou lá com a gente, tinha o Escurinho do Fluminense, tinha Airton do, do Flamengo, tinha Otto, que era do Botafogo, ponta-direita, tá lá até hoje. E eu, fiquei os três meses, vim embora, cheguei em 68, infelizmente, vim embora porque o Lidu e o Eduardo morreram num acidente aqui, na ponte da Vila Maria, e não podia contratar ninguém, mas como eu era do Corinthians, aí me chamaram, aí eu voltei, aí fiquei de titular do Corinthians até 70. Porque morreu Lidu e o Eduardo, não podia contratar, o Palmeiras não tinha deixado contratar ninguém, sempre teve essa rivalidade, de um time com o outro. Aí eu fiquei um ano e meio titular e, em 70, depois da Copa, aí voltou Rivelino da Copa, Zé Maria, Ado. Aí eu falei “Ah, vou querer tanto…”, aí eles falaram “Não dá pra pagar”, eu falei “Então me dá meu passe”, aí o Wadih Helu me deu o passe. Então eu fui na Portuguesa, não acertei, fui pro Juventus, não acertei, mas quando eu tava resolvendo pra ficar no Juventus chegou o Procópio do Cruzeiro, que me levou pra pra Minas. Fiquei no Cruzeiro de 70 a 74.

Lima, você sentia falta de alguma coisa que a Argentina ou a Colômbia tinham e que não tinha aqui no Brasil? Ou comida, ou de moradia, transporte? Tinha alguma coisa que era muito boa lá que aqui não tinha?

Não, não existe nada melhor que o Brasil. Nada, nada. Não existe, porque quem sai dá valor ao que é o Brasil. Então, a gente se emociona muito, não sei se eu sou muito emotivo, mas você, escutando o hino brasileiro fora do país, nem imagina a sensação que é. Então, esse país é muito lindo, é muito bom, infelizmente nossos governantes, são todos corruptos, a maioria, e não é pra acontecer o que tem no Brasil: falta de hospital, segurança, é sempre a mesma lenga-lenga, “Vamos dar saúde, hospital” e tão sempre aí os mesmos, tem que acabar com essa raça de gente antiga, tão roubando aí desde a época de Cabral.

E, nessa passagem por esses países, na Argentina e na Colômbia, você percebia que tinha alguma resistência da parte deles pelo fato de você ser brasileiro?

Tinha, muita. O racismo na Argentina é enorme. Enorme. Porque a minha esposa era filha de português, quase loira, minha filha nasceu clara, meu filho nasceu aqui, mas em um mês fomos pra Argentina, clarinho e tudo. Eles, onde passávamos, falavam: “Ixi, não é filho dele…”. O racismo é enorme, chamavam de “Negro”, de “Dá banana, dá esse negócio aí”, então é triste. Na Argentina eu não aguentei mais por causa disso. E no Chile não, na Colômbia não, eu era muito querido, e eles respeitavam muito a gente, mas na Colômbia é bom, Barranquilla tem muitos negros, então não tem esse problema, os jogadores são todos negros, então não havia isso. Na Argentina, infelizmente, é horrível.

Conta um pouco mais sobre essa passagem pelo Cruzeiro. Como que foi? Como é a sua chegada em Minas Gerais, você foi bem recebido?

Muito, muito. Quando fiz o contrato com o Cruzeiro, fui me encontrar com a turma, estavam numa excursão em Buenos Aires, então cheguei lá, não conhecia, só de nome, fui bem recebido pelos colegas, uma maravilha, aí me senti completamente em casa, nem no Corinthians eu senti como eu me senti em Belo Horizonte. E, nessa excursão, viajamos um mês e meio, e me dei bem. Vou contar até uma parte pitoresca do Roberto Batata: nós estamos num restaurante, estava a turma, tinha essa porta que você pisava e ela abria sozinha, e nós conversando, brincando, e o Roberto Batata: “Lima, o que acontece com essa porta ali, rapaz, que os caras nem põe a mão, a porta abre?”, aí eu cheguei, eu falei “Não, bobão, quando você vai chegar em frente, você pisca o olho que ela abre” (risos). Depois, quando olha, tá o Roberto Batata piscando, “Ô Lima, vem ver isso aqui” (risos), aí foi uma zorra. Aí ele aprendeu como é. Mas tinha tantas passagens na época. O elevador, que você entrava, e o elevador abria, coisas engraçadas, era início dessas tecnologias (risos).

E quais são as suas lembranças?

No Cruzeiro, muito boas. Eu fui quatro anos titular no Cruzeiro, tricampeão mineiro, todo ano fazíamos excursões, minha felicidade é esta: de sair da Bahia, estudei até o ginásio, na época, que era o ginásio, conheci 75 países, conheci a Europa quase toda, América Central, a América do Sul, parte da África, Marrocos, Casablanca, Cingapura, Kuala Lumpur, todo aqueles lados lá da Malásia. Não conheci as sete maravilhas, mas conheci cinco, Itália, França, a França conheço quase toda. Então tive a felicidade disso, sair de uma cidade pequena e conhecer tudo isso, então, isso pra mim, até hoje, eu vejo filme e passa em certa parte, eu falo “Ó, eu estive aí”, eu estive em Sidney, Melbourne, coisas que a gente nunca imaginava, nunca pensava que um dia eu ia estar num lugar desses, na Fontana de Trevi, no Coliseu (risos), eu escrevi lá: “Lima, eu estive aqui” (risos).

Sua família te acompanhava numa dessas viagens? Eles foram pra Minas com você?

Não, só a esposa e as filhas. Em Minas, fiquei quatro anos. Em 74, nos separamos, não houve acordo entre nós pra ir, nem nada, aí separamos. Aí, de Minas eu fui pro Náutico, em Recife, e tive a sorte de ser campeão, eu fui o autor dos três gol na final, Corinthians e Santa Cruz, a final foi uma melhor de três, e nessa melhor de três eu fiz 1 x 0, 1 x 0 e 1 x 0, eu fiz os três gols, então fiquei marcado pro resto da vida no Náutico, até hoje sou lembrado, e isso a gente guarda na memória e no coração. Fiquei dois anos e meio no Náutico, aí fui pro Sport de Recife, no Sport fiquei um ano, não fui muito feliz não. O Sport tava também igual o Boca Juniors, fazendo renovação, eu já estava com31 anos, tinha eu, Perez, Dadá Jacaré, Cláudio Mineiro, tinha bastante jogadores que já estavam com 31, 32 anos, veteranos. E aí acabou esse time do Sport, e o Yustrisch, que era o treinador, veio pro Corinthians, e aí quando eu cheguei ele falou “Lima, eu esperei você voltar no Corinthians”, ele queria que eu voltasse, aí eles tinham contratado o Romeu Cambalhota, e nessa volta eu fiquei uns dois meses treinando no Corinthians, aí apareceu a chance de ir pro Chile. Eu fui pro Chile, fiquei seis anos lá, e encerrei minha carreira no Chile.

Lima, conte um pouco mais como foi em Minas e em Recife…

Minas, eu te digo o seguinte: é menor que São Paulo, então a disputa ali é Cruzeiro e Atlético, então quem é cruzeirense, o amor é eterno, quem é atleticano odeia horrivelmente, então a gente sente mais apoio, mais amor. Aqui não, aqui nós temos rivalidade entre São Paulo, Santos, Palmeiras, Portuguesa, então é dividido. Mas você vai pro interior, os cruzeirenses não sabem o que fazer, eles dão meia dúzia de ovos de galinha caipira pra trazer, isso é de coração, é um presente deles. E eu fui feliz demais no Cruzeiro, passei quatro anos numa equipe que era Raul, Nelinho, Fontana, Perfumo, Dirceu Lopes, Piaza, Zé Carlos, Tostão. A gente jogava por música, foi uma fase muito boa, que é inesquecível.

Que música era essa que tava no fundo? Que trilha sonora era essa? Você disse que jogava por música. Que música era essa?

O time era dois toques, igual o Barcelona é hoje. O Cruzeiro tinha o apelido de tripé; cada jogador tava com uma bola, já chegava dois, não perdia a bola de jeito nenhum, porque cada um já sabia onde estava, já era música. Cruzeiro fez uma excursão, essa excursão que nós saímos de São Francisco pra Melbourne, nessa excursão só paramos no Havaí, foram 24h mais ou menos. Paramos pra eles abastecer, fazer todo o negócio, nós saímos, já tinha uma perua, pra passear, tinha aquelas blusas com aquela estampa redonda “Hawai”, aquelas ondas, e a nossa alegria era comprar, compramos tudo aquilo, bonito, comprei umas dez, quando chegamos aqui no Brasil é que fomos olhar a etiqueta “Made in Brazil” (risos). Aí os caras falavam “É brincadeira, olha onde o Brasil mandava…”. Têm certas coisas pitorescas que fazem parte da vida da gente.

Nessa excursão vocês estavam indo pra Melbourne, certo? Como foi?

Olha, nós jogamos em Melbourne contra a seleção lá. O Cruzeiro foi inacreditável, seis a sete minutos nós com a bola, sem deixar eles tocarem na bola. Foi um negócio extraordinário, a torcida deles aplaudia de pé (palmas), e, justamente, nisso aí, eu tive a felicidade da jogada, eu que fiz o gol, eu não esqueço nunca isso, e a torcida:  “Nunca vamos imaginar que um clube fizesse uma proeza dessas”. Aí ficamos lá em Melbourne, aí fui lá pro jardim conhecer canguru. E daí fomos pra Sidney, Sidney também tem uma parte pitoresca. Estava passando aquele “O último tango em Paris”, ah, nossa felicidade era assistir, que aqui não podia passar, era proibido, aí todo mundo foi assistir O último tango em Paris, tiramos foto (risos). Tinha, na época lá, muitos brasileiros que eram fugidos da ditadura, então, era proibido eles voltarem ao Brasil, e tinha uma família mineira, e essa família se engraçou comigo, falou “Lima, vou te pegar no hotel, depois do treino, ou antes, pra conhecer Sidney”. Eu falei “Beleza, é uma satisfação”, e antigamente usava muito chaveirinho, flâmula, e isso a gente dava pra eles de presente, pra eles era coisa de outro mundo. E ele saia de carro, aí ele foi abastecer no posto, quando ele foi abastecer no posto, chegou um, não sei agora se foi mulher ou homem, com um tabuleiro, como vende pirulito aqui, chegou com um tabuleiro lá, perto de nós, aí ele falou “Lima, sabe o que é isso aí?”, eu falei “Não, o que tem aí?”. Haxixe, maconha, cocaína, tudo eles vendiam no posto de gasolina. Eu falei “Caramba, rapaz”, qualquer tipo de droga era liberado lá.

Com o Cruzeiro, também, to lembrando agora algumas passagens, que nós fomos na Europa, em Toronto, no Canadá, e era onze horas, o treinador “Vamos dormir que amanhã tem jogo”. Como é que ia dormir? Com um calor assim, o sol desse, sol lá, onze horas, onze e pouco, tava descendo, que ia fazer? Nós fugíamos do treinador, ia pro bar, beber (risos), até chegar a hora pra dormir, chegar bêbado e dormir. Tinha neve, você chegava, brincava com a neve, mas não sentia frio, a gente se agasalhava normal, umas blusas, não sentia frio, aí eles falavam “Não, é que o frio daqui é seco, você se agasalhou um pouquinho, não vem umidade, nem nada”, e fomos acostumando. Aí daí fomos pra Holanda, Amsterdã, muito bonita, na época das tulipas, jardim bonito, coisa linda, aí nós subimos nessas cadeirinhas, conhecer as cidades, saia tudo, aí passamos numa praça, igual Praça da República, cercada, bonitinha, aqueles hippies tudo entrando lá, aí eu falava “Ué, por que eles se reúnem aí?”, só podiam usar droga lá dentro, se fosse fora era preso como traficante, e lá dentro não, desse parque, era normal. Então, são coisas que, no Brasil não existe ainda.

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Paulo Nascimento

Professor de História.

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