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Luiz Carlos Rigo (parte 2)

Equipe Ludopédio 27 de novembro de 2014

Luiz Carlos Rigo é graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria, mestre em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal de Santa Maria, doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e fez pós-doutorado em Educação pela Universidade de Barcelona. Professor em Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, Rigo é autor do livro “Memórias de um Futebol de Fronteiras” (Editora da UFPel, 2004), dedicado a de seus principais temas de investigação, o futebol amador ou varzeano (ou, nos termos de nosso entrevistado, o “futebol infame”).

 

Luiz Carlos Rigo recebeu o prêmio de Jovem Pesquisador em 2004, UFPel CNPQ. Foto: Sérgio Giglio.

Segunda parte

 

No jogo de categorias e conceitos que trabalhamos – amador, várzea, falas nativas, até a sugestão de futebol comunitário do Arlei Damo – você propõe o futebol infame…

É uma apropriação conceitual, ou uma reinvenção conceitual. Fiz isso pela primeira vez durante a minha tese de doutorado, principalmente porque o termo futebol de várzea não tinha essa a abrangência, essa universalidade que hoje parece estar mais próximo de ter. E, também porque algumas fontes empíricas que eu tinha pesquisado – revistas históricas de bairro, fontes mais alternativas do futebol da cidade – elas usavam o termo “futebol menor”, mas não era no sentido pejorativo. Era o futebol alternativo, menor. Em um primeiro momento eu pensei em utilizar esse termo; “futebol menor”, por ser o termo que apareceu nessas fontes que eu estava pesquisando. Mas a banca questionou, falou: “Não, futebol menor é pejorativo, tem que arrumar outro termo”. Aí comecei a buscar outro termo. Como eu estava trabalhando com as relações de poder e a perspectiva de história a partir de Foucault e tem um texto dele que eu ainda gosto muito: “A vida dos homens infames”, no qual ele trata de criminosos que não tem grande visibilidade, que geralmente não cometeram grandes crimes e nem se tornaram criminosos famosos. São criminosos “infames”. Eu me apropriei desse conceito para tratar do futebol de várzea, principalmente pela questão da visibilidade, de não ter essa grande visibilidade, de estar um tanto à margem dos holofotes da grande mídia futebolística, apesar dela ajudar a formar jogadores e tudo mais. Até hoje comentávamos muitas pessoas acham que : “a várzea, não, ela não tem muito valor”. Ou seja, aquela primeira passagem que muitos jogadores passam, mesmo enquanto criança, 10, 11, 12 anos, é um pouco desqualificada. A gente vê isso ainda hoje, quando de forma pejorativa costuma-se dizer: “Não, isso é várzea, não é coisa de profissional”. Então, eu usei esse termo, principalmente pensando nesse futebol que não tem tanta visibilidade, que não é famoso. Por isso “infame”, não-famoso, e também porque esse futebol é alvo de preconceitos, de uma certa discriminação, principalmente por ele ser um tanto alheio as legalidades do futebol. Assim, ao menos no campo futebolístico, o futebol de várzea lembra um pouco os criminosos “infames” de Foucault. Jogadores anônimos, sem grandes glórias e um pouco a margem das normas e leis do futebol. Foi uma apropriação de um conceito que, para um determinado contexto, acho que funcionou bem.

Nessa lógica e pensando um pouco nesses termos, vocês falaram, durante o Simpósio, do “futebol invisível”, termo do Stigger. Seria rico pensar esse futebol que é amplamente difundido na sociedade, como de várzea, e pensá-lo como “invisível” só porque ele não está “visível” na televisão? Nesse sentido, todo jogo não seria espetacularizado?

Vamos pegar primeiro o caso do “invisível”. Eu prefiro o conceito de “infame”, apesar de às vezes também gerar polêmicas, até porque chama a atenção. Eu acho que o conceito de várzea hoje, até por haver mais estudos sobre esse tema, ele alcançou uma maior universalidade. Assim, hoje considero “várzea” como um conceito interessante. Tirando a questão pejorativa que às vezes ela carrega, mas, mesmo assim algumas regiões utilizam uma denominação mais especifica, para certas variações do futebol de várzea ou comunitário. Em Pelotas, por exemplo, na zona rural, eles chamam de “futebol colonial”. Não utilizam o termo “várzea”, porque eles querem se diferenciar do futebol varzeano que existe na zona urbana da cidade. Parece-me interessante ficar atento a essa diversidade. Porque tem a intenção de se diferenciar do campeonato varzeano da cidade. Na mesma cidade, tem ainda o Campeonato Praiano, porque todos os jogos acontecem em um campo, próxima a uma praia. Por isso eles chamam de Campeonato Praiano, também para diferenciar do Campeonato Varzeano Citadino. Em outras cidades também tem outras variações terminológicas, em São José do Norte é Futebol Amador e em Rio Grande tem o Futebol de Campanha. Então as vezes eu uso o conceito de “infame”, para buscar as similaridades entre as diferentes terminologias e também porque todas essas variações são constituições futebolísticas que continuam sendo um pouco marginalizadas, principalmente por estarem um tanto fora das legalidades futebolísticas institucionalizadas, como já disse.

E eles se cruzam?

Sim, cruzam-se. O jogador de um joga no outro. Eles se cruzam.

foto: Sérgio Giglio
Luiz Carlos Rigo, intitulou o futebol de várzea como infame. Foto: Sérgio Giglio.

Mas enquanto times, jogando um contra o outro?

Ás vezes se cruzam. Eles guardam certas singularidades, mas também é uma demarcação deles. De quem organiza, de quem joga. Das ligas: as ligas da cidade, as ligas da colônia. É uma demarcação de território no campo do futebol comunitário. Muitas vezes eles se cruzam, mas é mais os jogadores que circulam. Colocamos esse nome na Mesa (do Simpósio) para unificarmos um termo, e eu compartilhei do termo “invisível”, mas eu parto do pressuposto que ele não é um futebol esquecido, não visível. Ele pode ser menos “visível” pela grande imprensa, mas lá na várzea, nos bairros, ele é bem visível. As pessoas participam; jogam, torcem, organizam esse futebol. Ou seja, para quem está envolvido com ele, esse futebol é bem visível, ele é o acontecimento do domingo. Mas, a gente colocou esse título, unificando a ideia, mas não é uma proposta no sentido de fazer proliferar o conceito de “futebol invisível”. Principalmente, como você bem pontuou, não é por ele não aparecer tanto em alguns veículos da grande imprensa que ele é “invisível”. Aliás, no futebol de várzea que eu joguei, por exemplo, nós agendávamos os jogos pelo rádio: “time da região tal está pedindo confirmação com o time da região y”. Tinha um programa de rádio em que os times acertavam seus jogos amistosos. E depois, na segunda-feira, ás 13 horas, nós ouvíamos esse programa, para acompanharmos a rodada do final de semana, resultado dos outros times da várzea, e também para sabermos qual time enfrentaríamos no domingo. “Cruzeiro da Vila Sulina está solicitando confirmação de jogo com o Flamengo da Linha Divisa”. Ai, no outro dia, o Flamengo da Linha Divisa confirmava ou não o convite. E ainda tinha o valor do chamado “calção”. Quem ia jogar fora recebia uma contribuição em dinheiro, para ajudar nos gastos da viagem, para o ônibus. Esse valor também era acertado por esse programa de rádio. Ou seja, a mídia está presente no futebol de várzea também. Algumas rádios costumam transmitir os jogos, principalmente as finais. As emissoras de televisão e os grandes jornais tendem a ignorar esse futebol, mas as rádios locais, os blogs e outras mídias mais alternativas não. Em Pelotas alguns veículos da imprensa estão presentes tanto no Varzeano, como no Praiano e mais ainda no Futebol Colonial.

Gostaríamos que você contasse um pouco como foi a sua experiência em Barcelona e como o futebol apareceu nessa sua experiência, pois é uma cidade que vive muito o futebol, não só o FC Barcelona. Existem diversas ligas na cidade.

Quando eu fui à Barcelona foi para fazer um estudo mais específico sobre o FC Barcelona. Até porque eu acho que é mais difícil estudar essas ligas alternativas em pouco tempo em outro país. Eu não fui com essa intenção, entretanto, eu fiquei atento porque é uma coisa que me chama a atenção. Como eu fui para fazer um estudo mais específico, até para fazer um deslocamento não só metodológico, mas também de objeto de estudo, pensei assim: “bom, estou orientando trabalhos da várzea, agora vou estudar outra coisa, outro futebol”. Vou estudar um futebol profissional que serve de referência, como Carmem Rial chama: um futebol transnacional. E o Barcelona como um clube que representa esse futebol. E também tinha a questão étnica, dele ser um clube catalão com uma proposta de internacionalização. Isso me chamava à atenção, me instigava como que eles conseguem dar uma marca catalã tão intensa para um clube internacional, com jogadores de fora, etc. Mas eu percebi, que ao menos na atual geração, também é muito forte a presença de jogadores formados na “casa”, mas nem sempre foi assim. Então a proposta foi estudar essa perspectiva do Barça se pautar por uma identidade clubística mais ampla, que incorpora uma ideia de identidade por adesão, aberta aos jogadores estrangeiros. Como foi o caso de Kubala, de Cruyff e do próprio Messi. Aliás, eles consideram o Messi um pouco catalão, porque eles formaram o Messi. Mas, eu fiquei atento também, por exemplo, ao Barça B, que tem uma tradição, e também para a segunda e a terceira liga deles. Mas, acompanhei isso mais pelos jornais. Não consegui ter o mesmo envolvimento empírico, como o que eu tenho com o futebol de várzea daqui. Talvez nas cidades menores fosse mais fácil acompanhar esse futebol que se assemelha mais ao nosso futebol varzeano. Mas esse não foi meu objeto de estudo.

Luiz Carlos Rigo, realizou seu Pós-doutorado em Educação pela Universidade de Barcelona. Foto: Sérgio Giglio.

Qual o seu projeto atual?

O projeto atual é, primeiro atender os projetos de orientação dos alunos, que não são só sobre futebol. Mas sobre futebol estou orientando um projeto de mestrado que está ligado às propostas de formação de jogadores em clubes do interior. Eu tenho como recorte: pesquisar o empírico da região onde eu estou. Sobre a formação de jogadores tem o trabalho do Arlei, entre outros, mas nós estamos pesquisando como isso ocorre em uma cidade do interior, que é um pouco diferente. Pelotas agora mudou um pouco: mas os clubes profissionais da cidade não tem um trabalho estruturado de formação e aproveitamento de jogadores das categorias de base. E a outra coisa que eu estou atento agora é esse futebol colonial. Esse futebol colonial está me instigando, porque ele tem uma boa organização. E junto com ele eu estou atento também ao futebol feminino, que tem uma tradição na cidade no E.C Pelotas. Nesse futebol colonial que eu estou interessado, também tem competições de futebol feminino. Futebol da várzea feminino não é algo que acontece em todos os lugares. Esse futebol colonial ficou no cabide, quando estudei o varzeano da zona urbana. Porque ele abarca uma zona grande do município. E tu tens que acompanhar os jogos, em vários campos, longe um do outro. Esses são alguns dos meus interesses atuais. São alguns projetos que aparecem junto com os interesses dos alunos também.

Você está acompanhando ou se inserindo de algum jeito nas discussões relacionadas à Copa do Mundo, aos Megaeventos? Você está tendo alguma inserção nos debates?

Não muito. Nessas questões da Copa eu não estou com nenhum interesse maior. Até porque não estou com nenhum projeto de pesquisa vinculado diretamente a Copa. Depois de estudar o Barcelona o meu interesse voltou-se novamente para a várzea, para o futebol colonial. Mas acho importante, tem os efeitos paralelos da Copa, etc. Mas, talvez por eu estar em uma cidade que não é sede da Copa eu fiquei um pouco mais afastado desse tema. Até vou fazer um pequeno estudo sobre a Copa. Alguns alunos estão interessados e me procuraram para fazer, mas não tenho um interesse maior. Acho que há outras pessoas que tem um olhar mais específico sobre este tema. O pessoal que estuda Megaeventos há mais tempo. Não é porque a Copa aconteceu no Brasil que eu vou estudar Megaeventos. Não me senti muito seduzido por esse discurso que diz que a Copa tem que pautar a nossa agenda de pesquisa.

Luiz Carlos Rigo, realiza estudos voltados ao futebol de várzea. Foto: Sérgio Giglio.

Qual foi o seu jogo inesquecível? Tanto como torcedor como quanto jogador.

Um jogo inesquecível foi Cruzeiro da Vila Sulina versus Ipiranga da Vila Sulina. Um clássico do bairro, na semifinal do campeonato da cidade. Isso deve ter sido, se não me falha a memória, em 1982. O primeiro jogo tinha sido 1 a 1. Era mata-mata. No segundo jogo o nosso time saiu perdendo de 1 a 0, e a gente virou para 2 a 1. O nosso time era o time com menos infraestrutura no bairro; não era o favorito. E nós viramos o jogo e ganhamos de 2 a 1.

Você fez gol?

Não, não fiz gol. Eu jogava de centromédio, não fazia tantos gols assim. Mas eu lembro desse jogo pela vitória. Inclusive, eu me machuquei e tive que sair. Foi um jogo bem tenso. À noite, mesmo machucado, eu fui comemorar a vitória com meus companheiros. O nosso time era um time mais de garotos. Então esse foi o jogo. Mas, como torcedor, principalmente por eu ter passado a minha infância e a minha adolescência numa cidade do interior, eu não tenho muito forte essa memória de torcedor, de ir aos estádios. Isso eu comecei a adquirir mais tarde, morando em outras cidades. Durante a minha adolescência, nos finais de semana eu ia jogar futebol de várzea. Mas acompanhava pelo rádio os jogos da dupla Gre-Nal. Tu estavas jogando, mas escutava quem estava do lado de fora do campo, “gol do Inter”, ou, “gol do Grêmio”, e mesmo jogando você conseguia identificar pela torcida, pelos gritos de quem estava do lado de fora do jogo, de quem era o gol.

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