Visões do Tri

Depoimentos de jogadores da Seleção no Mundial de 1970

 

Nota Explicativa

Esta série é parte integrante do projeto “Futebol, Memória e Patrimônio”, desenvolvida entre os anos de 2011 e 2012, com o apoio da FAPESP. A pesquisa foi realizada em parceria pelo CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), equipamento público vinculado ao Museu do Futebol/Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Nesta seção, serão apresentadas as edições de 8 entrevistas concedidas por atletas brasileiros que estiveram presentes na Copa do Mundo de 1970, no México, a nona edição do torneio organizado pela FIFA. São eles: Félix, Carlos Alberto Torres, Marco Antônio, Gérson, Piazza, Edu, Roberto Miranda, Tostão. O propósito dos depoimentos, com base em sua história de vida, método caro à História Oral, foi rememorar as lembranças dos futebolistas acerca de sua participação na competição, de modo a destacar os preparativos para o Mundial, os jogos e a volta ao Brasil. 

Local da Entrevista: CPDOC – Rio de Janeiro, RJ; Entrevistadores: Bernardo Borges Buarque de Hollanda, Clarissa Batalha e José Carlos Asberg; Data da entrevista: 22 de dezembro de 2011; Transcrição: Fernanda de Souza Antunes; Edição: Pedro Zanquetta Junior; Supervisão de Edição: Marcos Aarão Reis.

Marco Antonio. Foto: Divulgação/CBF.

Marco Antônio Feliciano. Nasceu no dia 6 de fevereiro de 1951, na cidade de Santos, São Paulo. Viveu no litoral paulista até os quinze anos e atuou nas categorias de base da Portuguesa Santista. Em 1968, mudou-se para o Rio de Janeiro. Tornou-se atleta profissional na capital carioca e jogou no Fluminense. No ano seguinte, conquistou o primeiro título estadual. O lateral-esquerdo atuou pela equipe das Laranjeiras em 330 ocasiões e marcou 29 gols. Ainda em 1969, foi convocado pela primeira vez para a Seleção brasileira. Com apenas 19 anos de idade, já estava no grupo que foi à Copa do Mundo de 1970, no México.  No mesmo ano, conquistou o Torneio Roberto Gomes Pedrosa.  Entre 1970 e 1974, acumulou muitos títulos no seu clube e continuou sendo convocado para o selecionado nacional. Em 1976, foi negociado com o Vasco, onde foi capitão e campeão carioca pela quinta vez em 1977, além de vencer a eleição do troféu Bola de Prata, oferecido pela Revista Placar, mais uma vez. Na Seleção, disputou, ao todo, quarenta partidas. Em 1980, foi para o Bangu e três anos mais tarde chegou ao Botafogo. Encerrou sua carreira como atleta profissional em 1984.  Trabalhou como empresário de futebol, foi auxiliar técnico e jogou pela Seleção brasileira, na categoria masters. Na ocasião em que concedeu a entrevista, dedicava-se a cuidar de escolinhas de futebol.

Marco Antônio ao lado de Clarissa Batalha no dia da entrevista.

Para iniciarmos, gostaria que você se apresentasse e dissesse onde e quando nasceu.

Sou nascido em Santos, no dia 6 de fevereiro de 1951. Meu início no futebol ocorreu na Portuguesa Santista, de lá fui direto para o Fluminense.

Conte um pouco sobre a sua família.

Meu pai não queria que eu jogasse bola. Minha mãe deixava jogar. Do ordenado que recebia da Portuguesa Santista, metade ficava comigo, metade com ela. Meu pai, nada. Ele dizia que futebol era coisa de vagabundo. Então, o vagabundo deu o primeiro apartamento para ele em Santos. [Risos]

Seus avós eram de Santos? Eles apoiavam ou eram contra?

Meu avô me apoiava. Minha avó também não gostava de futebol, mas sempre falava que o neto era campeão do mundo. Tem que ser campeão no início da carreira, não depois que é concretizado o título, porque o campeão é um jogador iniciante. Em minha família, nenhum deles gostava que eu jogasse.

Você teve irmãos?

Tenho dois irmãos, eles não jogaram futebol. Tínhamos uma pensão e eu era o marmiteiro, entregava marmita. Na hora do futebol, estava entregando marmita. Na hora de marmita, jogava futebol. [Risos]

E quais eram as atividades dos seus pais?

Meu pai era gerente de armazém de café, inclusive trabalhou com o presidente do Santos, senhor Athiê Jorge Coury[1]. Minha mãe tinha a pensão.

Um alerta que dou aos jogadores de futebol: se estiver iniciando a carreira e os seus pais não estiverem bem, não estiverem juntos – estou falando, pois aconteceu comigo –, a carreira vai por água abaixo, porque não tem incentivo dos pais. Se os dois estiverem bem, o atleta segue bem. Se estiverem mal, fica mal.

Meus pais eram desquitados. Quando vim para o Rio de Janeiro, meu pai ficou e minha mãe veio comigo. Não tinha como consolidar.

No entanto, você fugiu a essa regra.

Fugi, mas precisava estar metade minha aqui no Rio de Janeiro e metade em Santos. Eu tinha que consolidar os dois juntos para ficar tricampeão, ser o terceiro. 

Você viveu em Santos até que idade?

Até os 15 anos. Tenho certeza que sou uma das carreiras mais rápidas do futebol brasileiro. Sai da Portuguesa Santista aos 15 anos e vim para o Fluminense. Joguei no infantil e fui campeão. No mesmo ano, campeão juvenil. Aos 16 anos, subi ao time de cima. No ano seguinte, fui à Copa do Mundo de 1970.

Que lembranças você tem da sua infância?

Estive agora em Santos, conversando com meus amigos ex-jogadores: Coutinho[2], Pepe[3], Negreiros[4] e outros. A lembrança que tenho… Eu gostaria de ver minha casa, o lugar que morei, de onde vim. Cheguei e ela estava fechada, não tem nada, é um cimento, parece um museu vazio. Outra lembrança que tenho é dos meus amigos que jogavam pelada comigo. Reencontrei uns três ou quatro e tentamos relembrar o tempo que iniciamos.

Em que lugar você morava em Santos?

Morei no centro. A avenida mais conhecida é a Conselheiro Nebias, eu morava na Rodrigues Alves, paralela a ela. Não morava, que nem nego fala, na favela do “Macucão”[5]. Morava bem, graças a Deus.

Você chegou a estudar, fazer o colégio?

Não tive tempo. Estudei até o terceiro primário e, em seguida, vim para o Rio de Janeiro. Aqui, não estudei. Só fiz curso de inglês e italiano. Inclusive, falo muito bem.

Chegou a trabalhar com o seu pai no armazém?

Não, só trabalhei na entrega de marmita. Ia às oito da manhã pegar e, às onze, entregar. Foi um negócio difícil porque nesse horário das onze, eu queria jogar bola. Minha mãe me gritava, tinha que ir levar marmita. No final, deu tudo certo.

Você já estava na Portuguesa Santista nesta época?

Sim. Aqui no Rio, o infantil e o juvenil treinam todos os dias. Em Santos, só às quartas-feiras. Eu pegava um dinheiro da condução com a minha mãe e ia para o treino. O restante dos dias da semana era liberado.

Com que idade você começou na Portuguesa Santista?

Aos 14 anos. Tínhamos um time lá em Santos, meu irmão jogava contra mim. Fui meia, nunca lateral, e meu irmão dava pontapé. Abri o supercílio, acabei na Santa Casa e o médico perguntou: – “O que houve?”. Meu pai: – “Ah, os dois irmãos brigaram”. Ele: – “Traz ele para a Portuguesa Santista”. A partir daí comecei na Santista.

O médico que indicou?

Por causa do meu supercílio, que meu irmão abriu, iniciei na Portuguesa Santista. Meu pai me levou e me tirou das peladas. 

Você também gostava de acompanhar futebol?

Sempre acompanhei e tenho um time, sou palmeirense fanático. Digo o porquê: não sabia que o Santos era da minha terra. Eles jogaram com o Palmeiras, assisti à partida na Vila Belmiro. Vi o Dorval[6] dar com o pé no peito do Zequinha[7], falei: – “Esse time é muito sujo”. E decidi: – “Vou torcer para aquele ali”. Escolhi e por isso sou palmeirense. É um bom time.

Quando tinha 13 anos, ia muito ao campo do Santos torcer contra, mas era sete, oito, nove, não tinha jeito.

Quando você começou a jogar “pelada”, pensava em seguir carreira?

Não, nunca pensei. A única coisa que não queria era jogar no Peixe. [Risos] Achava que o time tinha muitos jogadores bons nas categorias infantil e juvenil. Planejei: – “Vou naquele pequeno (Portuguesa Santista), que dali, de repente, eu saio”.

Teve um jogador da Santista que veio para o Rio, o Reinaldinho. Pedi pra ele aproveitar e ver se levava a gente para fazer teste. Ele trouxe, vieram quatro: o Didi, meio de campo, jogou no Santos; o falecido Everaldo, irmão do Osmar que jogou no Peixe e na Portuguesa Santista; o outro centroavante Adílson, também jogou no Alvinegro Praiano, e eu. Todos assinaram contrato. O Carlos Alberto Torres é que foi nos buscar.

Com o Fluminense?

Sim. Surgiu a melhor safra que o clube teve de jogadores de categoria inferior para o time de cima.

Como jogava a Portuguesa Santista naquele período? Tinha espaço no Campeonato Paulista?

Tinha espaço e jogadores bons. O Samarone[8], que veio para o Tricolor, jogava lá; o João Carlos[9], que jogou no Palmeiras, também. Um bom time, o segundo da cidade. São três clubes: Santos, Portuguesa Santista e Jabaquara. Se não acontecia jogo do Peixe, todo mundo ia assistir o da Santista, a famosa “briosa”, todo mundo gosta.

No Fluminense que você resolveu encarar o esporte profissionalmente, ou decidiu antes?

Não, não havia decidido. Queria uma chance em um time do Rio de Janeiro porque tinha certeza de que seria mais fácil jogar. Em São Paulo, em Santos, é muita cobrança. Vim, fiz minha vida, trouxe meus irmãos. Meu pai faleceu, veio todo mundo para cá. Com 15 anos, eu tinha assinado meu primeiro contrato e já era pai… Pai dos meus irmãos, eu assumi tudo.

E você se adaptou fácil ao Rio de Janeiro?

Rapidinho. O primeiro lugar que morei no Rio foi nas Laranjeiras, o clube pagando. Morávamos perto dos “surdos e mudos”[10]. Eu, o Rubens Galaxe[11], todo mundo que vinha de fora morava ali. Quando assinei o primeiro contrato de profissional, mudei para Copacabana. O lugar que mais gostei, todo mundo gosta. [Risos]

Sendo palmeirense, você não desejava jogar lá?

Eu queria, não houve oportunidade. O atleta para se firmar mesmo não precisa jogar no time que torce. O Pelé não é santista, é Vasco, todo mundo sabe. Mas estava lá no Peixe. Parou e foi para o Cosmos. Não queria jogar em time nenhum no Brasil a fim de não desmoralizar o Santos.

E você, vindo jogar no Fluminense, passou a ser tricolor, ou continuou torcendo para o Verdão?

Boa pergunta, porque o que eu vou responder agora é para muita gente que não sabe o que é o futebol do Rio: é mais fácil para jogar, no entanto, é muito difícil jogar aqui. Peguei um time difícil de se jogar, não gostava da cor, tinha aquele negócio de branco e preto. Jogador do Flu não entrava pela porta da frente, entrava pelo fundo. Eu e Félix, tricampeões do mundo, entrávamos pelos fundos.

Fiquei oito anos no clube, fui para o Vasco, entrei na porta da frente, disse: – “Sou esse time aqui, sou vascaíno! Aqui no Rio de Janeiro torço por eles, em razão do preconceito que houve”. Não era problema de cor, é que o atleta não podia entrar pela frente. Hoje está liberado, sou sócio do clube e entro. Era o sistema. Antigamente, não dava.

Essa foi uma das motivações da saída do Didi[12], do Fluminense para o Botafogo.

É verdade. Joguei oito anos no Tricolor, cinco no Vasco. Sou vascaíno por causa disso. Me mandaram entrar pela frente, no outro precisava ser pelo fundo. Tenho que torcer por aquele que me acolheu melhor.

Nesta época, quais campeonatos você disputou?

O Campeonato Carioca e a Taça Guanabara. Não havia outros. O Campeonato do Rio de Janeiro, na minha opinião, é o mais fácil de todos do Brasil. Só Maracanã, moleza. [Risos] Aqui tu não se machuca, não se cansa. Futebol carioca era uma moleza! Agora, só vem craques.

Também disputamos muitos torneios na França e na Espanha. Na França, íamos uma vez ou outra. Na Espanha tinha o Carranza[13], o Teresa Herrera[14] e muitos outros.

Uma coisa bonita o torneio que eles faziam, você jogava em um dia e no outro decidia. Eram dois jogos em um dia. O primeiro, começava às três e terminava às cinco, todo mundo saía do estádio. No segundo, voltava todo mundo ao estádio, pagava outra vez. [Risos] Aqui no Brasil ninguém sai, claro que não! [Risos]

Como sucedeu essa primeira experiência de jogar no exterior?

 Na primeira experiência no Flu aconteceu uma gozação, lembro que o Denílson[15], do Fluminense, comentou: – “Olha, você vai comer o lanche e a conta será tua”. Pensei que eu teria que pagar a conta mesmo. [Risos] Não sabia, primeira viagem. Eles me gozaram, no fim deu tudo certo. Depois, baguncei com os outros que estavam chegando também, tem que empatar.

Minha primeira viagem foi junto da Seleção rumo ao México, na Copa do Mundo. Eu com 17 anos, nunca tinha ido… Essas viagens até a França e Espanha foram após a Copa.

Qual sua primeira lembrança de acompanhar uma Copa do Mundo?

Em 1958, eu estava em Santos, escutei em um carro de pipoqueiro. Ele vendendo pipoca e o radinho ligado, não tinha televisão. Ouvi a propaganda do Pelé tomando Biotônico Fontoura, comecei a beber também achando que ia jogar igual a ele. [Risos] Nada a ver, a bola era outra. [Risos]

Na Copa de 1962, você tinha 11 anos, lembra dessa?

Também escutei no rádio. O negócio de Amarildo. Hoje, estou junto deles todos, Amarildo, Pelé. Trabalho em companhia do Altair e do Jair Marinho. E nem falávamos muito sobre futebol. O Jair Marinho, mentiroso, dizia que ele quem me trouxe para o Rio. [Risos] Quem me trouxe foi o Carlos Alberto Torres, inclusive fui auxiliar dele no Botafogo e ganhamos a Conmebol[16] em 1993.

E ele te trouxe porque te viu jogando?

Não, ele apareceu em Santos e avisou na Portuguesa Santista: – “Tem uns três ou quatro aí que escutei falar que jogam bem, quero falar com eles”. Contei ao pessoal da minha rua: – “Olha, amanhã vou falar com o Carlos Alberto Torres lá no Santos”. Os caras: – “Mentira!”. Falei: “Então, está legal, é mentira”. O Carlos me disse: – “Espere dez dias que um primo meu vem levar vocês para fazer um teste no Rio”. E esse primo até faleceu, Roberto Alvarenga[17], conhecidíssimo. Vim parar no Flu por intermédio dele.

Na Copa de 1962, você estava em Santos?

Vivia em Santos, e teve 1966 também, um fiasco. Tinha como fazer quatro ou cinco seleções e levaram um time horrível. O Feola[18] dormia no banco, acordava: – “Ganhamos essa”. [Risos] Perdemos a Copa.

Existia esse sentimento nacional quando o Brasil ganhava, de comemorar na rua?

Existia. Para nós garotos, não, pois acabava o jogo do Brasil, íamos jogar bola e ver se conseguíamos nos igualar aos caras. [Risos] No Brasil, todo mundo joga, quer jogar, aí larga o colégio e troca pela bola. Na Europa, eles estudam mais do que nós. O nosso estudo é futebol, estudamos com os pés, é o contrário. [Risos]

Em 1966, você jogava na Portuguesa Santista?

Isso. Joguei no infantil e no juvenil do time, onde sempre tive a posição de meia, a que gosto de jogar. Quando vim para o Rio, o Pinheiro[19] reuniu todos os jogadores e me chamou: – “Neguinho, você aí”. Fingi que não foi comigo. – “Ô, neguinho!”. – “Sou eu?”. – “É sim”. – “Fala, seu Pinheiro”. – “Você será lateral-esquerdo e, se for igual aos meus, tu vai para Santos costurar saco de café”. Ele não tinha lateral-esquerdo. 

De meia ou de lateral, eu ia atacar. Não gostava de ficar atrás, sabia que tinha habilidade para ir. Fazia gol de falta, gol driblando… Por isso, ele começou a me tratar melhor.

Gozado que, depois que parei de jogar, trabalhamos juntos no governo. Tem dois, três meses que ele faleceu. Quando o encontrei, brinquei: – “Está vendo, Pinheiro, a parada aí!”. Não chamei de seu Pinheiro. Ele: – “Não, eu sabia que você jogava, tem que agradecer a mim por ter te colocado de lateral-esquerdo”. [Risos]

Quando você jogava de meia nas divisões de base da Portuguesa, quem eram os teus ídolos na posição?

Me chamavam de Pelézinho em Santos, na meia. Gosto muito do Ademir da Guia, jogamos na Copa de 1974 juntos. Gostava do Chinesinho[20]. Do Negão mesmo, o Pelé. Do Rivellino. Porém, não estava de meia porque gostava deles, achava que a minha posição seria aquela. Eu fazia gol, ia à frente. Agora, de lateral, eu não marcava ninguém, me mandava como um kamikaze. Ia embora, fazia gol, cruzava. O Flávio[21], que jogou no Corinthians, sabe disso. Era fogo, cruzava para ele, fazia gol.

Você fez 29 gols pelo Fluminense.

Acho que é um número maior, para mim isso está pouco. [Risos] Joguei oito anos no Tricolor, fazia gol todo jogo. Batia falta, ia à frente, cruzava. Agora, marcar não era comigo.

Isto fazia parte do esquema tático, ou você mesmo que bolava e forçava a barra em ir para frente?

O maior volante que vi jogar foi o Denílson, do Fluminense. Ele falava: – “Pode ir embora que o teu não é aqui atrás, é lá na frente. Eu marco para você”. Ficava tranquilo, pois o meu forte sempre foi do meio de campo para frente. Fui lateral-esquerdo porque o Pinheiro mandou.

Na Copa do Mundo em 1970, saí do Brasil entre os titulares. Do um ao onze, o meu número era 6. O falecido Everaldo, 16. Eu sabia que seria titular. O Brasil todo sabia que eu jogava mais. Ele era marcador e não precisavam de um cara igual a mim, por isso ele jogou. E bem, isso que precisava. Do meio de campo para frente, estávamos fortes, lá atrás, na cozinha, a comida não saía boa.

Quando entrou no Fluminense, em 1968, você logo se destacou e te convocaram no ano seguinte na Seleção?

A carreira mais rápida do futebol brasileiro foi a minha. Cheguei no Flu, só tinha o juvenil, não havia júnior. No juvenil, os caras: – “Chama o pai dele, vamos fazer um contrato”. Até roubaram meu pai, ofereceram um dinheiro se ele assinasse que ele nunca recebeu. Fiz um contrato de dois anos no time de cima – eles não faziam de um ano com jogador que subia. Passaram dois anos, fui à Copa do Mundo.

Quando ocorreu a sua primeira convocação?

Foi com o João Saldanha[22]. Ele gostava, falava: – “Paulo César e Marco Antônio vão para as noites, eu quero saber no campo. Se o cara jogar, é ali que quero ver”. Nesse momento, o Pelé ficava no banco, o Dirceu Lopes que ia entrar. O Jairzinho também não ia jogar, o Rogério que ia. Tudo mudava, pelo Saldanha era um time, pelo Zagallo[23] outro. Eu titular e ninguém ia falar no ouvido do Saldanha que não ia jogar. Ele anunciou: – “O Marco Antônio é o titular”. Acabou. Chegavam no Zagallo e falavam: – “Zé, tira o Marco Antônio, coloca o Everaldo que é mais marcador”. O Saldanha não aceitava isso, nunca aceitou.

As convocações do Saldanha eram você e o Everaldo na lateral-esquerda, ou você disputou em outra posição também?

Não, o Everaldo era reserva do Rildo[24] nas eliminatórias. Então, o Saldanha tirou o Rildo e me chamou. Passei a ser titular e o Everaldo reserva. Joguei 75 partidas pela seleção. E, na Copa do Mundo, ele passou a titular e eu a suplente, joguei dois jogos, contra a Romênia e o Peru.

O Rildo tem a versão de que o Lídio Toledo[25] tirou ele da Seleção.

Para mim, tinha sido o Saldanha. [Risos] O Lídio tirou o Leônidas[26]. Avisou até que ia parar de jogar futebol por causa disso

Você contou sobre as noitadas, era por vocês serem de fora do Rio e morarem todos no mesmo prédio?

Na época de concentração ninguém saía à noite. Íamos depois de semiprofissional. Morava com a família e precisava sair mesmo, não tinha como ficar em casa no Rio de Janeiro. [Risos]. Carnaval… O futebol carioca deixa você ir para as noites mesmo, o paulista não, é mais puxado, mais forte. Em São Paulo, você mora a vinte quilômetros do campo. Aqui é tudo pertinho. Maracanã, tu pega táxi, quando vê, já chegou. O Rio de Janeiro é moleza!

Você gostava de jogar no Maracanã?

Quem não gosta, quem não gostava?! Não gostava de jogar no campo do Bonsucesso. [Risos]. Era pequenininho. Agora Maracanã, uma facilidade tremenda.

No final dos anos 1960, havia público de 150 mil pessoas.

Isso. Joguei no Fla x Flu de 1969, que ganhamos. Encheu, 160, 170 mil pessoas. Três a dois para a gente. O maior Fla x Flu que teve. Depois, lotou no jogo da Seleção Brasileira que o Romário jogou, fez o gol no Uruguai. Fui ver esta partida.

Como era jogar diante de um público tão grande?

Sinceramente, sempre respeitei o torcedor, mas ficava ligado no campo. O torcedor é de gritar mesmo. Eu estou ligado no jogo.

Não te influenciava o Geraldino[27] na lateral-esquerda?

Influenciou quando o Saldanha me convocou. Ele foi ao Maracanã, no maior Paulistas e Cariocas que vi. O time do outro lado: Rivelino, Pelé, Clodoaldo. Falei: – “Que time é esse? Vamos levar uma pancada hoje!”. [Risos] No meu time estava o Jairzinho. Olhei e pensei: – “Meu time está feio”.

O Rei cabeceou uma bola no gol. O nosso goleiro, o Félix.  Sempre gostei de ficar dentro do gol e salvei a bola, calmo, joguei para fora. Outro lance, no mesmo canto, de novo ele de cabeça. Avisei: – “Velho, deixa comigo”. Eu chamava o Félix de velho. Levei a bola até o canto e o Pelé disse: – “Pode ir, garoto, pode ir”. –“Pô, esse negão está legal”. Tu tem que pensar rápido. Aí foi Deus, não fui eu. Fiz assim, cortei, ele caiu de bunda no chão. [Risos] Sabe o que ele queria? Queria roubar minha carteira, queria a minha bola. O “pode ir garoto” existiu para ele roubar. Olhei a Geral batendo palmas. O Negão no chão e eu saindo com a bola. [Risos] Um safado, queria pegar a bola, queria levar. Sem querer, cortei e ele caiu. Qualquer coisa que tu fizesse junto dele, tu saía consagrado. Gente finíssima, gosta de mim para caramba.

Você se empenhava além do normal quando jogava contra o Rei?

Não, me empenhava mais quando era contra o meu time. Acho que todos os jogadores fazem isso. Se jogasse Fluminense e Palmeiras, eu queria muito jogar, esquecia o torcedor, queria saber do meu bicho. [Risos]. Acontecia o melhor jogo que eu fazia, inclusive, fiz até gol.

E nessa época, 1969, foi o ano que o Pelé fez o milésimo, no Maracanã.

É, fui ver. Era uma partida entre Vasco e Santos. Eu jogava no Tricolor na época.

Você ia assistir às partidas?

Não, fui ver porque seria o milésimo gol dele. Sabia que ia acontecer. No entanto, não foi pênalti. O meu compadre, o René[28], que cometeu a falta nele, contou: – “Fiz falta normal, não era nem para cartão”. Então, ele fez o milésimo gol forçado e quase que o Andrada[29] pega o pênalti.

Lembra do dia da convocação da Copa do Mundo de 1970?

Foi nesse Paulistas e Cariocas no Maracanã. O Saldanha assistia. Eu ganhei um Motoradio de um lado e, do paulista, ganhou o Leão. Ele convocou o time ali, naquele dia. Rogério vai ser o titular, Pelé no banco. Teve uma partida em São Paulo, Brasil e Áustria, que o Rei ficou no banco para o Dirceu Lopes. E o Saldanha ia jogar com o Dirceu e o Tostão na Copa do Mundo.

O Rei no banco é impensável. Quando íamos fazer exame na Copa do Mundo, íamos de cinco em cinco ao hospital. Ele estava na minha turma, além do Tostão, Gerson e Félix. Quando falaram que ficara cego, não teve isso, ele só não enxergava uma letra. Deturparam, colocaram que ele não enxergava. Onde o Pelé está cego? No meio de campo quase fez o gol. Queria jogar com esse cego. [Risos] Pô, brincadeira! Foi muito tumultuada a Copa, ainda mais que estávamos de regime militar. Começou a apertar. Era muito difícil jogar naquele tempo.

E o grupo de preparadores da Seleção… Foi a primeira vez que se falava na preparação cientifica.

Todos eram militares: Parreira, Chirol, Coutinho, o brigadeiro Jerônimo Bastos[30]. Eles falavam o nome que quisessem falar. [Risos] Eles que mandavam, pode falar, tudo bem.

Sua primeira convocação foi pelo Saldanha. O que achou da demissão dele?

O Saldanha era muito forte. Não gostei da saída, quando era ele eu jogava, com o Zagallo fiquei no banco. Senti a demissão. Gostava da personalidade dele. Ficavam no ouvido: – “Ah, Saldanha, fulano vai para as noites…”. Ele: – “Meu irmão, quero saber no campo”. Um dia falaram assim: – “Vamos sair com umas mulheres aí”. O Saldanha respondeu: – “Não vão sair em companhia de mulher nenhuma. Traz a mulher no hotel, senão o jornalista vê vocês”. [Risos] Quem não quer um treinador assim?! Se o jornalista visse, ia nos criticar. No hotel, ninguém sabia. [Risos]

Vocês entenderam a demissão do Saldanha? Quais foram as causas?

Eu entendi legal e não tenho medo de falar. Ordenaram: – “Saldanha, você vai mudar essa Seleção”. Ele respondeu: – “Quando vocês reúnem seus ministros em Brasília, não me meto. Então, vocês não se metem aqui”. Os caras mandaram um aviso ao treinador: – “Vem aqui em Brasília. Você quer ser preso ou quer sair? Escolhe”. Foi isso que aconteceu. Ele não quis ser preso e saiu.

E vocês jogadores sabiam…

A gente não podia falar nada por causa do regime militar.

Mas vocês sabiam, por exemplo, que o Saldanha foi do Partido Comunista?

Não sabia, eu era novo, 17 anos. Por isso que ele saiu, comunista, claro.

E essa história de que o presidente, o Médici[31] queria o Dario…

Escutei esse boato. O presidente pode falar: – “Quero fulano”. Mas, mandar que o cara vá jogar, não. O Dario foi chamado, porém não ficou nem no banco.

O Médici falou que queria ver o Dario na Seleção, não que queria vê-lo jogando. O gozado disso tudo é que, no último jogo, Brasil e Itália, acordamos cedo. O Dadá virou para o Zagallo no café da manhã e afirmou: – “Seu Zé, sonhei que vamos ganhar de quatro a um, eu estava jogando, fiz quatro gols”. O quatro a um foi. Ele não jogou, nem esteve no banco, no entanto, o sonho dele aconteceu.

Comentamos da preparação do elenco. Você sentiu diferença do treinamento no clube com o da Seleção?

O negócio é outro: a altitude. A maioria das seleções foi para a Copa do Mundo uns 15, 20 dias antes. Nós ficamos um mês e meio. Nos adaptamos, jogamos treino contra, jogamos muito em Guadalajara.

E ainda ficaram outro mês e meio aqui no Brasil.

Isso. Trabalhamos três meses direto. A Inglaterra achava: – “Nós vamos levar água aqui do nosso país, pois a do México não sei qual é”. Chegou vaiada. O povo mexicano nos ajudou muito. Nós brasileiros, até hoje, devemos tudo que conseguimos a eles. Vi muita gente de joelhos, chorando, parecia até que eram brasileiros. Fora de série! Ali, eu vi a falsidade do brasileiro. O Brasil jogava, o mexicano ajudava. Quando o México ia jogar: – “Vamos fingir que estamos torcendo para eles”.  Não existe isso, os caras estão vendo, brasileiro é safado mesmo, não tem jeito.

O apoio dos mexicanos foi só na final da Copa ou desde o princípio?

Desde que chegamos. Contratamos os cozinheiros, levamos o nosso daqui, mas tinha o deles lá, sem falsidade, tudo claro. Desde o motorista do ônibus até a cozinheira, todo mundo torcia para a gente. [Risos] Eles foram campeões também.

Não se ganha o jogo só no campo. Na rouparia, você ganha. Se o roupeiro não gostar de você, tua chuteira vai toda suja. Se você tratar ele bem, ela fica limpinha, legal, sem tachinha. [Risos].

E o ambiente na Seleção de 70, entre os jogadores, estava bom?

Era bom, ficava com os companheiros de clube. Fiquei no quarto com o Félix. O Gerson ficou junto do Brito, Pelé e Joel, bem legal. Acordava todo mundo de manhã, inclusive os jornalistas. O Bobby Moore[32], um dia antes da nossa partida contra a Inglaterra, foi ao hotel, fumava e tremia para caramba de ver os nossos jogadores. Ganhamos de um a zero deles, jogo difícil e bom.

Com quem você tinha mais afinidade na Seleção?

Com o Clodoaldo, pois em Santos jogávamos num time da várzea, tínhamos muita intimidade. Na Seleção, eu ficava muito com ele e o Dirceu Lopes. E nós três deixávamos a rapaziada de lado. Éramos mais novos, eu tinha 19 e o Clodoaldo 21. Tínhamos que ficar junto dos caras da nossa idade.

Existia a turma que saia para fumar. Hoje, ninguém fuma, todo mundo tem câncer, outro tem não sei o que na garganta… Fiquei no grupo deles. Na noite anterior à partida entre Brasil e Tchecoslováquia, eu estava com o Félix, eles iam falar com o Zagallo sobre a minha saída. Eu não sabia, propus: -“Vocês vão fumar? Vou também”. – “Você não”. Não me deixaram ir, fiquei fumando sozinho. No outro dia, – “Olha, vai jogar o Everaldo”. Aquela reunião de um dia antes que me tirou. Não interessava para eles eu ir perto da parada escutar, mas acho que tem que ser franco: – “Você não joga, a adaptação é melhor para o Everaldo. Ele é mais marcador”. Tem que falar claro.

O Zagallo não conversou comigo. No dia do jogo, disse: – “O time entrará com ele”. Pensei: – “Tudo bem”. Vou falar o quê? Não tem jeito.

Alegaram que você ainda estava muito jovem?

Não, não tem isso. Quando você é convocado para a Copa do Mundo, você pode. O Pelé foi aos 16 anos, o Edu também. A única coisa que falavam mal – e não ocorreu –, é que não joguei porque tremi. Eu tremi? Joguei contra o Peru, contra a Romênia e, em 75 jogos no mundo. Eles sempre colocam um negócio querendo te derrubar. O Tostão falou isso há pouco tempo. Questionei: – “Como eu tremia?”. A única coisa que pode acontecer é você entrar em campo e sentir alguma coisa, pois é o teu primeiro. Agora, tremer não existe: – “Como não tremi contra a Romênia, nem contra o Peru?”. No jogo contra o Peru, começou um a zero para eles, gol de Gallardo[33], que jogou no Palmeiras.

O Zagallo arrumava o time de um jeito muito parecido com o que ele jogava.

É verdade. Ele não pretendia jogar com o Rivelino, ia colocar o Paulo César. Entretanto, tinha que colocar o Riva no jogo. Colocaria ele no gol, precisava dar uma posição para o Rivellino. Machucou, entra Paulo César. Mais ofensivo, entra Edu. Havia jogadores em todas as posições. Fomos bem, a safra era boa.

Na sua posição de lateral-esquerdo, você teve alguma referência internacional? Acompanhava os jogadores desta posição no mundo?

Comecei a acompanhar do meu time. O Ferrari[34], que jogou no Palmeiras, gostava muito dele, marcador, tentei me aprimorar e não consegui. Eu não era lateral e sim um homem do meio de campo para frente. Lá atrás, não sabia nada, tanto que me consagrei na frente. Fiz gol, cruzei, bati falta. Negativo atrás. [Risos]

O que você sentiu quando soube que não seria o titular?

Aceitei, não teve jeito de contestar. Copa do Mundo tu tem que respeitar o teu parceiro. Pode brigar com o treinador, mas tem que respeitar o parceiro. E o Everaldo é de excelente caráter, Deus que o tenha em bom lugar. Ele jogava, saía, não falava nada de ninguém, ficava na dele. Excelente marcador. Na minha opinião, o Zagallo, apesar de ter escutado os outros, fez certo, precisava colocar ele. Precisava jogar, a nossa defesa era feia.

Os outros queriam que você jogasse?

O Rivelino queria, não vou falar outros. Não foi o Riva que falou e sim outro alguém: – “Como vou jogar com um cara que não passa? O meia pega na bola? E se o cara não passar, vai dar para quem?”. Não falo quem disse isso.  Esta história ficaria feia e o nome dele sujo. [Risos]

Quando surgiu a oportunidade de jogar foi contra a Romênia?

Entrei contra a Romênia primeiro. O Everaldo se machucou. E contra o Peru, joguei  toda a partida. Levei um susto nessa, porque começou um a zero para eles: – “No dia que entro, o time perdendo!”. [Risos] Ainda bem que não aconteceu do meu lado, foi do lado do Carlos Alberto. O Gallardo que fez. Continuou, um a um, dois a um, três a um, quatro a um, pensei: – “Pô, é só chutar. O goleiro deles não tem mão!”. [Risos] O Rubiños[35] era muito ruim, um goleiro horrível. Mas o time estava bom.

E depois, no jogo seguinte, contra o Uruguai?

Quando não jogava, eu assistia do banco. Se o time estivesse perdendo, eu entrava, por ser mais ofensivo. Não devia entrar e ficar marcando. Precisava entrar igual kamikaze, cruzar, ir para frente.

Uma vez, eu ia passar do meio de campo e o Pelé fez sinal para ficar. Fui convocado porque atacava, não ficava atrás. Lá é o Everaldo. Conselho que dou: o jogador de futebol tem que ter a personalidade dele. Se você foi convocado apoiando, tem que continuar. Fiz isso, continuei, estou na minha. Se o Brasil perdesse ou ganhasse, eu ainda tinha uma ou duas copas para ir, pela minha pouca idade. Só precisava ter bola. [Risos]

No México, vocês sabiam quem iam enfrentar, conheciam os outros times? Estavam confiantes em conquistar o título?

Estávamos, porque o Pelé deu o sinal do índio. [Risos] Informou: – “É minha última, quero ganhar”. Pronto, acabou, vamos seguir o que ele falar. Às vezes, ele estava no segundo andar e eu e Paulo César ficávamos no primeiro batendo papo. O Negão pedia: – “Vamos pensar no jogo”. A consagração dele, a última Copa. Estávamos pensando em outras coisas, nas meninas do lado. Ele levava a sério e era o nosso chefe. Então, vamos seguir do lado certo. Isso que aconteceu, todo mundo pensando em vencer. À medida que ele ia parar ali, o Brito, o Carlos Alberto e o Gerson também iam.

O que acabou sendo determinante na conquista: a qualidade e a quantidade de craques daquele time ou o fechamento em torno desse pedido do Pelé?

A quantidade de craques. Machucava o Negão, tinha o Dirceu Lopes ou podia ter o Tostão também. Colocava o Rivelino na meia, Paulo César ou o Edu. Uma safra excelente! Safra igual a essa… Os homens da frente eram Jair, Pelé, Tostão, Rivellino, Gerson. Todos camisa 10 nos clubes deles.

Estávamos convictos que íamos ganhar. Gostei, foi a minha primeira, não ia entrar derrotado. [Risos] Ganharam, dei um grande passo.

Você lembra da equipe de preparadores: o Cláudio Coutinho, o Chirol …?

Lembro. O meu maior amigo dentro dessa comissão era o Parreira, sempre foi, ele sabe disso. Ele esteve no Fluminense e a gente sempre conversava. Não dei muita bola para o Coutinho e o Carlesso[36]. Gostava mais do Chirol e do Parreira, porque sabia que os titulares eram eles. Os outros eram ajudantes, militares.

E de que forma acontecia a preparação?

Recebemos uma preparação forte aqui na Urca. Tinha coletivo, treinamento do exército. Você não podia nem olhar para o lado trabalhando junto dos militares. Olhou, tu já está preso. [Risos] Havia dias que treinávamos de manhã e à tarde. Em outros, só à tarde. De manhã, o horário difícil. O exército sempre gostou de trabalhar de manhã, nós não. O que faziam com os soldados, faziam conosco. O mais forte: o teste de cooper. Você tinha que dar oito voltas. Alguns não conseguiam, davam cinco voltas. Eu corria seis.

O treino foi puxado. Em três meses de preparação, como ficava a vida sexual de vocês?

Tínhamos folga e três, quatro seguranças que saíam conosco. Estava liberado na folga. Até nego que nunca saía, por exemplo, o Gerson e outros, iam só passear, sacanear a rapaziada. Mas sempre teve folga, mesmo lá no México.

E é importante manter a vida sexual, mesmo em um período de extrema concentração visando um título mundial?

Acho melhor a vida do jogador europeu. Ele leva a família, a mulher, os filhos. Eles levam e liberam todo mundo que é casado. Você fica tranquilo, não tem preocupação em casa, a preocupação é só no campo. Eles têm que liberar, não existe ficar trancado. Trancado é coisa de preso. [Risos]

Em algum momento partiu de vocês uma reivindicação por causa disso?

Não teve. Não dizíamos nada. Não podia falar, eram os “homens”, os militares que falavam, fechávamos tudo com eles. E eles sabiam da necessidade do atleta, deixavam passear.

Existiu o discurso de ter que ganhar a Copa porque o governo precisava?

Não falamos. Nós tínhamos um palanque. Se eu brigasse com você, ia no palanque e dizia: – “Não gostei de brigar mais esse aí, ou ele vai embora ou vou eu”. A mesma coisa do outro lado, se você brigasse comigo, ia e reclamava, para ser um negócio claro. Houve duas brigas feias, não vou falar entre quem. [Risos] Nós seguramos. – “Fulano, não sai, fica aqui. Você é essencial. E o outro também é”. Seguraram a parada, Brasil tricampeão do mundo.

A imprensa não ficava querendo notícia sobre isso?

O Zizinho[37] escrevia em um jornal de esportes. Acabou a Copa do Mundo, fomos ao nosso hotel, Suítes Caribe, e ele falou: – “Joguei para caramba, não fui campeão do mundo. O Fontana não jogou nada e conseguiu”. [Risos] É mole?! Tem cada história lá dentro. Após a Copa não queria notícia, só falava do título.

Algum jogador era simpático ou a favor dos militares?

Não havia ninguém a favor não, era a dura, não tem jeito. Seis horas da manhã, os outros faziam ginástica e nós fazíamos se tivesse que fazer. Concentramos no Retiro dos Padres[38]. De manhã, treinávamos no Itanhangá. À tarde, no exército. Você não pode ficar concentrado a vida toda sem fazer nada. Precisava ter dois tipos de treinamento. E chegamos no México um mês e meio antes, não tinha como não dar certo.

Falo de simpatizar com o regime, ser a favor dos militares, do que acontecia…

Nem ligávamos para isso, queríamos saber de ganhar a Copa. Após ganharmos, acabava isso. Um dia depois da Copa, escutei falar que todo mundo voltou: nego que morava em Nova York, em Beirute.

Como é ser campeão mundial aos 19 anos, chegar no Brasil e ter que voltar à rotina de um clube, embora você estivesse começando a carreira?

É, eu começava a minha carreira. A Copa do Mundo não me levantou muito. Não fiquei muito empolgado porque sempre fui pé no chão. Pensei assim: campeão do mundo, tudo bem, passou, vamos ver se conseguimos outra em 1974.

Eu poderia ir a quatro Copas. Ganhou aquela, vamos ver a seguinte. Fomos campeões do mundo em uma safra boa, time bom, mas quem jogou mais foram os caras, eu entrei de estepe. [Risos] Na Copa seguinte eu queria ganhar, pois estávamos experientes. Se ganhássemos da Holanda, seríamos campeões. Não podíamos perder da Alemanha de jeito nenhum. A maioria das seleções tremia contra o Brasil. Ouviam o hino nacional e já perdiam.

Na véspera da final, o último jogo contra a Itália, o que passou?

Todo mundo tranquilo, a não ser a barriga do Pelé. [Risos] Era a última dele, por isso queria tanto ganhar. O gol que ele fez não existe, parece que tem mola no pé. Ele pulou com o Facchetti[39] – meu grande amigo, falecido – que tinha quase três metros, cabeceou para baixo, que coisa bonita! Acho que o juiz havia encerrado. Ele fez o gol e o juiz não deu porque apitou o fim do primeiro tempo. O Negão chegou e fez outro. Penso que a realização no futebol não foi nossa, que fomos tricampeões do mundo, e sim do Pelé. Ele jogou as três Copas, tricampeão do mundo.

E a comemoração depois do título no México?

A coisa mais linda do mundo. Aqui também. Os mexicanos na frente do ônibus, de joelho, chorando: Brasil, campeão do mundo. Não deixavam o ônibus passar. Chegou aqui, do aeroporto até o Hotel Plaza é longe para caramba. A rua toda lotada. Nego saiu fora daquele negócio do regime, se libertou… Se tivesse uma guerra e jogasse Brasil e Cochinchina, interrompe a guerra. Aonde colocar futebol, ele é primeiro, guerra é depois.

Nas comemorações de 1970, no Brasil, você esteve em Brasília?

Fomos. O Médici nos deu uma réplica do troféu Copa do Mundo. Em seguida, viemos ao Rio de Janeiro.

Teve corpo de bombeiro?

Sim. Foi bonito, três carros do corpo de bombeiros. Até hoje, encontro alguns que estavam lá na época.

Você disse que o mundial não te emocionou. Qual o título que te emocionou, então? 

Em 1971, Fluminense e Botafogo, esse me emocionou. O Botafogo tinha seis pontos de vantagem, jogou contra o Bonsucesso e perdeu, faltavam quatro jogos. Jogou contra o outro time empatou, e contra o América, empatou. Se ganhasse o segundo jogo, saía campeão.

Andava de esquadrilha da fumaça, jogava contra o Flu, o empate era deles. Aos 43 minutos do segundo tempo, o Oliveira[40] cruzou uma bola, pulei com o Ubirajara[41]. Ele me cutucou, cutuquei de volta. A bola quicou no chão, o Lula[42] meteu de bate canto, um a zero, gol de título. A torcida botafoguense gritando: – “É campeão!”. Não ganharam nada! O Tricolor pegou o carro do corpo de bombeiros e seguiu com destino a Laranjeiras. O Botafogo, teve seis pontos de vantagem e não foi campeão. Precisava de uma vitória, ou um empate.

E você falou de 1971, um ano antes você voltou da Copa de 1970. Teve a disputa do Campeonato Brasileiro, que antigamente se chamava Robertão. Este foi seu primeiro título no Tricolor?

Sim, nós ganhamos, Vencemos o Atlético de um a zero. Aqui, um a um. Além da carreira mais rápida, fui o cara que conseguiu o maior número de títulos no Fluminense, no Vasco, em todos os times que estive.

Você ficou oito anos no time. Nesse momento que apareceu a “máquina tricolor”?

 Dois anos depois, em 1973, e eu receberia passe livre. Chegaram Gil, Paulo César Caju, Gerson, Rivelino, Mario Sérgio, Carlinhos Baiano.

O clube tornou-se campeão de ano ímpar. Não tinha jeito. Em 1974, perdemos do América, um a zero, gol do Orlando Lelé[43]. Bateu a falta, o Félix aceitou. Agora, em ano ímpar, só dava a gente.

A maior rivalidade acontecia contra o Flamengo?

Fla x Flu. O time podia estar com 30 pontos perdidos, se ganhássemos deles, tudo certo, festa no Rio.

Você ser torcedor declarado do Palmeiras criava problemas no Fluminense?

Não, eu sempre falei. Depois, fui para o Vasco e o goleiro do Flu falava que eu era vascaíno. Eles queriam ver minha conduta no dia da partida contra esses times.

Após a Copa do Mundo, você continuou firme na Seleção?

Joguei na Seleção até 1976. Meu último jogo ocorreu no Maracanã, um amistoso Brasil e Paraguai.

Você esperava ser titular em 1974?

Claro, estávamos eu e Marinho Chagas. E fiquei chateado de não ter jogado nenhum jogo, pois o Brasil acabou desclassificado. O Zagallo precisava colocar a rapaziada que não jogou. Sabe quem ele colocou? Ademir da Guia.

Quando isso aconteceu, o Everaldo já…

Não estava mais, tinha falecido.

O outro lateral-esquerdo que despontou foi o Marinho Chagas. De que modo você o analisa como lateral-esquerdo?

Era igual a mim, do meio de campo para frente, não marcava ninguém.  Do meio de campo para frente, decidíamos, éramos iguais. Então, leva três logo, um marcador e dois que apoiam. É isso. Do outro lado também, Zé Maria, que marcava, e o Carlos Alberto Torres, que ia.

Entre uma Copa e outra, fala-se muito da rivalidade entre Brasil e Argentina. Você disputou algum sul-americano?

Disputei muito a Copa Roca[44]. Ganhávamos aqui e na Argentina. Nosso time era muito forte. Senti a pressão do torcedor. A jogada está na frente e os caras estão te dando um chute no tornozelo, te cuspindo. Muito sujos os jogadores argentino, chileno, os sul-americanos.

Eles fazem isso especialmente com os brasileiros…

É verdade, para poder ter o revide. Quantos jogadores brasileiros são expulsos no revide? Vários.

Por que você acha que perdeu a posição para o Marinho em 1974?

Perdi porque eles acharam que ele estava melhor do que eu. Tínhamos o mesmo estilo: os dois apoiavam, nenhum marcava. O Marinho veio bem do Botafogo, eu vinha de uma Copa. Achei que minha experiência pesaria, porém, deram a posição a ele.

Tudo bem, não tenho crítica, nem nada. Agora, em 1970, eu não gostei. Apesar de ser amigo do Everaldo, eu queria ser titular. Fiquei chateado em 1974, pois não entrei em campo.

Na partida Brasil e Polônia, me lembro que o Leão deu até um soco no Marinho. Eu fiquei atrás do gol e vi. O Leão gritou: – “Não apoia”. Era o Lato[45], ponta-direita da Polônia, o Marinho foi apoiar e ele fez o gol. Acabou o jogo, não sei se o Marinho falou alguma coisa para o Leão… Ele deu um soco na barriga do Marinho. É isso o que acontece no futebol.

O grupo de 1974 não seguiu tão unido quanto o de 1970.

Não. Tinham remanescentes: o Rivellino, o Clodoaldo, eu, o Paulo César, o Edu. Mas, quem jogava era o Carpegiani, o Nelinho… Os de 1970 eram bons jogadores, porém, não estavam no esquema. Em 1974, fizemos uma boa seleção. Jogava Luís Pereira, Marinho Peres, fizemos uma boa equipe, no entanto, do meio para frente não fomos bem, ao contrário da de 1970.

A cozinha em 1970 estava horrível e a frente muito boa. [Risos] Em 1974, a cozinha era feia e o ataque excelente.

E comparando este plano de preparação do México com o da Alemanha?

Na Alemanha também fizemos uma boa preparação: vários jogos fora, rodamos muito. O que não deu foi contra a Holanda, ninguém ganhava deles.

Não fizemos aquele esquema da Urca. Fomos para o Retiro dos Padres e ficamos treinando no Itanhangá. Não tinha o exército. Treinamos ali e partimos para a Alemanha.

Mas a preparação, aquela comissão física não…

Não, acabou desfeita. Só o Zagallo permaneceu como técnico, por ser vitorioso. A safra não era a mesma, a maioria dos bons jogadores estava parando: o Gerson, o Pelé, o Brito, o Carlos Alberto. Tanto é que jogaram o Nelinho e o Zé Maria. Enfraqueceu muito.

O grupo não estava tão fechado, o futebol mudava, a Holanda tinha uma proposta de jogo completamente diferente e não havia mais aquelas referências: Pelé, Gerson…

Estes caras não se assustavam com a Holanda. O time parecia o que o Barcelona é neste momento, e o time da Espanha joga do mesmo jeito que o Barça. A seleção holandesa jogava igual ao Ajax, possuía três ou quatro jogadores na equipe.

Você não pode deixar o jogador brasileiro pensar, se deixar, já era. Eles saíam todos de primeira. Se tivéssemos pensado, daríamos um chutão para frente, pegávamos eles todos e saíamos, o cara de trás vinha para fazer o gol. Quase fizemos um gol assim, com o Paulo César. Uma partida muito difícil.

Foi uma surpresa para vocês, então?

Não surpreendeu somente a gente, foi todo mundo. Os holandeses fizeram um a zero na Alemanha, pensei: – “Pô, a Holanda vai ser campeã”. Mas, entregou o ouro no final.

Se você tivesse que dizer uma coisa, o que faltou em 1974?

Três jogadores que jogaram em 1970: Pelé, Tostão e Gerson. [Risos] Para mim, o que faltou foi isso. Ali não ia ter tremedeira. Não estou dizendo que o pessoal de 1974 tremeu, são atletas tarimbados, iam se expor mais. O Rei ia atacar, preocupava três, quatro. O Gerson ia lançar, preocupava dois. Ali, não havia ninguém para eles se preocuparem, com todo respeito aos jogadores.

Quando saiu do Brasil, você sabia que ficaria na reserva?

Sabia. Chamei o Marinho na Alemanha, ele falava muito: – “Senta aqui, meu irmão, vamos conversar”. E disse: – “Se tu ou eu jogar, dane-se, vou te apoiar. E o que tu receber, também vou receber igual, não faz conversinha fiada. Não precisa ficar falando quem vai jogar, quem não vai”.

E a imprensa ajudava: – “Não, melhor aquele ali”. Eu retruquei: – “O melhor sabe quem é? É o cara mais tarimbado, que já se consagrou campeão”. Contudo, o Zagallo, por opção, não me colocou em nenhum jogo. A partida da Polônia foi uma oportunidade para eu entrar, mas estava fora. Coloca o cara para ver! Melhor não colocar, pois eu ia bem e iam falar dele. [Risos]

Havia um problema de relacionamento entre os jogadores e a comissão?

Nós sempre nos demos bem, sou amigo do Zagallo. Trabalhei com ele no Fluminense e em outros lugares. A opção dele foi colocar o Everaldo, e fez certo, porque ele marcava mais do que eu. No entanto, em 1974, não gostei. O Marinho era igual a mim, eu podia entrar no jogo.

Você falou que a imprensa ficava falando bem do Marinho. Existia um partidarismo deles?

Falavam. Em 1974, eu tinha 22 anos, já vinha de 1970. Eles queriam novidade. O Marinho acabava de chegar: – “Vamos apoiar aquele”. Só que esqueceram que Copa do Mundo não é querer fazer gol, precisa defender primeiro, senão, leva nas costas.

E você estaria melhor preparado, por exemplo, para defender? Fugindo um pouco ao teu próprio estilo?

Estaria. O mais apropriado para jogar seria eu. Não fugindo do meu estilo, pois sabia que o Lato, na Polônia, era um ponta fixo e que teria que ficar ali. Agora, em 1970 não. Eu sabia que nunca ia ninguém por ali. Podia marcar o lateral direito, porque eles não tinham um fixo ali. O Lato, o homem que fazia gol e fez contra o Brasil. Não estou criticando ninguém, só achei que tinha que jogar. Estava perdido, o nosso país ficou fora.

E, ao contrário de 1970, que você voltou consagrado. O que sentiu ao sair derrotado de uma Copa do Mundo e ter que retomar a rotina de time? 

É meio ruim, mas penso primeiro na vitória em 1970, quando voltei campeão do mundo, comecei a jogar o campeonato brasileiro e fui campeão de novo. Normal, vindo de derrota e começando campeonato.

Você lembra da volta, no aeroporto, depois de ter perdido, existia algum tipo de hostilidade?

Não houve. Quando você vai e ganha primeiro, se perder na segunda não tem vaia. Houve alguns torcedores falando que devia ter levado fulano… A Seleção nunca está certa quando perde. Se ganhou, colocou o certo. Não houve tumulto, não fizeram um caixão para o Zagallo.

Voltar, botar a camisa do Tricolor, e encarar um time pequeno no Campeonato Carioca…

Não tem motivação. Você lembra que você jogou na Copa do Mundo contra a Romênia e o Peru, você encarar um outro time, até relaxa. Quando chega na final do campeonato, vê que precisava daquela vitória. O negócio é largar na frente.

Em 1976, como foi sua transferência para o Vasco?

Me trocaram por um jogador e mais dois milhões. O Horta[46] trouxe o Miguel[47] para o Fluminense e fui para o Vasco. Cheguei bem lá. Em todos os clubes que trabalhei, virei capitão. Tinha o Roberto Dinamite, mesmo assim o capitão era eu, fiquei cinco anos. Nos clubes que joguei não tinha esse negócio de roubar, ficar seis meses e sair fora. Eu não, ficava três, quatro, cinco, seis anos, estava bem, com o apoio do torcedor.

De que forma se escolhe um capitão? É o técnico ou são os jogadores? Quais são as características para ser líder do time?

Há duas formas. Uma: o cara tem que ser aplicado, assíduo nos treinamentos – nada a ver comigo! [Risos] Precisa chegar cedo, corresponder ao horário de treinamento – eu estava fora. Aí você pergunta: – “E por que você se tornou capitão?”. Fui na pressão. Eles falavam: – “Vou te dar um prêmio e você me dá um também”. Mas eu não dava o retorno para eles, sempre chegava atrasado.

O seu Zezé Moreira[48] uma vez me avisou: – “Marco Antônio, o senhor é um bom jogador, mas é muito relapso”. Respondi: – “Zezé, esse relapso joga em que posição?”. [Risos] Eu não sabia o que significava relapso! [Risos] Sempre de paletó, o seu Zezé, belo treinador.

Virei capitão só porque fui da Seleção, só em razão disso. Por horário não seria, eu chegava atrasado mesmo. No dia do treino, era o último a sair, achava que deviam me cobrar no jogo. O horário que chegava era por algum motivo. Morava em Jacarepaguá quando jogava no Vasco, para vir até São Januário…

No Vasco, você vestiu a camisa?

Vesti. Sou torcedor mesmo. O Roberto Dinamite não acredita. Jogo há 200 anos com ele no Vasco e ele não crê que sou vascaíno, pensa que sou tricolor. Jogador de futebol não torce pelo time onde ele começa. O Pelé começou no Santos e é vascaíno. Comecei no Tricolor, porém também sou Vasco. Peço desculpas ao torcedor do Flu, ele não tem culpa, a culpada é a administração, quando eu entrei, o que fez.

Quando você foi para o Vasco, pensava em disputar a Copa de 1978?

Achei que o Coutinho fez errado. Levou o Rodrigues Neto? E o Edinho na lateral-esquerda? Tinha que ir eu ou o Marinho. O Edinho quando voltou, disse: – “Também, me levaram de lateral-esquerdo”. Falei: – “Bem feito, tu aceitou. Quando tu foi, não falou nada”. Ele fez tudo certo, mas devia ir eu ou o Marinho. O Rodrigues estava bem, mereceu.

A imprensa comentou, quando saiu a convocação?

Nem falaram nada. Tudo que o Coutinho fazia, eles achavam graça, batiam palma. Parecia o Pelé deles. O problema do treinador é o resultado, após o resultado, já era.

Como ocorreu o momento que você decidiu pendurar a chuteira?

Eu já contava com outra profissão: empresário de futebol. Trabalhei com os melhores jogadores, tinha uma cancha. Você nunca para sem ter um bagulho do lado. Ia na Itália, sabia o idioma, sabia correr atrás de jogador. Parei e pulei para outra. E fui para uma melhor: a seleção de masters do Luciano do Valle[49] e do Kiko Leal[50]. Joguei cinco anos nela, bem melhor do que jogar em certos clube que não recebia – alguns atrasavam três meses. Na de masters, todo domingo, além do povo que ia ver, pagavam a gente.

Quais são as suas melhores lembranças do esporte?

 Primeira: você ter chaves, Campeão do mundo de 1970, isso abre portas. A segunda aconteceu quando parei, uma lembrança legal porque organizei o meu esquema para parar. Quando encerrei, nego não falou assim: – “Não quero mais, está velho e tal”. Parei legal, graças a Deus.

Se você não tivesse sido jogador, o que você gostaria de fazer?

Eu seria policial [Risos]. Fiz curso de detetive, no Retiro dos Padres, em 1970. Seria mesmo. Fiz por correspondência. Peguei carteira e tudo, passei. Lá não havia nada para fazer, fui estudar [Risos].

Você indicou alguns jogadores brasileiros para jogarem no exterior, não é mesmo?

Nunca joguei em time de fora do Brasil. Mas sou empresário de futebol. O primeiro atleta que coloquei para ir à Itália foi o Assis[51], irmão do Ronaldinho. Peguei ele pequenininho, levei no Torino, trabalhei com ele lá. Ele, o Romário, o Geovani[52] foram todos indicações minhas. O Grêmio não quis, deu um dinheiro extra e puxou o Assis para o time de cima. O Vasco deu um dinheiro além e puxou o Romário. O Geovani também. Depois, saiu quase todo mundo. O Romário para o PSV, o Geovani para o Bologna e o Assis continuou no Grêmio.

Naquela época era fácil. Um italiano me convidou, dentro de uma churrascaria: -“Quer trabalhar comigo?”. Respondi: – “Quero, o que é?”. – “Apontar jogador”. É mole, só jogador bom. Eu indicava os jogadores, fazia ponte-aérea, ficava quinze dias na Itália, quinze dias no Brasil, e ai estava falando italiano. 

Você faz parte de um pequeno grupo de jogadores brasileiros que disputaram a Copa do Mundo bem cedo.

Jogadores que aos 19 anos jogaram na Copa do Mundo só tem três: eu, o Altafini Mazzola[53] e o Pelé. Não é só ter ido à Seleção, tem que ter jogado.

O Edu não jogou? O Ronaldo também foi com 16 anos.

Não. Foram e não jogaram. Esse é o futebol. Eu também não sabia, um cara que mandou isso para mim. Se fosse derrota eu não queria saber, vitória guardei, tem que guardar.

Estamos nas vésperas de sediar uma Copa do Mundo, em 2014, qual expectativa você tem dessa atual seleção? Tem chance de ser campeã?

Não tem, falo mesmo. Outra vez, quem for ao Maracanã, vai chorar igual chorou em 1950. Eu, já torcendo, não tenho mais lágrima para chorar. [Risos]

Acho que não chega à final. Sou brasileiro, estou dando a minha opinião, do jeito que está, não tem como chegar. Temos seleções aí, Holanda… Não estou dizendo que não dá liga. Não é que a safra seja ruim, no entanto, quem será o lateral-esquerdo da Seleção Brasileira? É disso que estou falando, você está vendo que está abrindo brecha. Você não sabe quem é… Sabe direita, mas e do lado esquerdo? Estamos correndo atrás de um. Não existe isso. Precisa estar pronta para poder ir jogando pelo Brasil e fora do país. Antes de disputar a Copa do Mundo de 1974, nós rodamos o mundo todo. Fomos na Tunísia, Argélia… O Brasil só está jogando contra Marrocos, contra não sei quem. Não está pronto.


[1] Athiê Jorge Coury, presidente do Santos entre 1945 e 1971.

[2]Antônio Wilson Vieira Honório.

[3] José Macia Pepe.

[4] Walter Ferraz de Negreiros.

[5] Macuco, bairro de Santos, onde está localizada a Avenida Conselheiro Rodrigues Alves.

[6] Dorval Rodrigues, ponta-direita do Santos entre 1956-1957, 1957-1960, 1961-1964 e 1965-1967.

[7] José Ferreira Franco, volante do Palmeiras de 1958 a 1968.

[8] Wilson Gomes, também conhecido como Samarone, atacante que defendeu a Portuguesa Santista entre 1963-1965 e o Fluminense entre 1965-1971.

[9] João Carlos Rodrigues, zagueiro que atuou na Portuguesa Santista e, posteriormente, no Palmeiras entre 1972-1976.

[10]Instituto Nacional de Educação de Surdos, localizado na Rua das Laranjeiras.

[11]Rubens Márcio Cordeiro Galaxe, zagueiro que atuou no Fluminense entre 1970-1982.

[12] Valdir Pereira, o Didi, atuou no Fluminense entre 1949-1956 e no Botafogo entre 1956-1959, 1960-1962 e 1964-1965.

[13] Troféu Ramón de Carranza. Competição realizada anualmente, desde 1955, na cidade de Cádiz, Espanha.

[14]Troféu Teresa Herrera. Torneio disputado, desde 1946, em Corunha, Espanha.

[15] Denílson Custódio Machado, volante que defendeu o Fluminense entre 1964-1973.

[16] Copa Conmebol. Competição entre clubes sul-americanos, disputada entre 1992-1999.

[17] Roberto Alvarenga, supervisor de futebol do Fluminense entre 1959-1999.

[18] Vicente Feola, técnico da seleção brasileira em 1955, 1958-1959, 1960, 1964-1965 e 1966.

[19] João Carlos Batista Pinheiro, zagueiro que defendeu o Fluminense entre 1948-1963. Após encerrar a carreira de jogador, trabalhou nas categorias de base do clube como técnico. Comandou a equipe profissional entre 1971-1972, em 1977 e 1994.

[20]Sidney Colônia Cunha, meio-campista. Atuou no Internacional, Palmeiras e em diversos clubes italianos, nas décadas de 1960 e 1970.

[21]Flávio Almeida da Fonseca, centroavante do Corinthians entre 1965-1969 e do Fluminense entre 1969-1971.

[22] João Alves Jobin Saldanha foi jornalista e treinador de futebol, atuou como técnico da seleção brasileira entre 1969 e 1970.

[23] Mário Jorge Lobo Zagallo, comandou a Seleção brasileira entre 1967-1968, 1970-1974 e 1994-1998.

[24] Rildo da Costa Menezes, lateral-esquerdo do Santos entre 1967-1972.

[25] Lídio Toledo, médico da Seleção brasileira nas Copas do Mundo de 1970, 1974, 1978, 1990, 1994 e 1998.

[26] Sebastião Leônidas, zagueiro que defendeu o Botafogo entre 1966-1971.

[27]Geraldo Antônio Martins, mais conhecido como Geraldino, lateral-esquerdo do Santos entre 1963-1969.

[28] Renê Carlos da Silva Teixeira, zagueiro que atuou no Vasco entre 1969-1974.

[29] Edgardo Norberto Andrada, goleiro do Vasco entre 1969-1975.

[30] Carlos Alberto Parreira, Admildo de Abreu Chirol e Cláudio Coutinho, preparadores físicos da Seleção brasileira. O Brigadeiro Jerônimo Bastos foi o chefe da delegação brasileira na Copa do Mundo de 1970.

[31] Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil entre 30 de outubro de 1969 e 15 de março de 1974, durante a ditadura militar.

[32] Robert “Bobby” Frederick Chelsea Moore, zagueiro da seleção inglesa. Esteve nas Copas do Mundo de 1962, 1966 e 1970.

[33] Félix Alberto Gallardo Mendoza, atacante da seleção peruana na Copa do Mundo de 1970. Atuou no Palmeiras entre 1966-1967.

[34] Gilberto José Ferrari, lateral-esquerdo do Palmeiras entre 1963-1969.

[35] Luis Rubiños Cerna, goleiro da seleção peruana na Copa do Mundo de 1970.

[36] Raul Alberto Carlesso, preparador de goleiros da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970.

[37] Tomás Soares da Silva, mais conhecido como Zizinho, atacante da seleção brasileira entre 1942-1957. Disputou a Copa do Mundo de 1950.

[38] Também conhecida como “Casa da Gávea” ou “Casa de Retiros Anchieta” é uma casa de campo localizada em São Conrado, na cidade do Rio de Janeiro.

[39]Giacinto Facchetti, lateral-esquerdo da seleção italiana entre 1963-1977.

[40] Raimundo Evandro da Silva Oliveira, lateral-direito do Fluminense entre metade dos anos 1960 e o início da década de 1970.

[41] Ubirajara Gonçalves Motta, goleiro do Botafogo entre 1969-1971.

[42] Luís Ribeiro Pinto Neto, ponta-direita que atuou no Tricolor carioca de 1965 a 1967 e, após breve empréstimo ao Palmeiras, de 1967 a 1974.

[43] Orlando Pereira, lateral-direito do América-RJ entre 1974-1976.

[44] Competição entre as seleções argentina e brasileira criada, em 1913, pelo presidente argentino Julio Argentino Roca. Foi disputada em 1914, 1922, 1923, 1939, 1940, 1945, 1957, 1960, 1963, 1971 e 1976. Em 2011 e 2012, o torneio foi retomado sob o nome de Superclássico das Américas.

[45] Grzegorz Lato, ponta-direita da seleção polonesa entre 1971-1984. Participou das Copas do Mundo de 1974, da qual foi artilheiro; 1978; e 1982.

[46] Francisco Luiz Cavalcanti da Cunha Horta, presidente do Fluminense entre 1975 e 1976.

[47] Miguel Ferreira Pereira, zagueiro que defendeu o Vasco da Gama entre 1969-1975 e o Fluminense entre 1976-1978.

[48] Alfredo Moreira Júnior, mais conhecido como Zezé Moreira, ex-jogador e técnico de futebol. Era irmão de Aymoré e Airton Moreira, também treinadores.

[49] Luciano do Valle, locutor esportivo e empresário.

[50] José Francisco Coelho Leal, mais conhecido como Kiko, publicitário.

[51] Roberto de Assis Moreira, meia.

[52] Geovani Silva, meio-campista.

[53] José João Altafini, conhecido como Mazzola, atacante que defendeu a Seleção brasileira entre 1957-1958 e a italiana em 1961 e 1962.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).

Daniela Alfonsi

Antropóloga, Diretora Técnica do Museu do Futebol e doutoranda pela USP. Trabalha com e pesquisa sobre os museus esportivos.
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