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Mauro Galvão (parte 2)

Equipe Ludopédio, Ricardo André Richter 25 de dezembro de 2013

Poucos jogadores tiveram uma carreira vitoriosa como a de Mauro Geraldo Galvão. O zagueiro começou sua trajetória profissional no Internacional de Porto Alegre, mas antes passou pelas categorias de base do rival Grêmio. Durante sua longa carreira atou em diversos clubes, entre eles Bangu, Botafogo, Vasco e Grêmio. Disputou duas Copas pela Seleção Brasileira, 1986 e 1990, e os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Na Europa, defendeu por seis anos o Lugano, da Suíça. Encerrou a carreira no Grêmio em 2002, aos 40 anos de idade, com um currículo invejável: diversas vezes campeão gaúcho e carioca, tetracampeão brasileiro, bicampeão da Copa do Brasil, campeão da Libertadores da América de 1998 e campeão da Copa América de 1989. Após a vitoriosa carreira como jogador, Mauro Galvão atuou como técnico do Vasco da Gama, Botafogo e Náutico. Foi ainda diretor-executivo de futebol no Grêmio e Vitória/BA, além de superintendente de esportes do Avaí.

Boa leitura!

 

Mauro Galvão concede entrevista. Foto: Ricardo André Richter.

 

 

Segunda parte

Em 1990, você disputou a Copa do Mundo da Itália. Muito se fala do gol do Caniggia e pouco se lembra que a derrota para a Argentina foi o melhor jogo do Brasil na Copa. Como os jogadores lidaram com as críticas da imprensa? Havia espaço para discutir com o técnico Lazaroni o modo como o Brasil deveria jogar?

Havia espaço, mas um ano antes nós ganhamos a Copa América de 1989. Em 1990 conquistamos a vaga para a Copa do Mundo. Então era complicado mudar um esquema de jogo às vésperas da Copa do Mundo. Eu acho que foi, como você falou, a nossa melhor partida na Copa do Mundo e nós simplesmente não fizemos os gols. Tivemos chances, bola na trave, domínio do jogo, mas a seleção não estava bem fechada, não era um grupo que falava a mesma língua, com muitos interesses distintos, e isso acabou atrapalhando. E a discussão com a CBF sobre publicidades acabou gerando mal-estar. Não perdemos por causa disso, mas às vezes aquilo que acontece fora do campo acaba atrapalhando também. Mas dentro de campo, se formos ver os números, o domínio foi nosso. Tivemos chances, oportunidades, mas não fizemos o gol. Futebol tem que ser prático: fazer o gol e não tomar. O gol da Argentina foi numa jogada individual do Maradona, que carregou a bola e a enfiou para o Caniggia, que estava quase impedido, mas que acabou conseguindo fazer o gol. Depois, quando resolvemos acordar já era tarde, ainda mais frente a uma equipe da Argentina que era muito, mas que até ali tinha sofrido muito. Tudo aconteceu de uma forma incrível. Nós eramos os primeiros da nossa chave. E pegamos o terceiro colocado da outra chave, que foi a Argentina. O que já era inacreditável, pois ela poderia ter sido primeira ou segunda colocada. Mas acabou cruzando com o Brasil num momento em que os jogos são decisivos. Ninguém quer um jogo desses naquele momento. Mas aconteceu. Quando as coisas têm que acontecer… E foi mérito da Argentina, que acabou chegando em segundo lugar ao final da competição, mesmo ganhando a maioria dos jogos na disputa dos pênaltis.

E como foi para vocês a repercussão na imprensa?

No Brasil é sempre assim: se ganha, está certo, se perde, está errado. Não existe uma análise fria do que aconteceu. Analisar o jogo como ele é. Não fazer a reportagem como eles querem. Às vezes a imprensa deduz: foi por causa disso que o Brasil perdeu, ou foi por causa daquilo. Não, o Brasil perdeu porque não fez o gol e deixou o Maradona fazer uma jogada que não pode deixar. Um jogador da qualidade do Maradona, ou do Zidane, ou hoje do Messi. Se você deixar o Messi sozinho em cinco metros ele vai fazer um estrago, sabemos disso. Ele vai arrumar um jeito. Vai fazer o gol ou vai deixar alguém na cara do gol. Ou você marca esse jogador, ou terá problemas. Nós não entendemos isso. Quando tivemos oportunidade não paramos a jogada, não fizemos a falta, e acabou estourando lá dentro, no gol. Não podemos reclamar.

Mauro Galvão na Seleção Brasileira. Foto: Arquivo Pessoal.

Você passou seis anos na Suíça jogando pelo Lugano. Como foi a sua adaptação seja do ponto de vista cultural e futebolístico? Como é o futebol suíço? No que diz respeito à estrutura dos clubes, paixão dos torcedores, cobertura da mídia…

O futebol suíço está um pouco abaixo, não faz parte do primeiro escalão do futebol europeu. É um bom futebol. Tem em volta da Suíça o futebol da Alemanha, Itália e França. Jogadores que se destacam ali podem ser chamados e contratados, como já aconteceu várias vezes. E naquele período a Suíça passava por um bom momento, tinha se classificado para a Copa do Mundo, o futebol estava num bom nível naquele momento. E a torcida gosta de futebol lá. Não é o primeiro esporte – o principal é o hóquei no gelo -, mas já existe um desenvolvimento muito grande. Na Basileia, por exemplo, a torcida é incrível, lota todos os jogos. Existem bons times na Suíça, como o próprio Lugano, time em que joguei. Tive seis anos muito bons lá, minha família adorou, eu também gostei muito, quando posso viajo à Suíça, tenho vários amigos. Foi uma experiência de vida maravilhosa. Na parte profissional pude aprender muito sobre a questão tática, um futebol mais rápido, mais intenso, os campos são muito bons, ter que se adaptar ao clima, jogar na neve, com temperaturas baixas. Para mim, como sou gaúcho, isso não foi problema. Mas é diferente, não posso negar que é diferente. Foi muito bom, gostei muito de lá, o time fez campanhas boas. Tínhamos um time médio em relação aos outros, no que diz respeito ao orçamento, e ganhamos uma Copa Suíça, jogamos uma Copa das Copas, jogamos uma Copa Uefa. E derrubamos a grande Inter de Milão na segunda fase: ganhamos no San Siro por 1×0 e empatamos 1×1 em casa. Tivemos bons resultados para aquilo que o Lugano se propunha. Na verdade, fizemos duas finais de Copa Suíça. Uma contra o Lucerna e perdemos. Para mim foi terrível. E no ano seguinte nós voltamos a Berna – a decisão é sempre lá -, e ganhamos do Grasshopper, time mais renomado do futebol suíço.

Mauro Galvão no Lugano-Suíça. Foto: Arquivo Pessoal.

Na sua volta ao Brasil regressou ao Grêmio e depois de passar pelo Vasco voltou para o clube e encerrou a carreira por lá. Como foi jogar pelo maior rival do Internacional, o clube que o projetou?

Sempre tive uma relação boa com os dois times, o Inter e o Grêmio. Sempre respeitei os dois clubes, até porque sou gaúcho. Morei sempre no bairro que fica entre os dois clubes em Porto Alegre. Eu tive uma história no Grêmio que não estava acabada, ela foi cortada, porque fui para o Inter. Eu tive oportunidade de retornar para concluir essa história. Então foi bacana. Essa oportunidade aconteceu em 1996, quando Luiz Felipe Scolari era o treinador e o Fábio Koff era o presidente. Eles me ligaram e convidaram. Já tinha recebido alguns convites, mas só queria voltar quando o time estivesse organizado. E naquele momento o time mais organizado era o Grêmio, que desenvolvia um bom trabalho nos últimos dois anos. Acho que o jogador que está fora do Brasil tem que retornar para um time organizado ou senão ele será muito cobrado, como se fosse a salvação do time. Eu não queria ser a salvação de ninguém, só queria jogar futebol. Acertamos e retornei. A readaptação foi um pouco complicada no início, algo normal, pois estava jogando na Suíça. E no Brasil existe um estilo de jogo mais cadenciado e de muita qualidade. Mas foi bom demais, não posso reclamar. Cheguei ao Grêmio em 1996 e ganhamos o Brasileiro naquele ano. Em 1997 ganhamos a Copa do Brasil. Ou seja, em um ano na equipe ganhamos dois títulos nacionais. Logo em seguida saí para o Vasco da Gama. Houve a mesma situação: o pessoal demorou um pouco, acabei acertando com o Vasco. O que eu posso fazer? Você tem definir logo o que você quer. Eu tinha que cuidar da minha vida, não podia ficar esperando. Então acabei indo para o Vasco. O pessoal falava que eu era louco de ir para o Vasco da Gama. Eu disse: “O que eu posso fazer? O Vasco fez uma proposta concreta, foi procurar, assinei um pré-contrato”. Mas nunca imaginei que iria acontecer tudo o que aconteceu. Lógico que eu tinha confiança que as coisas poderiam andar bem. O nosso acabou ganhando o time brasileiro de 1997, ganhamos o Estadual de 1998 e a Copa Libertadores de 1998, tudo no ano de centenário do clube, além de disputar o Mundial do Japão. Só faltou ganhar o Mundial. O Vasco disputava tudo, estava em todas as finais até 2000. Em 2000, saí do Vasco. Vinha com problema no joelho, já havia operado. O ano de 2000 foi complicado para mim. O Vasco também estava numa fase difícil financeiramente, pois o patrocinador tinha saído. Eu saí e retornei para o Grêmio. Tinha ainda mais alguma coisa por fazer. Voltei e foi muito bom. Fui bem recebido. Imagina, fui contratado pelo Grêmio aos 39 anos. Já é uma coisa fora dos padrões. O técnico era o Tite, em começo de carreira, recém-chegado do Caxias. Fizemos um Campeonato Gaúcho muito bom, ganhamos do Juventude na final. E ganhamos do Corinthians na final da Copa do Brasil.

Dentro de uma carreira com tantos títulos, inclusive desde o início no Internacional, você considera a sua passagem pelo Vasco no final de década de 1990 como a mais vitoriosa da sua carreira? O que aquela equipe tinha de especial?

Acho que foi a mais vitoriosa, pois foi um ciclo. Ganhamos vários campeonatos em sequência e jogando com a mesma base. Mantivemos durante um bom tempo a mesma base: eu, Odvan, Luisinho, Nasa, Felipe, Juninho, Ramón, Pedrinho, Edmundo (primeiro ano sensacional), Evair. Depois vieram: Luisão, Donizete, Vagner. Eu considero que foi um ciclo no Vasco, pelo número de campeonatos, pelo número de disputas. A mídia esportiva estava crescendo no Brasil e a torcida vascaína se expandiu muito naquele momento.

Mauro Galvão no Vasco da Gama. Foto: Arquivo Pessoal.
Mauro Galvão no Vasco da Gama. Foto: Arquivo Pessoal.


Mauro Galvão no Grêmio-RS. Foto: Arquivo Pessoal. 

Sua carreira de jogador foi longa para os padrões brasileiros da época. Como foi parar? Pensava em seguir no futebol como técnico? E hoje, qual sua perspectiva nesta sua nova etapa no futebol?

É muito difícil parar. É a parte mais complicada na carreira do jogador profissional: parar, saber quando parar. Como é que você para? Quando você para? Difícil. Você vai fazer uma previsão? Parar de fazer uma coisa que você gosta. É uma mistura de sentimentos: tua vontade contra tua cabeça. A cabeça dizendo “tá chegando a hora, não dá mais”, frente ao teu gosto pelo futebol, de jogar, de estar ali dentro, pelo ambiente que é o futebol, por tudo o que tu fez na vida. De repente tu tem que dizer que não dá mais. É difícil. Se a pessoa não estiver bem pode até gerar problemas psicológicos pelo fato de você não ser mais aquele cara que está nas fotos, nas entrevistas; aquele cara que está sendo sempre cobrado, que está no vestiário antes de entrar no campo. Tudo isso você se lembra, faz parte do teu momento coo jogador, de entrar antes jogo, de aquecer. Tudo isso faz parte da tua vida e de repente você não vai fazer mais. Não vai ter mais aquilo que sentia antes do jogo e depois. Então é uma mudança radical. É muito contraditório o que tu sente. É uma coisa tu gosta, e outra coisa é ver que teu corpo não é mais o mesmo, já não tem mais a mesma resposta. Comecei a me machucar demais e aí já vi que não valia a pena. Pensei bem e disse: “pô, vou parar”. Estava com mais problemas físicos no final. Quando voltava, eu nunca estava voltando no nível dos outros. Eu estava sempre um pouco abaixo. Então eu disse: “Chega. Mais do que isso eu não vou conseguir. Se eu continuar posso atrapalha e manchar tudo o que consegui na minha carreira”. Era melhor eu parar e procurar outra atividade. E eu não tinha a menor ideia do que fazer. Eu queria continuar jogando, se pudesse, mas eu não podia. Comecei a trabalhar na comissão técnica do Vasco da Gama como auxiliar e depois acabei trabalhando como treinador. Fui depois para o Botafogo. Mas não é uma atividade que me conquistou. Não é uma coisa que eu sinto falta. Não gosto disso. De repente, posso até ser depois. Mas não é uma coisa que eu digo: “queria ser treinador de novo”. Posso vir a ser? Posso. Mas não é aquela coisa que faço com gosto. Gosto mais dessa minha função hoje, participando de contratações e decisões, organização. Acho importante, uma questão de credibilidade. Aqui eles têm certeza que estou trabalhando para o Vasco da Gama, e vou tentar ver o melhor para os jogadores. Já passei por essa fase de jovem, de ter esperança de chegar. Quero passar isso também. Fiz outros trabalhos profissionais no Grêmio, no Vitória, no Avaí, todos nessa função, e agora estou no Vasco. Para mim é super importante trabalhar num clube que eu gosto, numa cidade onde eu moro, e a gente sabe que o futebol é muito dinâmico. Hoje a gente está aqui, amanhã não se sabe. Até existem várias situações em relação a este cargo, por se tratar de uma questão de confiança. Às vezes não depende só de você ter um preparo, pois pode valer mais a pessoa que te indica. Mas é importante você ter o teu valor. Estou bastante satisfeito nessa função.

Sobre o interno e o entorno de 2014: o que você acha das opções de camisa 4 da seleção? A vitória na Copa das Confederações anima para 2014 ou esfumaça a visão de tudo de errado que enxergamos com os estádios e a infra estrutura?

Acho que estamos bem de zagueiros. Nós temos quatro zagueiros bons, mas a dupla titular é o Thiago Silva e o David Luiz. Jogadores que pegaram mais entrosamento jogando juntos agora nesse ano. Acho que o Luiz Felipe pediu que eles jogassem de forma mais simples. Quando tiver que dar um chutão, dá o chutão. É o tem que fazer, aliviar, tirar o perigo, senão pode dar errado, como no lance do gol do Cavani no jogo contra o Uruguai. Às vezes simplificar é o melhor. Tá difícil? Tira essa bola, o time saí, está tudo certo. Isso é o mais importante. O treinar passar as orientações e os jogadores entenderem que mesmo eles sendo grandes jogadores, eles também falham. O Luiz Felipe Scolari foi muito bem nesse caso. Definiu o time: goleiro é fulano, esse aqui é o zagueiro, lateral esse aqui, volante aquele ali. E cada um na sua função, fazendo seu melhor. No momento em que definiu isso aí, cada um cresceu dentro do coletivo. A questão do Brasil para a Copa do Mundo acho que foi importante a experiência de ter feito essa Copa das Confederações para poder ter a noção do quanto vai ser difícil fazer uma Copa do Mundo, do quanto o Brasil terá que se preparar. A gente espera que a questão política se acalme um pouco mais, que o governo consiga atender os anseios do povo, fazer que as coisas funcionem, sem corrupção. O que o povo quer é pouca coisa. Só quer que as coisas funcionem: saúde, ensino, respeito. Não quer ver um deputado pegar um avião e encher de parentes parair assistir um jogo da Copa do Mundo. Esse tipo de situação que o brasileiro não quer. Cada um que pague do seu bolso o que quer fazer. Se eu quero viajar, é problema meu, tenho que ir com meu dinheiro, e não com dinheiro do governo. Se nós conseguirmos chegar a esse estágo, esse nível, Brasil vai crescer. Se não, será sempre a mesma coisa, Brasil correndo atrás, sempre com dificuldade. Não adianta as coisas conspiraram a favor, se nós não ajudamos.

E a seleção brasileira? Estará preparada para trazer uma taça tão aguardada pelos torcedores?

Acho que ela deu o primeiro passo para fazer isso com a atuação que teve. Foram partidas boas. Hoje a seleção brasileira tem mais confiança para trabalhar. Não quero dizer com isso que está tudo certo, mas tem já um esboço de time. E até a Copa do Mundo muita coisa vai acontecer. Algumas seleções são muito fortes, como a Espanha, Alemanha, Holanda e Itália. Existem vários candidatos e o Brasil é um deles, principalmente por jogar aqui, conhecer o clima, isso influencia muito. As equipes sentiram muito ao jogarem no Nordeste. Não estão acostumados. Acho que as perspectivas são boas.

Mauro Galvão durante a entrevista. Foto: Ricardo André Richter.
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Equipe Ludopédio

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Ricardo André Richter

Doutorando em Educação Física pela Universidade Eberhard-Karls Tubingen. É consultor em Gestão Esportiva e Programas de Qualificação na Europa da ERW Consulting.
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