Depoimento de Tia Aida. Fundadora da Torcida Organizada do Vasco (TOV), em 1944.

Data da Gravação: 26/07/2005
Entrevistada: Aida de Almeida (1925-2010)
Entrevistador: Bernardo Buarque
Transcrição: Juliana Paula L. Mattos
Edição: Pedro Zanquetta Junior

Tia Aida
Tia Aida vivenciou uma das fases mais vitoriosas do Clube. Foto: Bernardo Buarque de Hollanda.

 

Primeira parte

 

Iniciando, gostaria que você se apresentasse e dissesse onde e quando nasceu.

Meu nome é Aida de Almeida. Sou carioca da gema, nascida no dia 19 de janeiro de 1925, na Rua do Senado, onde vivi até os 15 anos. Depois, eu e meus familiares moramos em outros endereços, mas nunca deixei de frequentar o estádio de São Januário.

Seus pais também nasceram no Rio de Janeiro?

Não, eles eram portugueses da antiga província da Beira Alta, na região da Serra D’Estrela. Minha mãe era de uma cidade belíssima chamada Mangualde. Ela nos contava que lá havia casas antigas pequeninas com o teto baixo por causa do frio e com um sótão onde armazenavam linguiças, vinho e azeite. Sempre sonhei em ir para lá, contudo os anos se passam e não consigo. Agora está mais difícil, pois a vida encareceu e o euro está muito valorizado. Meu irmão fez essa viagem e voltou dizendo que as moradias se tornaram maiores e mais modernas.

A minha mãe nasceu em 1900 e veio para o Brasil em 1918. Ela era prima do meu pai e eles se casaram cedo, antes de imigrarem. A nossa família tinha o costume de casar todo mundo entre eles, de forma bem fechada. O próprio irmão do meu pai se casou com a irmã da minha mãe. Todos tinham sobrenome Cabral e Almeida.

Então, você cresceu com uma forte influência portuguesa, não é?

Exatamente. Tanto na educação quanto na alimentação. Eu fui criada com carne de carneiro, cabrito, coelho, bacalhau… Todos esses ingredientes típicos de Portugal. Na minha juventude, nunca comi carne de porco no Natal. Era bacalhoada com couve tronchuda, rabanadas, polvo, soda, guaraná, vinho e diversos tipos de frutas. Naqueles tempos, não tínhamos geladeiras como as de hoje e conservávamos os alimentos em uma caixa de madeira com gelo. A minha mãe entrava na cozinha com as empregadas às cinco da manhã e cozinhava até às oito da noite quando o jantar era servido. Essa era a tradição. A ceia não começava à meia-noite como hoje. Tenho duas primas que ainda fazem tudo como antigamente.

Qual era a ocupação do seu pai?

Ele era proprietário de uma fábrica de caixas de madeira de pinho, do Paraná. Após a sua morte, meu irmão, que era economista, passou a administrar a empresa. Algum tempo depois, nos mudamos para o bairro de Maria da Graça e montamos uma indústria grande. Todavia, com o desenvolvimento do plástico, as caixas de madeira começaram a declinar e só havia interesse nas feitas com sarrafo para carregar tomate. Os lucros diminuíram, entretanto conseguimos resistir por um bom tempo.

Quantos irmãos você teve?

Éramos duas meninas e dois meninos, porém meu irmão caçula faleceu aos 18 anos devido a um problema do coração. Ele jogava como goleiro no Vasco, mas nos deixou cedo, assim como meu pai que morreu aos 38 anos. Naquela época não havia antibióticos e meu pai teve uma infecção na pleura. Tínhamos um bom médico que atendia na própria Rua do Senado e ele fez o que pode. Quando a doença se espalhou, levaram meu pai para a região serrana de Friburgo, mas não adiantou. Por outro lado, a minha mãe viveu até os 83 anos. Ela era uma dama elegantíssima e não recebia ninguém a não ser de sapato e meia. Infelizmente, não puxei isso dela e sou muito bagunceira. [Risos]

O seu pai também era vascaíno?

Sim, inclusive, contribuiu bastante para a aquisição do terreno do clube em São Januário. Após o expediente na caixotaria na Rua do Senado, ele seguia de bonde até o bairro da Saúde e participava de muitas reuniões. Alguns tomaram a frente mais do que ele, contudo ajudou e dava dinheiro. Embora muitos digam que aquele espaço foi cedido pela Prefeitura, recordo de ouvir meu pai comentar com as visitas: – “O terreno foi muito caro. Custou 2 contos!”.

E sua mãe, torcia?

Ela dizia que na nossa família todo mundo só falava em Vasco e que, por isso, era América. Certa vez chegou a ser homenageada pelo clube e recebeu flores em seu aniversário com uma mensagem: “À americana…”.

Como foi sua formação escolar?

Comecei meus estudos na Escola Municipal Celestino da Silva, na Rua do Lavradio. De lá, fui para o Colégio Marista São José, na Rua Conde de Bonfim. Quando nos mudamos para Lins de Vasconcelos, eu e meu irmão passamos a estudar na Moderna Associação Brasileira de Ensino, na Rua do Riachuelo, perto dos Arcos. Eu me formei em Ciências Contábeis e ele em Economia. A MABE era uma instituição séria de Ensino Superior. Agora me parece que virou uma bagunça, tem primário, ginásio… Depois de morar em Lins, eu me mudei para Copacabana, onde permaneci por 40 anos. Há 16 anos, vim morar aqui na Tijuca.

Além das Ciências Contábeis, você tem uma vocação para as Artes Plásticas, não é?

Desde cedo sempre gostei muito de desenhar. Pintei um número grande de telas e presenteei bastante gente, porque não conseguia vende-las. Cheguei a ganhar alguns prêmios e ainda guardo algumas por seu significado como uma de um porto de pesca da Noruega, outra do lugar que minha mãe nasceu, conforme ela descrevia, com oliveiras e uma rampinha onde minha avó lavava roupas… Tenho um primo e uma prima que também pintam.

Cheguei a ter aulas com uma pintora que estudava na Faculdade de Belas Artes e era minha vizinha. Eu tinha muita vocação, porém não continuei porque precisava fixar muito os olhos na tela e minha visão não estava boa. Além disso, eu ajudava o meu irmão na contabilidade da fábrica e ia bastante para Maria da Graça.

Então, você trabalhava na fábrica também?

Sim. Após a morte do meu pai, meu irmão assumiu o negócio da família aos 17 anos. Minha mãe precisou emancipá-lo para ele poder assinar os documentos e gerir tudo. Ao completar a maioridade, ele estava estudando no MABE comigo. Eu não queria ir para a fábrica, a minha vontade era ser granfina e jogar tênis no Vasco. A minha professora era a Maria Helena Mourinho, rival da Maria Ester Bueno. O pai dela, o Dr. Paulo Amorim, era meu médico. Eu era uma mocinha bonita e queria ser chique com aquela sainha de tênis. Algum tempo depois, o esporte caiu muito e eu o abandonei, fui para a natação.

Você chegou a se casar?

Ao longo de meus anos como torcedora, conheci muita gente, entre eles, alguns jogadores de futebol, mas sempre mantive distância. Gostei muito do Paulinho de Almeida (Lateral-direito que atuou no Vasco da Gama entre 1954 e 1964) e chegamos a namoricar por telefone. Certa vez, o time fez uma excursão à Europa e ele quis tirar um retrato comigo. A foto saiu no Jornal dos Sports e minha mãe reclamou demais: – “O que é isso? Você é namorada dele para sair no jornal?”. Ela era esquisita e havia muito moralismo naquela época.

Eu tinha um namorado até o ano passado. Nós nos conhecemos em 1977, por intermédio de uma amiga. Ele era um Major do Exército recém-viúvo e eu, uma solteira de 42 anos, alta e elegante. Quando minha mãe soube, exigiu: – “Você está nessa idade, mas, se for sair de casa, precisa casar. Se não for assim, pode esquecer que tem uma mãe”. Eu acabei ficando em casa. Ao longo desses anos todos, ele serviu em Brasília, Curitiba e Campo Grande e, quando vinha ao Rio, nós passeávamos e, às vezes, viajávamos juntos. Ele ia embora, eu ficava. Antes de ir para os bailes de gala, eu esperava ele telefonar e, só depois, ia. A minha mãe não sabia que nós nos encontrávamos e reclamava: – “Vá logo! Os meninos já estão lá embaixo te esperando”.

Quando ela adoeceu, eu contei a verdade: – “Pois é, agora a senhora está ruim, meus irmãos estão casados e eu estou sozinha”. Depois da morte dela, eu achei que iria me casar com ele, contudo a filha dele, que estava divorciada e com dois filhos para criar, se opôs porque o pai a ajudava financeiramente.

Atualmente, ele é General de quatro estrelas e teve um derrame. Ele me pediu para ir cuidar dele, contudo não quero nem saber. A filha que tome conta. A última vez que ele falou comigo pelo telefone, até perdeu a voz de tão debilitado. Não sei se ele ainda está vivo. Foram 30 anos de relação e de telefonemas diários. Um dia desses joguei trinta e tantas cartas dele no lixo. Sempre que possível, eu mandava uma correspondência. A moça dos Correios até achava graça e fazia piada: – “Ih, lá vai carta para o namorado!”. Eu contava sobre o Vasco e minha vida, porém escondia às idas aos bailes de gala. [Risos]


Esses bailes de gala que você frequentava eram realizados no clube do Vasco da Gama?

Sim, na sede da Lagoa que é lindíssima. Dávamos festas incríveis antigamente e até hoje os bailes são realizados lá. No próximo dia 21 de agosto, aniversário do clube, vai haver uma sessão solene. Quando completamos 100 anos, houve uma comemoração belíssima no Copacabana Palace. Ainda guardo o convite com carinho.

 

Confira a segunda parte da entrevista no dia 19 de março de 2015.

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Bernardo Borges Buarque de Hollanda

Professor-pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV).
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